Descrição de chapéu Lojas Americanas

Ex-CEO da Americanas e ex-diretora são alvos de mandados de prisão por fraude contábil; veja vídeo

OUTRO LADO: Defesa afirma que Gutierrez 'jamais participou' do esquema, e assessoria de Saicali não comenta; Americanas diz que foi vítima de fraude

Brasília

Um ex-CEO e uma ex-diretora da Lojas Americanas são procurados pela Polícia Federal após serem alvos de mandado de prisão por suspeita de ligação com o rombo de R$ 25,2 bilhões na empresa. Nesta quinta-feira (27), a PF também cumpriu mandados de busca e apreensão contra outros ex-executivos da varejista.

Cerca de 80 policiais federais participaram da operação, batizada de Disclosure, termo em inglês usado no mercado financeiro para divulgação de informações para dar transparência à situação econômica de uma empresa.

Foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão (14 nas residências de ex-profissionais e um na sede da empresa no Rio de Janeiro). Além disso, a Justiça Federal determinou o sequestro de bens e valores destes ex-diretores que somam mais de R$ 500 milhões.

Agentes da Polícia Federal cumprem mandados durante operação contra fraudes na Lojas Americanas - Divulgação/Polícia Federal

ex-CEO da companhia Miguel Gutierrez e a ex-executiva Anna Saicali foram incluídos na difusão vermelha da Interpol. Esse é o sistema utilizado para que a ordem de prisão de pessoas que se encontram no exterior seja publicizada e para que os países que integram a Interpol possam cumprir o mandado em caso de deslocamento dos alvos.

De acordo com a PF, Gutierrez deixou o Brasil em 29 de junho de 2023, após instauração de inquérito e depois da criação da CPI sobre o tema no Congresso. Ele tem dupla nacionalidade, brasileira e espanhola.

Saicali, segundo apurou a Folha, deixou o país no último dia 15. Contatada, a assessoria de Saicali não se pronunciou. A defesa de Gutierrez informou que ele "reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios".

A operação desta quinta não envolve o trio de bilionários sócios de referência da empresa, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles.

Entre outros elementos, a ação da PF tem como lastro os acordos de colaboração premiada de Marcelo Nunes, que foi diretor financeiro da empresa, e Flávia Carneiro, responsável pela Controladoria da B2W. A investigação indica que a diretoria da varejista discutia abertamente sobre as fraudes.

O rombo nas contas da Americanas foi revelado no início de 2023, quando a empresa informou ao mercado inconsistências contábeis da ordem de mais de R$ 20 bilhões, levando a varejista a entrar em um processo de recuperação judicial.

Estudos produzidos pela própria companhia apontaram que as inconsistências eram, na verdade, fraudes contábeis cometidas por ex-funcionários da empresa.

Ao informar à CVM, em novembro de 2023, o quarto adiamento da divulgação das demonstrações financeiras de 2022 e da revisão do balanço de 2021, a empresa afirmou que foi "vítima de uma fraude sofisticada e muito bem arquitetada, o que tornou a compilação e análise de suas demonstrações financeiras históricas uma tarefa extremamente desafiadora e complexa".

A investigação desenvolvida pela PF mostrou que as irregularidades praticadas pelo ex-funcionários da empresa tinham como finalidade alcançar metas financeiras internas e fomentar bonificações. Por outro lado, a ação dos investigados manipulava e aumentava de forma ilícita o valor de mercado das ações da companhia.

A investigação da Polícia Federal indica que o ex-CEO vendeu R$ 158 milhões em ações da empresa após saber que seria substituído do comando e que as irregularidades seriam descobertas.

No total, 11 ex-executivos da empresa venderam mais de R$ 250 milhões após o aviso de troca de comando na empresa.

A apuração aponta que as ações foram negociadas a partir de julho de 2022, quando Gutierrez foi informado que Sergio Rial assumiria seu lugar no comando da empresa.

A informação é utilizada pelos investigadores para enquadrar Gutierrez e outros investigados no crime de uso de informação privilegiada.

