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Por que a economia da Rússia continua crescendo contra todas as expectativas

País foi excluído do sistema financeiro global, mas ainda está crescendo. Por quê? E isso é sustentável?

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Steve Rosenberg
BBC News

A invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, não só provocou indignação internacional. Também desencadeou uma onda de sanções destinadas a enfraquecer a capacidade do Kremlin de travar uma guerra contra o país vizinho.

Os ativos da Rússia no exterior foram congelados, a economia do país foi excluída do sistema financeiro global e suas exportações de energia viraram alvo.

Me lembro de autoridades e analistas ocidentais descrevendo as sanções como "paralisantes", "debilitantes" e "sem precedentes". Com adjetivos como estes sendo propagados, a situação parecia clara. Sem dúvida, não havia como a economia da Rússia resistir à pressão.

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Putin visitando fábrica de tanques nos Montes Urais. - Ramil Sitdkov/Getty Images via BBC

Diante da perspectiva de um colapso econômico, o Kremlin seria forçado a recuar e a retirar suas tropas. Não é verdade?

Vinte e sete meses depois, a guerra continua. Longe de estar paralisada, a economia da Rússia está crescendo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê um crescimento de 3,2% para o país neste ano. Ressalvas à parte, ainda é maior do que o projetado para qualquer uma das economias desenvolvidas do mundo.

As sanções "debilitantes" não geraram desabastecimento nas lojas. As prateleiras dos supermercados russos estão cheias. É verdade que o aumento dos preços é um problema. E nem tudo o que costumava estar à venda ainda está —uma série de empresas ocidentais deixaram o mercado russo em protesto contra a invasão da Ucrânia.

Mas muitos de seus produtos ainda chegam à Rússia por várias rotas. Se você procurar bem, ainda é capaz de encontrar Coca-Cola americana nas lojas russas.

Os CEOs da Europa e dos Estados Unidos podem não se reunir mais em massa no evento econômico anual da Rússia —mas os organizadores do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo deste ano (uma vez chamado de 'Davos da Rússia') afirmam que delegados de mais de 130 países e territórios estão participando do evento.

Em vez de sucumbir diante do peso das sanções ocidentais, a economia russa tem desenvolvido novos mercados no Leste e no Sul Global.

Tudo isso permite que as autoridades russas se vangloriem de que as tentativas de isolar a Rússia, política e economicamente, não foram bem-sucedidas.

"Parece que a economia russa conseguiu se adaptar a condições externas muito desfavoráveis", afirma Yevgeny Nadorshin, economista da PF Capital. "Sem sombra de dúvida, as sanções afetaram à beça o mecanismo de funcionamento dentro da economia. Mas um bocado foi restaurado. A adaptação está acontecendo."

Solução alternativa

Isso significa que as sanções fracassaram?

"A grande questão era o nosso entendimento do que as sanções podem ou não podem fazer", afirma Elina Ribakova, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional.

"Não é como apertar um interruptor, e a Rússia desaparece. O que as sanções podem fazer é desequilibrar um país temporariamente, até ele encontrar uma forma de contornar as sanções, até encontrar formas alternativas de obter carregamentos ou vender seu petróleo. Estamos exatamente neste cenário, em que a Rússia encontrou uma solução alternativa."

Moscou redirecionou suas exportações de petróleo da Europa para a China e para a Índia. Em dezembro de 2022, os líderes do G7, grupo das nações mais industrializadas do mundo, e da União Europeia estabeleceram um teto de preço para limitar a receita que a Rússia obtém a partir das exportações de petróleo, tentando manter o preço do barril abaixo de US$ 60.

Mas os especialistas ocidentais admitem que a Rússia foi capaz de contornar esta situação com bastante facilidade.

Exploração da petrolífera Tatneft na Rússia, em 4 de junho de 2023. - Getty Images via BBC

A história do teto de preço realça um dilema para os EUA e seus parceiros.

