Todo pa�s mente, e isso vale para morte de Kennedy, diz Oliver Stone
Mais de 20 anos ap�s lan�ar "JFK", o cineasta Oliver Stone afirma que o filme de 1991 foi "um marco" em sua vida. Depois dele, diz Stone, os cr�ticos sempre o colocariam "como um sujeito que busca ser not�cia, com uma vis�o contenciosa da hist�ria, uma opini�o diferente. Jamais como cineasta apenas".
Em "JFK", Kevin Costner faz o papel do promotor Jim Garrison, que investigou a suposta conspira��o para matar o presidente dos EUA. Na entrevista abaixo, Stone defende o filme conta como sua imagem de John Kennedy mudou ao longo dos anos.
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Folha - Antes de voc� come�ar a trabalhar no projeto "JFK", que imagem fazia do presidente Kennedy?
Oliver Stone - Minha fam�lia era conservadora, republicana. Meu pai era corretor de a��es em Nova York, e era definitivamente republicano, partid�rio de Eisenhower, Nixon. Ele era anti-Kennedy, anti-Castro. Assim, minha imagem do presidente quando crian�a era a de um homem muito bonito e muito elegante.
Quando ele foi assassinado, foi um dia triste, e aceitei a hist�ria oficial. Mas eu n�o sabia muito a respeito, porque o pa�s estava se ajeitando com Johnson, o que, bem, de certa forma era uma continua��o, e por isso eu n�o pensei muito a respeito.
Mas em seguida veio a monstruosidade de Lyndon Johnson no Vietn�, entre outras coisas. O pa�s se amargurou muito, a partir de 1963.
Minha imagem de Kennedy mudou ao longo dos anos por causa de Watergate, das audi�ncias do comit� Church sobre a Ag�ncia Central de Intelig�ncia (CIA), em 1975, e do crescente conhecimento sobre as coisas que o governo dos Estados Unidos estava fazendo no exterior.
Depois, na d�cada de 80, veio meu conhecimento sobre o que o governo Reagan estava fazendo na Am�rica do Sul e Central. Com isso chegamos a 1989; eu era bastante progressista e havia mudado meu pensamento sobre tudo. Inclusive Castro. Inclusive Kennedy.
Como come�ou o projeto "JFK"?
Em 1989/1990, li o segundo livro de Jim Garrison, e pensei que daria um bom thriller, um bom tema. Inspirei-me em "Z", de Costa Gavras, que � sobre o assassinato de um pol�tico na Gr�cia.
E o assassinato se torna um esc�ndalo maior, e est� sendo investigado por um promotor, que resolve o caso, mas as coisas mesmo assim se desmantelam. Ele est� contrariando o Estado.
A mim parecia existir ali uma semelhan�a com Jim Garrison e sua batalha contra o Estado norte-americano. E tamb�m pelo fato de ele n�o ser autorizado a levar o processo adiante.
Portanto voc� considerou que Garrison era um grande personagem para acompanhar e em torno do qual criar um filme?
Sim, eu e Kevin Costner conversamos com ele em pessoa, e fiquei muito impressionado. Ele tinha uma grande determina��o de descobrir a verdade. Algumas pessoas dizem que s� queria publicidade, mas com certeza existem maneiras menos dolorosas de faz�-lo (risadas).
Como voc� escolheu Kevin Costner para o papel?
Naquele per�odo, eu era um diretor muito "quente", tendo realizado "Platoon" e "Wall Street", e a Warner Bros. queria assinar um contrato comigo. Eu n�o sabia se eles produziriam o filme --um filme de tr�s horas e alto or�amento-- sem um astro no elenco.
E eles estavam particularmente ansiosos para que eu trabalhasse com Kevin, que havia feito "Robin Hood" e outros filmes para a Warner. Assim, conseguir Kevin para o projeto foi muito importante.
Quando ele aceitou, o est�dio aprovou o or�amento. N�o havia dinheiro para o elenco de apoio, mas era algo de que eu precisava muito. A hist�ria � complexa e eu queria pessoas com caras boas, caras memor�veis. Porque no final do filme h� uma cena com cerca de 30 pessoas. Eu queria astros para aqueles pap�is.
Passados 50 anos do assassinato e 20 de seu filme, como voc� se sente sobre o fato de que a verdade talvez continue escondida?
N�o � surpresa para mim. Em todo pa�s existem mentiras oficiais, segredos. Na Fran�a, h� sempre o problema do colaboracionismo na �poca da guerra. Os franceses demoraram muito tempo para se acomodar a isso.
Aqui, tamb�m temos quest�es com as quais n�o lidamos. Como a bomba at�mica, o que tento mostrar em "Untold History". S� temos propaganda, e educa��o desinformada.
O mesmo vale para Kennedy. Ali�s, estava claro de imediato que era uma opera��o clandestina. Eles tinham a biografia de Oswald � m�o imediatamente. H� muitos exemplos nas coisas que aconteceram naquele dia, incluindo o roubo do corpo, a aut�psia absurdamente incompetente.
Mas a m�dia era mais subserviente, ent�o, do que � hoje. Hoje h� mais ve�culos de m�dia. Houve contesta��o, mas ningu�m fez coisa alguma oficialmente a respeito. Quando saiu o relat�rio da Comiss�o Warren afirmando que Oswald havia agido sozinho, todo mundo acreditou. Eu acreditei.
Voc� se surpreendeu com a controv�rsia quando o filme saiu?
Eu era mais jovem, eu era ing�nuo, foi minha primeira grande controv�rsia. Antes, havia cr�ticas quanto ao Vietn� e coisas assim, mas nada da mesma dimens�o.
Foi uma grande briga. Um marco em minha vida. E em minha carreira como diretor. Percebi que jamais seria julgado da mesma maneira, depois daquilo.
Em outras palavras, os cr�ticos jamais me colocariam na mesma categoria que os demais, mas sempre como um sujeito que busca ser not�cia, com uma vis�o contenciosa da hist�ria, uma opini�o diferente. Jamais me veriam como cineasta apenas. E isso continua verdade. Creio que toda a minha carreira mudou com aquele filme.
Mesmo quando lan�o um filme como "Savages", h� sempre cr�ticos que estabelecem uma conex�o entre ele e as controv�rsias daquela era.
Com o tempo, e melhor acesso a informa��es, voc� acredita que os norte-americanos buscar�o a verdade?
H� muitas coisas a pesquisar, quanto aos tiros, �s impress�es digitais, �s balas, � arma, ao retrospecto de Oswald, seu paradeiro. Nada disso foi examinado verdadeiramente, � luz do dia.
Defendo meu filme. O filme fala em meu nome. Tenho muito orgulho dele. Sustentou-se bem, passados todos esses anos, porque era um bom filme. A verdade � que o conceito de Garrison como algu�m que busca lucro, ou como um maluco solit�rio, n�o se sustenta.
Hoje temos pessoas como Edward Snowden, Julian Assange, Bradley Manning: pessoas que criticam o Estado. A maioria dos cidad�os os reprova, mas muita gente compreende que Estados mentem. N�s o vimos com Bush no Iraque, com Bush pai no Kuait. Todo mundo tem medo, nos Estados Unidos.
Como Kennedy � percebido hoje nos Estados Unidos, em sua opini�o?
A maioria das pessoas s�o jovens demais para recordar como ele era, hoje em dia. Mas foi um homem glamouroso, e � isso que o torna popular.
Tradu��o de PAULO MIGLIACCI
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