An�lise: Sonhos da Primavera �rabe foram frustrados
Com seu avan�o por grandes extens�es do Iraque e a declara��o de um califado global, os fan�ticos do Estado Isl�mico no Iraque e no Levante (EIIL) pareceram ter soterrado os �ltimos sonhos da Primavera �rabe.
Estava no cerne dos levantes �rabes, mais de tr�s anos atr�s, a convic��o, especialmente entre os jovens, de que as sociedades poderiam avan�ar para al�m da dicotomia debilitante entre ditadura e isl� radical e desenvolver sistemas pluralistas que oferecessem aos �rabes escolhas, oportunidades e representa��o dentro do respeito �s leis.
Essa mudan�a teria exigido a integra��o de pol�ticos islamitas moderados (representado por alguns membros da Irmandade Mu�ulmana), a alterna��o no poder e a fuga dos extremos sect�rios, por meio do desenvolvimento de institui��es mediadoras. Teria conduzido o mundo �rabe para a modernidade.
Tirando a Tun�sia e o Curdist�o iraquiano, essas aspira��es foram frustradas. Os sentimentos que levaram �rabes a sair �s ruas n�o desapareceram, mas as sociedades �rabes mostraram ser incapazes desta evolu��o em uma dire��o mais pluralista e democr�tica. Em vez disso, assistimos a uma esp�cie de "libaniza��o" do Oriente M�dio, embora dizer isso seja fazer uma injusti�a com o L�bano de hoje.
Considerando que, nas �ltimas d�cadas, sociedades diversas, desde latino-americanas a asi�ticas, tiveram �xito no tipo de transi��o para sociedades mais pluralistas que muitos �rabes jovens desejavam, por que os fatos seguiram um rumo t�o negativo?
Para come�ar, h� uma diverg�ncia fundamental entre os proponentes do isl� pol�tico e seus advers�rios com rela��o � natureza das sociedades �rabes. Apesar da aparente ades�o da Irmandade Mu�ulmana ao processo pol�tico democr�tico como ve�culo de transforma��es graduais, essas diferen�as mostraram-se imposs�veis de resolver.
Em segundo lugar, o liberalismo nas sociedades �rabes � fraco -uma corrente perif�rica do pensamento pol�tico. Quando cobri a deposi��o de Hosni Mubarak, no Egito, as vozes de liberais estavam entre as que clamavam mais alto por sua sa�da. Mas, pouco tempo depois, ap�s uma elei��o em que Mohammed Mursi, da Irmandade, recebeu pouco mais de 51% dos votos, esses mesmos liberais me diziam que ele tinha que ser deposto. "Esperem quatro anos e ent�o o afastem", dizia a eles. "� assim que a democracia funciona." Eles n�o concordaram. Hoje, tudo est� como de costume no Egito, com um ex-general, Abdel Fatah el-Sisi, eleito com quase 97% dos votos -n�o tanto quanto os 100% que Saddam Hussein se outorgou em sua �ltima elei��o, mas voc� entendeu o esp�rito da coisa.
Em terceiro lugar, a viol�ncia na S�ria vem sendo um veneno. Deixou-se que um levante contra a ditadura de Bashar al-Assad se transformasse em guerra civil e se tornasse o palco do conflito sunita-xiita (com a Ar�bia Saudita sunita e o Ir� xiita apoiando cada lado), al�m de incubador de novas express�es do jihadismo, como o EIIL. Perderam-se oportunidades de prevenir o desenvolvimento de algo que hoje � um teatro de guerra s�rio-iraquiano. O EIIL � a imagem espelhada de Sisi, um extremo islamita em contrapartida a seu extremo anti-islamita.
Em quarto lugar, as rivalidades regionais v�m enfraquecendo as reformas em todos os lugares. Os sauditas (com o apoio de Israel) estavam determinados a fazer descarrilar o experimento da Irmandade Mu�ulmana no Egito; o Ir� est� determinado a refor�ar Assad; Israel vem manobrando para buscar um status quo que consolide sua domin�ncia. O status quo significa a n�o resolu��o do conflito palestino e uma prefer�ncia por l�deres que governam com m�o de ferro.
Em quinto lugar, a redu��o da credibilidade do poderio americano sob o presidente Obama, especialmente depois que ele recuou em rela��o � "linha vermelha" que tinha tra�ado sobre o uso de armas qu�micas na S�ria, criou um v�cuo que foi preenchido por for�as que se op�em �s reformas que os EUA apoiaram, pelo menos nominalmente, quando �rabes jovens e corajosos ocuparam a pra�a Tahrir em 2011.
Estaremos vivendo uma primavera islamita? � poss�vel, mas creio que ela ter� vida curta, porque a maioria dos �rabes jovens n�o deseja uma volta � Idade M�dia.
A melhor maneira de continuar a ter esperan�a � rever nossas previs�es de tempo. Mencionei a relativa estabilidade do L�bano. Ela foi alcan�ada por meio de partilha do poder (tosca, por�m eficaz), um quarto de s�culo ap�s o fim da mortandade sect�ria gerada pela guerra civil no pa�s. Pode ser que se leve o mesmo tempo no Iraque e na S�ria. Ou talvez um novo come�o envolva a fragmenta��o desses Estados.
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