An�lise: Periferias italianas s�o como bombas-rel�gio
As periferias das cidades italianas s�o como bombas-rel�gio. Longe do olhar dos turistas que perambulam pelo Coliseu, o pavio do pa�s est� cada vez mais curto.
Todo um distrito suburbano de Roma, Tor Sapienza, foi �s ruas recentemente para protestar contra a invas�o de imigrantes, acusando-os de assaltos e viol�ncia e levando o papa Francisco a lan�ar um alerta sobre uma "emerg�ncia social" iminente.
Nos bairros milaneses de Corvetto e Giambellino, o despejo de pessoas que ocupavam im�veis provocou choques. Em bairros da periferia de N�poles, moradores revoltados chutaram viaturas policiais, deixando claro que t�m mais confian�a na Camorra, a m�fia local, que nas for�as oficiais. Hot�is e parques semiconstru�dos nos sub�rbios napolitanos de Fuorigrotta e Bagnoli est�o caindo aos peda�os, servindo apenas como esconderijos.
"O que h� de novo nisso?" talvez perguntem os franceses ou brit�nicos. Para eles, dist�rbios e agita��o nas periferias e nos conjuntos habitacionais n�o sejam novidade. Mesmo na It�lia, a agita��o nos sub�rbios tem longa data.
Mas o que est� provocando surpresa agora, at� mesmo para os italianos, � a causa da insatisfa��o. Meio s�culo atr�s, nossos migrantes vinham do sul do pa�s, n�o do sul do planeta. Milh�es de pessoas viajavam para o norte da pen�nsula, buscando as f�bricas de Mil�o ou Turim ou procurando trabalho em volta de Roma, disputando trabalho e moradia com os deslocados pela Segunda Guerra Mundial. O poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini, em seu romance "Meninos da Vida", descreveu o bairro romano de Prenestino, cheio "de casas pequenas como dados ou galinheiros, brancas como casas de �rabes e pretas como barracos, repletas de vagabundos de Ap�lia, Marcas, Sardenha ou Cal�bria".
Hoje centenas de pessoas vindas da �frica ou do Oriente M�dio arriscam suas vidas no mar para desembarcar na Sic�lia e Cal�bria. Muitas conseguem chegar at� o norte do pa�s. A rapidez com que esses migrantes chegam e o fato de terem se acumulado nas periferias das cidades s�o motivos de preocupa��o, nem que seja apenas porque os italianos est�o pouco preparados para receb�-los. De acordo com o "�ndice de Desconhecimento", uma pesquisa Ipsos Mori feita em 14 pa�ses, os italianos s�o os menos informados sobre o assunto: eles pensam que os imigrantes formam 30% da popula��o de seu pa�s, quando a cifra real � apenas 7%. � menos que no Reino Unido e Alemanha (ambos com 13%), Espanha (12%) e Fran�a (10%).
Os imigrantes encontram abrigo na periferia das cidades, onde entram em conflito com os moradores tradicionais. � uma mistura perigosa: cerca de 90% da popula��o italiana vive nas cidades ou seus arredores, e, apesar dos esfor�os do novo governo, a It�lia � o �nico pa�s da Europa que ainda est� em recess�o.
Boa parte da responsabilidade por isso � das administra��es locais, mas elas herdaram uma situa��o dram�tica, com constru��es inadequadas e em muitos casos n�o autorizadas, infraestrutura decr�pita e servi�os p�blicos que n�o conseguem atender � demanda. Mesmo as cidades supostamente pr�speras do norte do pa�s, como Mil�o, que vai sediar a Expo 2015, t�m zonas como o bairro Sarca-Testi, onde o crime organizado atua com imigrantes ilegais, prostitui��o e tr�fico de drogas.
Todas as sociedades jogam seus problemas nas periferias, e a It�lia n�o � exce��o.
Ap�s anos de tentativas fracassadas de secess�o do norte do pa�s, o partido de extrema direita Liga do Norte agora est� seguindo o exemplo de movimentos xenof�bicos como a Frente Nacional francesa e o brit�nico Ukip (Partido da Independ�ncia do Reino Unido). O secret�rio da Liga, Matteo Salvini, visitou um acampamento de ciganos nos arredores de Bologna, onde seu autom�vel foi atacado por extremistas. Em poucas semanas, o apoio � Liga tinha dobrado nas pesquisas de inten��o de voto.
� tamb�m na periferia das cidades que s�o jogadas as ilus�es partidas. Com frequ�ncias elas s�o "filhas" da constru��o ilegal e da cobi�a. Nos �ltimos 50 anos, megaprojetos habitacionais p�blicos criados por arquitetos se deterioraram por falta de servi�os e de aten��o. Foi o caso do Zen, em Palermo (de Vittorio Gregotti), do Librino, em Catania (de Kenzo Tange), do Corviale, em Roma (de Mario Fiorentino) e do Rozzol Melara, em Trieste (de Carlo Celli).
Mas � poss�vel que nem tudo esteja perdido. As periferias das cidades italianas n�o s�o irredim�veis, mesmo que estejam desgastadas e enfraquecidas.
O arquiteto Renzo Piano, hoje senador honor�rio vital�cio, diz que podemos consert�-las. Piano usou seu sal�rio de senador para contratar seis jovens arquitetos -tr�s homens e tr�s mulheres- que se propuseram a redesenhar e recuperar os arredores das cidades italianas. Chamado G124, o grupo recebeu o nome da sala no Senado que se converteu em sua sala de trabalho.
Os projetos s�o locais e de foco restrito: o reparo de escolas, ilumina��o de ruas e instala��es de transportes, ou ent�o a retomada e recupera��o de espa�os p�blicos abandonados. "N�o se pode esperar que jovens demonstrem uma fa�sca de consci�ncia cidad� se pr�dios est�o abandonados e caindo aos peda�os, se instala��es de lazer e esportes s�o feias e n�o t�m condi��es de seguran�a", observou Piano. "Acredito que a beleza vai salvar o mundo, come�ando, quem sabe, pela It�lia. Afinal, a It�lia � sua casa."
Beppe Severgnini � colunista do "Corriere della Sera" e autor de "Mamma Mia! Berlusconi's Italy Explained for Posterity and Friends Abroad" (Mamma Mia! A It�lia de Berlusconi Explicada para a Posteridade e para os Amigos no Exterior).
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