Esse tipo de crime se dá quando a pessoa usa uma informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, e a qual somente tem acesso devido ao cargo ou posição para obter algum tipo de lucro

No caso concreto, como Gutierrez sabia que as ações iriam desvalorizar com a revelação das fraudes, diz a PF, ele usou essas informações para vender as ações a um preço superior, antes de todos saberem dos futuros prejuízos da Americanas.

Além de Gutierrez, que encabeça a lista de executivos que mais venderam ações, Anna Saicali vendeu R$ 57 milhões em papeis da empresa a partir de julho de 2022.

Os outros alvos da operação da PF foram Anna Christina Soteto, Carlos Eduardo Padilha, Fabien Picavet, Fabio Abrate, Jean Pierre Ferreira, João Guerra Duarte Neto, José Timotheo de Barros, Luiz Augusto Henriques, Marcio Cruz Meirelles, Maria Christina Do Nascimento, Murilo dos Santos Correa e Raoni Lapagesse Franco.

São investigados os crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada e associação criminosa. Em caso de condenação, as penas chegam a até 26 anos de reclusão. As medidas da operação policial desta quinta foram autorizadas pela 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

FRAUDE FOI BATIZADA DE 'INCONSISTÊNCIAS CONTÁBEIS'

Na noite de 11 de janeiro de 2023, a Americanas divulgou um fato relevante ao mercado informando sobre "inconsistências contábeis" de R$ 20 bilhões, o que levou à renúncia do então CEO Sergio Rial e do principal executivo de finanças, André Covre, ambos recém-empossados.

Em 19 de janeiro, a empresa entrou em recuperação judicial, com dívidas declaradas de R$ 42,5 bilhões. Os maiores bancos do Brasil são os principais credores da varejista, e foi com eles que a empresa deu início a uma verdadeira batalha nos tribunais: as instituições financeiras não aceitavam receber calote da companhia, até então uma das maiores do setor de varejo do país, que tinha livre acesso a crédito.

Em junho, a empresa assumiu fraude nos balanços. Relatório elaborado por assessores jurídicos que acompanham a Americanas desde que ela entrou em recuperação judicial apontou que demonstrações financeiras da varejista vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da empresa, o que inflou seus resultados em R$ 25,3 bilhões —esse foi o lucro fictício acumulado ao longo dos últimos anos (a companhia não informou ainda quantos anos).

A antiga diretoria da Americanas atravessou décadas na empresa. À exceção do ex-CEO Miguel Gutierrez, que se aposentou ao final de 2022 para passar o bastão a Rial, os demais diretores foram afastados semanas depois de o escândalo vir à tona.

A atuação dos três principais acionistas da varejista —o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, sócios da empresa de private equity 3G Capital— também esteve sob escrutínio.

Conselheiro da companhia, Sicupira foi apontado como o representante do trio diretamente ligado ao dia a dia da Americanas. Mas, em depoimento à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), disse que ficou 'em choque' ao receber ligação de Rial para tratar do escândalo contábil.

No final de setembro, a CPI (comissão parlamentar de inquérito) que investigava a Americanas encerrou suas atividades sem apontar culpados.

OUTRO LADO

A defesa de Miguel Gutierrez afirmou que não teve acesso aos autos das medidas cautelares e por isso não tem o que comentar. Em nota, afirma que "Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios".

Contatada, a assessoria de Anna Saicali preferiu não se pronunciar.

A defesa de José Timotheo de Barros afirmou que a operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal em sua casa é desnecessária. "Desde o início das apurações, documentos, informações econômicas e dados telemáticos foram colocados à disposição para a apuração do caso. De toda forma, o fato de hoje é importante para que seja concedido pela Justiça o reiterado pedido de acesso às delações premiadas", diz nota de Antonio Sérgio Pitombo, da Moraes Pitombo Advogados.

Foram contatadas também as defesas de Fabio Abrate, João Guerra Duarte Neto e Marcio Cruz Meirelles, além de Anna Christina Sotero, Fabien Picavet, Luiz Augusto Henriques, Maria Chirstina Do Nascimento e Raoni Lapagesse Franco, sem resposta até as 17h.

Não foram encontradas até as 17h desta quinta as defesas de Carlos Eduardo Padilha, Jean Pierre Ferreira e Murilo dos Santos Correa.

Em nota, a Americanas afirma que reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes. "A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos."

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