Prioridade de refugiados internos na Col�mbia n�o � paz, mas saneamento
O som de um vallenato, g�nero musical colombiano, ecoa alto no pequeno �nibus tipo lota��o. Por meio de uma estrada de terra, ele nos leva a uma das comunas do munic�pio de Soacha, na regi�o metropolitana de Bogot�, onde se concentra boa parte da popula��o de "desplazados" (como os colombianos chamam os refugiados internos devido � viol�ncia).
S�o pessoas que deixaram suas casas e ranchos na regi�o rural fugindo do conflito entre guerrilha, Ex�rcito e paramilitares. Buscam abrigo, mas tamb�m trabalho na capital colombiana.
Chegando a um bairro chamado Altos de la Florida, pode-se ter uma ideia da dimens�o do problema. Uma infinidade de casinhas ocre recobre de forma irregular a regi�o montanhosa, onde a temperatura � geralmente dois ou tr�s graus abaixo da j� fria Bogot�.
S�o casas informais, em sua grande maioria constru�das sem supervis�o t�cnica ou autoriza��o legal, umas de tijolos, outras apenas de chapas de metal, com numera��o pintada � m�o nas portas, e lat�es do lado de fora para recolher os dejetos e o lixo da regi�o –que n�o possui rede de esgotos e saneamento na maior parte do territ�rio.
Luis Acosta/AFP | ||
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Mulher deslocada devido ao conflito na Col�mbia carrega crian�a em rua do bairro de Altos de la Florida |
A Col�mbia � um dos pa�ses onde h� mais refugiados internos, junto ao Sud�o e � S�ria, segundo informa��es do Acnur (Alto Comissariado das Na��es Unidas para Refugiados). S�o 6,9 milh�es de pessoas, embora grupos de defesa dos direitos humanos defendam que essa cifra j� tenha ultrapassado os 8 milh�es.
As Na��es Unidas contabilizam os �ltimos 30 anos, enquanto organiza��es locais preferem usar como marco o in�cio do conflito entre o Estado e as Farc (For�as Armadas Revolucion�rias da Col�mbia), h� mais de 50 anos.
Ainda segundo o Acnur, 80% dos "desplazados" vivem na pobreza –desta fatia, 30% se encontram na extrema pobreza–, e a maioria dos deslocados est� nas periferias das grandes cidades, como Bogot�, Medell�n, Cali e Barranquilla.
O n�mero dos refugiados internos corresponde, assim, a cerca de 14% da popula��o, o que costuma jogar para baixo os �ndices sociais do pa�s.
ESGOTO E TRANSPORTE
Enquanto o governo e as Farc negociam h� quatro anos um acordo de paz, cujo an�ncio est� previsto para as pr�ximas semanas, os "desplazados" que vivem na capital colombiana preferem falar de seus problemas mais imediatos. "Falta tudo aqui, desde legalizar propriedades a levar �gua e esgoto a todos", conta � Folha a l�der comunit�ria Mercedes Hern�ndez.
Editoria de arte/Folhapress |
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Para os moradores ouvidos pela reportagem, um dos grandes dramas � o transporte. "Eu entro �s 8h no trabalho, na cidade. Para chegar l� nesse hor�rio, tenho que acordar �s 4h30", diz a gar�onete Carolina Monta�o.
H� v�rias raz�es que explicam esse alto n�mero de "desplazados". Muitas vezes, � porque as casas dessas pessoas ficavam numa regi�o de enfrentamentos entre Ex�rcito, guerrilha e paramilitares. Al�m de balas perdidas, tinham as casas invadidas e usadas como esconderijo ou para roubar bens e comida.
Em outros casos, � porque suas resid�ncias estavam em regi�es exploradas pela guerrilha ou outros grupos criminosos como fonte de renda e extors�o: zonas de minera��o, portos comerciais, regi�es onde transitam caminh�es com mercadorias.
"Um dia os guerrilheiros surgiram e come�aram a dizer que para tudo o que plant�vamos e lev�vamos para o mercado t�nhamos que pagar impostos. Foi ficando mais grave quando come�aram a recrutar crian�as. Ent�o disse ao meu marido que t�nhamos que ir. Tinha medo de perder meu filho", diz Isabel Mar�n.
Para os habitantes de Bogot�, os "desplazados" s�o hoje a cara mais vis�vel da guerra que continua no campo, longe de seus olhos.
Eles vivem nos bairros perif�ricos das montanhas, mas durante o dia s�o vistos pela cidade –fazem trabalhos informais ou em casas de fam�lia. Tamb�m se acumulam na entrada dos grandes mercados populares, no fim do dia, para buscar restos dispensados pelos vendedores.
E, n�o raro, fazem protestos, como o mais recente, quando ocuparam parte de Monserrate, regi�o de reserva ambiental e ponto tur�stico.
H� alguns anos, o governo come�ou a registrar propriedades e a indenizar parte dos refugiados da guerra. Tamb�m come�ou a investir no saneamento local, mas, para as comunas de Soacha, essa ajuda ainda � insuficiente.
MEDALHISTAS
Nesta Olimp�ada, o assunto dos "desplazados" voltou a ganhar relevo no notici�rio, porque dois dos tr�s colombianos que conquistaram medalhas de ouro at� a noite de sexta (19) vieram de regi�es afetadas.
O levantador de peso �scar Figueroa nasceu no interior do departamento de Antioquia, regi�o de enfrentamento entre paramilitares e guerrilheiros. J� a saltadora Caterine Ibarguen viu seus pais deixarem o local onde ela nasceu, tamb�m em Antioquia, em busca de trabalho, porque o conflito havia destru�do a economia local.
Perguntados sobre o que gostariam de fazer caso a paz seja aprovada, os "desplazados" em geral d�o duas respostas. H� os que querem permanecer perto de Bogot�, mas com melhorias.
"Bogot� � onde a economia se move, onde � poss�vel trabalhar. Aqui s� quem � vagabundo n�o acha trabalho", afirma Brian Soto, 19, que quer estudar na capital.
Entre os mais velhos, predomina a ideia de voltar para os ranchos abandonados. "Sinto saudades do meu quintal, dos meus bichos, de n�o ter de pedir esmola. Um campon�s na cidade n�o serve para nada. � um homem triste", diz Don Jos� Spina, 63.
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