Descrição de chapéu Banco Central Governo Lula

André Lara vê retrocesso em PEC do BC e Meirelles fala em garantia de perenidade da autonomia

Tema é debatido em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O economista André Lara Resende vê a PEC (proposta de emenda à Constituição) que amplia a autonomia do Banco Central como um retrocesso, enquanto Henrique Meirelles, ex-presidente da instituição, fala em garantia de perenidade da independência.

Economistas e funcionários da autoridade monetária foram convidados a debater na manhã desta terça-feira (18), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, a proposta que busca dar autonomia financeira e orçamentária ao BC.

Fachada da sede do Banco Central, em Brasília - Gabriela Biló - 14.abr.2024/Folhapress

"A PEC como está não é um avanço institucional, é um profundo regresso. É uma volta a uma ideia das atribuições do Banco Central executadas por um banco público-privado, pré-1945", afirma Lara Resende, que também é ex-diretor do BC.

Com a PEC, o BC passaria de autarquia para empresa pública de natureza especial, que exerce atividade estatal, o que daria maior poder à instituição sobre o seu próprio orçamento, como ocorre com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Para ele, não seria preciso uma PEC tocando em assuntos "tão difíceis" para resolver uma questão de dotação orçamentária da autoridade monetária.

Como mostrou a Folha, o BC perdeu 20,1% de sua força de trabalho em uma década. O enxugamento do quadro de funcionários ativos é puxado sobretudo pela combinação de aposentadorias (quase 85% do total) com a falta de reposição de mão de obra por meio de novos concursos públicos —o último foi realizado em 2013.

Esse quadro de deterioração gerou uma série de mobilizações dos servidores da instituição nos últimos anos por reajustes salariais e medidas de reestruturação de carreira.

Lara Resende comentou as implicações fiscais da retirada do orçamento do BC do escopo do Orçamento da União, destacando a remuneração das reservas de depósitos a prazo.

"Um Banco Central que custa hoje R$ 5 bilhões vai ter espaço para chegar a até nove vezes isso. Veja o que estamos abrindo de potencial de gastos", afirmou. "Isto na defesa das pessoas que são consideradas responsáveis fiscais e vivem avisando sobre problema do risco fiscal do país e cobrando providências imediatas."

Ele falou em "estímulo perverso" ao ressaltar que quanto mais altos os juros, mais alta a remuneração de próprio orçamento do BC.

"Corremos risco de voltar a um quadro de fragmentação fiscal, de balcanização fiscal, onde o Orçamento da União, a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], se torna mais uma vez uma peça de ficção, completamente irrelevante", disse.

Ele defendeu que as políticas monetária e fiscal são complementares e não podem ser conduzidas de forma independente e contraditória. Falou ainda sobre o papel do Congresso no aprimoramento das instituições, mas defendeu um caminho diferente do discutido atualmente.

"Essa PEC é um regresso a uma percepção de autoridade monetária de 100 anos atrás. O que devemos pensar é como se desenha a autoridade monetária do século 21, para os desafios de uma moeda digital e o sistema financeiro baseado quase que integralmente em transações imediatas digitais", acrescentou.

Na saída da sessão, o economista disse à Folha que achou o debate na CCJ menos politizado do que imaginava. "Isso não é uma discussão partidária, não é uma discussão política. Isso é uma discussão de aprimoramento institucional, como deve ser."

"Foi mais próximo de uma discussão racional de aprimoramento institucional do que eu poderia imaginar, dado o calor do momento das discussões", complementou.

Na manhã desta terça, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atacou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, dizendo que ele tem lado político e trabalha para prejudicar o país. Questionado pela Folha sobre o episódio, Lara Resende não quis comentar o assunto.

Na audiência pública, em participação por vídeo, Henrique Meirelles defendeu a autonomia financeira como a última etapa do ciclo de independência da autoridade monetária e ressaltou a importância da previsibilidade para a formação das expectativas dos agentes econômicos para facilitar o trabalho de controle da inflação do país.

"A autonomia formal do BC, inclusive com a possível ampliação para autonomia financeira, é necessária porque o Brasil não pode ficar dependente do compromisso informal com a autonomia do BC a cada presidente eleito", disse.

"É fundamental ter a garantia de perenidade dessa autonomia. Sem previsibilidade, os riscos se ampliam e fica mais difícil controlar a inflação pela falta de confiança", acrescentou.

Mais longevo chefe da instituição, cujo mandato durou de janeiro de 2003 a dezembro de 2010, Meirelles recordou sua passagem no comando da instituição. Segundo ele, o presidente Lula honrou o compromisso firmado entre eles, embora na época não existisse autonomia legal –em vigor desde 2021.

"Isso permitiu que o país crescesse com a inflação naquela época controlada, gerasse mais de 10 milhões de empregos, 40 milhões de pessoas saíram da pobreza, foi um compromisso importante e cumprido", disse.

Ressaltou, contudo, que não é possível garantir que tal acordo seja honrado por todos os presidentes eleitos, em argumentação em defesa para o avanço da proposta.

Em sua fala de encerramento, Meirelles defendeu um aprimoramento do debate e finalizou dizendo que o mais importante é assegurar fontes de financiamento para projetos importantes do BC.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.