Esperamos tempo demais pela nossa liberdade, disse Mandela ao deixar pris�o
Primeiro presidente negro da �frica do Sul (1994-99), Nelson Mandela passou 27 anos preso por se opor ao apartheid sul-africano.
Leia abaixo a �ntegra do discurso que ele fez em um com�cio na Cidade do Cabo ao ser libertado da pris�o, em 1990.
Mandela morreu nesta quinta-feira, aos 95 anos, em sua casa em Johannesburgo.
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"Amandla! Amandla! iAfrika! Mayibuye!
Amigos, camaradas e concidad�os sul-africanos, sa�do-os em nome da paz, democracia e liberdade para todos. Venho a voc�s n�o como profeta, mas como humilde servo do povo.
Seus heroicos e incans�veis sacrif�cios tornaram poss�vel que eu estivesse aqui hoje. Portanto, coloco em suas m�os os anos que me restam de vida.
No dia de minha liberta��o, gostaria de expressar minha calorosa e sincera gratid�o aos milh�es de compatriotas e pessoas de todo o mundo que trabalharam incansavelmente por minha liberta��o.
Cumprimento com especial carinho o povo da Cidade do Cabo, a cidade em que vivi por tr�s d�cadas. Suas manifesta��es de massa e outras formas de luta serviram como constante fonte de for�a para todos os prisioneiros pol�ticos.
Sa�do o Congresso Nacional Africano (CNA). O partido cumpriu todas as nossas expectativas em seu papel de lideran�a na grande marcha para a liberdade.
Sa�do nosso presidente, o camarada Oliver Tambo, por liderar o CNA mesmo sob as mais dif�ceis circunst�ncias. Sa�do os membros da base do CNA, que sacrificaram a vida e a integridade f�sica em defesa da nobre causa de nosso esfor�o.
Sa�do os combatentes do Umkhonto we Sizwe, como Solomon Mahlangu e Ashley Kriel, que pagaram o pre�o mais alto pela liberdade de todos os sul-africanos.
Sa�do o Partido Comunista da �frica do Sul por sua excelente contribui��o � luta pela democracia. Voc�s sobreviveram a 40 anos de persegui��o incessante. A mem�ria de grandes comunistas como Moses Kotane, Yusuf Dadoo, Bram Fischer e Moses Mabhida ser� acalentada pelas futuras gera��es. Sa�do o secret�rio geral Joe Slovo - um de nossos melhores patriotas. � motivo de �nimo para n�s que nossa alian�a com o partido continue forte como sempre foi.
Sa�do a Frente Democr�tica Unida, o Comit� Nacional de Crise na Educa��o, o Congresso da Juventude Sul-Africana, os congressos indianos de Transvaal e Natal e o Cosatu, e as muitas outras forma��es do Movimento Democr�tico de Massa.
Tamb�m sa�do os Faixas Negras e a Uni�o Nacional dos Estudantes Sul-Africanos. � motivo de orgulho que voc�s tenham servido como consci�ncia aos sul-africanos brancos. Mesmo durante os dias mais sombrios na hist�ria de nossa luta voc�s mantiveram elevada a bandeira da liberdade. A mobiliza��o de massa em larga escala nos �ltimos anos � um dos fatores essenciais que conduziram ao in�cio do cap�tulo final em nossa luta pela liberta��o.
Meus cumprimentos incluem tamb�m a classe trabalhadora de nosso pa�s. Sua for�a organizada � o orgulho do movimento. Voc�s continuam a ser a for�a mais confi�vel na luta pelo fim da explora��o e da opress�o.
Presto tributo �s muitas comunidades religiosas que levaram adiante a campanha pela justi�a quando as organiza��es de nosso povo foram silenciadas.
Sa�do os l�deres tradicionais de nosso pa�s. Muitos dentre voc�s continuam a seguir nas pegadas de grandes her�is como Hintsa e Sekhukhuni.
Presto tributo ao hero�smo incans�vel da juventude. Voc�s, os jovens le�es, energizaram a nossa luta.
Presto tributo �s m�es, mulheres e filhas da na��o. Voc�s s�o a firme base de nossa luta. O apartheid causou mais sofrimento a voc�s que a quaisquer outras pessoas.
Gostaria de aproveitar a ocasi�o para agradecer a comunidade mundial pela sua grande contribui��o � luta contra o apartheid. Sem seu apoio, nossa luta n�o teria atingido o avan�ado est�gio em que nos encontramos. Os sacrif�cios dos Estados de linha de frente ser�o para sempre lembrados pelos sul-africanos.
Minhas sauda��es ficariam incompletas sem que eu expressasse minha profunda aprecia��o pela for�a que minha amada mulher e fam�lia me deram durante os longos e solit�rios anos de pris�o. Estou convencido de que os sofrimentos de voc�s foram muito maiores que os meus.
Antes de ir adiante, gostaria de deixar claro que pretendo fazer apenas alguns coment�rios, neste momento. Farei uma declara��o mais completa apenas depois que tiver a oportunidade de consultar meus camaradas.
Hoje, a maioria dos sul-africanos, negros e brancos, reconhece que o apartheid n�o tem futuro. Precisa ser encerrado por nossa decisiva a��o em massa a fim de criar paz e seguran�a. As campanhas de massa em desafio ao apartheid e as demais a��es de nossa organiza��o e do povo s� podem culminar no estabelecimento da democracia.