Reconhecendo que a Rússia é um dos maiores representantes do mercado energético global, eles tentaram manter o petróleo russo fluindo para evitar a subida dos preços da energia. O resultado disso é que Moscou continua a ganhar dinheiro.

"De certa forma, nos recusamos a sancionar adequadamente o petróleo russo", conclui Elina Ribakova. "Esse limite de preço é uma tentativa de ter o melhor dos dois mundos. As prioridades são permitir a entrada do petróleo russo no mercado, e reduzir as receitas da Rússia. E quando estas duas prioridades entram em conflito, infelizmente a primeira vence. Isso permite à Rússia arrecadar muita receita e continuar com a guerra."

A Rússia se tornou o maior fornecedor de petróleo da China. Mas a importância de Pequim para Moscou vai muito além das exportações de energia. A China se transformou em uma tábua de salvação para a economia russa. O comércio entre os dois países bateu um recorde de US$ 240 bilhões (R$ 1,26 trilhão) no ano passado.

Basta caminhar por São Petersburgo ou Moscou, e você não precisa ser um especialista em economia para compreender quão importante a China se tornou para uma Rússia abalada por sanções. As lojas de eletrônicos aqui estão repletas de tablets, gadgets e smartphones chineses. As concessionárias chinesas dominam agora o mercado de automóveis local.

Não que a indústria automobilística russa esteja sentada de braços cruzados. Em uma feira de negócios recente, em Nizhny Novgorod, o primeiro-ministro da Rússia, Mikhail Mishustin, foi apresentado à nova versão de um automóvel russo clássico, o Volga. Só tinha uma coisa: o novo Volga é baseado em um carro chinês, o Changan.

"Onde este volante foi fabricado? É chinês?", perguntou o primeiro-ministro, aparentemente irritado com a falta de componentes russos.

"Queremos que [a roda] seja russa", ele disse.

Em última análise, no entanto, não é a indústria de automóvel que está impulsionando o crescimento econômico da Rússia.

Os gastos militares estão fazendo isso.

Putin visitando fábrica de tanques nos Montes Urais. - Getty Images via BBC

Desde que a Rússia lançou o que o Kremlin ainda chama de "operação militar especial" na Ucrânia, as fábricas de armamento têm trabalhado dia e noite, e cada vez mais russos têm sido empregados no setor da defesa.

Isso fez aumentar os salários no complexo industrial-militar.

Mas gastar muito no setor militar significa que haverá menos para gastar em todo o resto.

"No longo prazo, a economia está sendo destruída", acredita Chris Weafer, sócio fundador da empresa de consultoria Macro-Advisory. "Não há dinheiro sendo destinado ao desenvolvimento futuro."

Ele diz que em 2020 houve muita discussão sobre o programa do Projeto Nacional, no âmbito do qual seriam gastos US$ 400 bilhões (R$ 2,11 trilhões) na melhoria da infraestrutura, do transporte e das comunicações na Rússia. Em vez disso, "quase todo esse dinheiro foi desviado para financiar o complexo industrial-militar e apoiar a estabilidade da economia".

Após mais de dois anos de combates, a economia da Rússia se adaptou às pressões da guerra e das sanções. Mas os EUA estão ameaçando agora com sanções secundárias os bancos estrangeiros que facilitam as transações com Moscou, e isso está gerando uma nova série de problemas para a Rússia.

"A chegada de produtos à Rússia desacelerou", observa Chris Weafer. "Peças sobressalentes são mais difíceis de encontrar. Todos os dias, há histórias de bancos na China, na Turquia e nos Emirados que se recusam a lidar com transações russas, seja dinheiro da Rússia para comprar mercadorias ou dinheiro que está voltando para a Rússia em forma de pagamento por petróleo ou outras importações. A menos que isto seja resolvido, a Rússia terá uma crise financeira no outono."

É por isso que seria errado concluir que a Rússia venceu as sanções. Até agora, o país encontrou maneiras de lidar com elas, contorná-las e reduzir a ameaça proveniente delas.

Mas a pressão das sanções sobre a economia russa não desapareceu.

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