A destrui��o que o apartheid causou em nosso subcontinente � incalcul�vel. O tecido da vida familiar de milh�es de membros do meu povo foi destru�do. Milh�es de pessoas est�o desabrigadas e desempregadas, nossa economia est� arruinada e nosso povo vive em conflito pol�tico.
Nosso recurso � luta armada em 1960, com a forma��o da ala militar do CNA, o Umkhonto we Sizwe, foi uma a��o puramente defensiva contra a viol�ncia do apartheid.
Os fatores que tornavam necess�ria a luta armada ainda existem hoje. N�o nos resta op��o a n�o ser continuar. Expressamos a esperan�a de que um clima conducente a um acordo negociado seja criado em breve, para que n�o haja mais necessidade de luta armada.
Sou um membro leal e disciplinado do CNA. Portanto, concordo plenamente com seus objetivos, estrat�gias e t�ticas. A necessidade de unir o povo de nosso pa�s � uma tarefa t�o importante agora quanto sempre foi. Nenhum l�der individual ser� capaz de enfrent�-la sozinho.
� nossa tarefa como l�deres expressar nossas opini�es diante da organiza��o e permitir que as estruturas democr�ticas decidam sobre o caminho a seguir. Quanto � quest�o das pr�ticas democr�ticas, sinto-me obrigado a afirmar que o l�der do movimento � uma pessoa democraticamente eleita em uma confer�ncia nacional. Esse � um princ�pio que deve ser sustentado sem qualquer exce��o.
Hoje desejo informar a voc�s que minhas conversa��es com o governo tinham por objetivo normalizar a situa��o pol�tica do pa�s. Ainda n�o come�amos a discutir as demandas b�sicas de nossa luta. Desejo enfatizar que eu, pessoalmente, em momento algum me envolvi em negocia��es sobre o futuro de nosso pa�s, exceto no que tange a insistir entre uma reuni�o entre o CNA e o governo.
[O presidente] De Klerk foi bem adiante de qualquer outro presidente do partido nacionalista em tomar medidas reais para a normaliza��o da situa��o.
No entanto, existem outras medidas, tais como delineadas na Declara��o de Harare, que precisam ser tomadas antes que negocia��es sobre as demandas b�sicas de nosso povo possam ser iniciadas.
Reitero o apelo por, entre outras coisas, a suspens�o imediata do estado de emerg�ncia e liberta��o de todos os, e n�o apenas de alguns dos, prisioneiros pol�ticos. Apenas uma situa��o normalizada como essa, permitindo livre atividade pol�tica, nos possibilitaria consultar nosso povo a fim de obter um mandato.
O povo precisa ser consultado sobre quem negociar� em seu nome e sobre o conte�do dessas negocia��es. As negocia��es n�o podem acontecer por sobre as cabe�as ou pelas costas do nosso povo.
� nossa cren�a que o futuro do pa�s s� poder� ser determinado por um �rg�o democraticamente eleito em base n�o racial. Negocia��es para o desmantelamento do apartheid ter�o de cuidar das demandas dominantes de nosso povo por uma �frica do Sul democr�tica, n�o racial e unida.
O monop�lio do poder pol�tico pelos brancos precisa acabar, e necessitamos de uma reestrutura��o fundamental de nosso sistema pol�tico e econ�mico a fim de garantir que as desigualdades do apartheid sejam corrigidas e que nossa sociedade seja plenamente democratizada.
� preciso acrescentar que o presidente De Klerk � um homem �ntegro e que est� agudamente consciente dos riscos de uma figura p�blica que n�o honre seus compromissos.
Mas como organiza��o baseamos nossa pol�tica e estrat�gia na dura realidade que enfrentamos, e a realidade � que continuamos a sofrer com as pol�ticas do governo nacionalista. Nossa luta chegou a um momento decisivo. Devemos apelar ao nosso povo que aproveite o momento para que o progresso rumo � democracia seja r�pido e ininterrupto.
Esperamos tempo demais pela nossa liberdade. N�o podemos esperar ainda mais. Agora � hora de intensificar a luta em todas as frentes. Relaxar nossos esfor�os agora seria um erro que as futuras gera��es n�o perdoariam.
A vis�o da liberdade surgindo no horizonte deve nos encorajar a redobrar nossos esfor�os. Apenas pela a��o disciplinada das massas nossa vit�ria poder� ser assegurada.
Apelamos a nossos compatriotas brancos que se unam a n�s para dar forma � nova �frica do Sul. O movimento de liberta��o tamb�m pode ser seu lar pol�tico. Apelamos � comunidade internacional pelo prosseguimento da campanha de isolamento do regime do apartheid.
Suspender as san��es agora seria correr o risco de abortar o processo que conduzir� � completa erradica��o do apartheid. Nossa marcha � liberdade � irrevers�vel. N�o devemos permitir que o medo a detenha.
O sufr�gio universal de um eleitorado integrado em lista �nica, em uma �frica do Sul unida, democr�tica e n�o racial, � o �nico caminho para a paz e a harmonia racial.
Para concluir, desejo citar as palavras que eu disse durante meu julgamento em 1964. Elas continuam t�o verdadeiras hoje quanto eram ent�o. Cito: "Lutei contra o dom�nio branco e lutei contra o dom�nio negro. Carrego comigo o ideal de uma sociedade livre e democr�tica na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com iguais oportunidades. � um ideal pelo qual tenho a esperan�a de viver e ver realizado. Mas, se necess�rio, � um ideal pelo qual estou preparado para morrer".
Tradu��o de PAULO MIGLIACCI
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