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Aeroportos do RS absorvem só 16% dos voos do Salgado Filho, e tarifas explodem

Considerando Florianópolis e dois terminais de SC, demanda suporta 78% das viagens domésticas que iriam para Porto Alegre

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Foto mostra água marrom no térreo do aeroporto, em frente à escada rolante

Interior do Aeroporto Internacional Salgado Filho, detruído nas enchentes em Porto Alegre, em junho - Carlos Macedo / Carlos Macedo/Folhapress

São Paulo

As rotas aéreas gaúchas alternativas a Porto Alegre após o fechamento do aeroporto Salgado Filho devido às enchentes contemplam 16% do total de voos domésticos que a capital registrou de maio a junho do ano passado. Ao considerar a chamada malha emergencial, que inclui o aeroporto de Florianópolis e de outras duas cidades catarinenses, a capacidade sobe para 78%.

A Folha analisou microdados da Anac (Agência Nacional da Aviação Civil) e comparou o período de 4 de maio a 17 de junho deste ano com o de 2023 para voos comerciais regulares, considerando partidas e chegadas.

O Salgado Filho encerrou as atividades em 3 de maio, quando a água do Guaíba inundou a pista e o primeiro pavimento do prédio. O número total de passageiros (domésticos e internacionais) caiu 92,9% de abril a maio: 516 mil passageiros em abril e apenas 36 mil no mês seguinte.

Após fechar o principal aeroporto do estado, o governo federal e as companhias aéreas anunciaram a malha emergencial, que consistiu na abertura da base militar de Canoas, município vizinho de Porto Alegre, e na ampliação da quantidade de viagens em cinco terminais gaúchos e em três catarinenses.

Integram essa malha cidades distantes da capital, como Florianópolis, a cinco horas de Porto Alegre, ou Pelotas, a três. Canoas, o local mais próximo, recebe 34 voos semanais que costumam lotar.

De 4 de maio a 17 de junho, os dez terminais desse circuito emergencial registraram 5.274 voos domésticos, entre pousos e decolagens. Na mesma época de 2023, sozinho, o Salgado Filho teve 6.784 viagens do tipo.

Sem os aeroportos catarinenses, foram somente 1.060 voos em Canoas, Caxias do Sul, Passo Fundo, Uruguaiana, Santa Maria, Pelotas e Santo Ângelo. Nos casos em que a viagem é de uma cidade a outra da malha, foram contabilizados voos em dois municípios.

A redução da oferta e a disputa por viagens próximas à capital levou a uma explosão no preço das tarifas no mês de junho.

Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, registrou alta de 100% no preço médio da tarifa na comparação entre 1º de maio a 19 de junho deste ano e o mesmo período de 2023. Passo Fundo, a quatro horas de carro de Porto Alegre, teve aumento de 64%, e Pelotas, de 36%.

Jaguaruna e Florianópolis, no estado vizinho, ficaram 50% e 14% mais caras, respectivamente.

O levantamento é da Kayak, empresa americana de monitoramento de passagens, feito a pedido da reportagem. Ele considera viagens a serem realizadas de maio a 31 de julho.

Para Canoas, opção alternativa a Porto Alegre, a média das tarifas é de R$ 2.000 para viagens até 31 de julho, saindo de aeroportos de São Paulo. O cálculo foi feito pela reportagem a partir de dados do Google Flights, agregador de preços do Google, em consulta realizada na manhã de sexta-feira, dia 21.

Duas semanas antes do início da tragédia, em 16 de abril, o preço considerado normal para julho, segundo alertas do mesmo agregador, ia de R$ 485 a R$ 1.300.

Em nota, a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) diz que preços das passagens aéreas são dinâmicos e estão sujeitos à liberdade tarifária. Afirma que a tarifa média comercializada para voos para o Rio Grande do Sul, de acordo com a Anac, foi de R$ 554,84 em maio, inferior ao registrado em abril.

Para Marcelo Guaranys, sócio do Demarest e ex-presidente da Anac, é improvável que os preços atuais voltem ao patamar anterior diante do atual cenário. "Óbvio que é importante as empresas terem discernimento para não cobrar preços exorbitantes, mas é natural que esses valores sejam mais altos. Elas vão operar com aeronaves mais limitadas, menos oferta e os custos operacionais aumentam também", diz. "É importante a gente perceber isso, senão vai acabar não tendo transporte aéreo para aquela região."

Ainda não há previsão para a reabertura total e nem parcial do aeroporto. A Fraport, concessionária do Salgado Filho, se reuniu com o governo federal na quarta-feira (19) e afirmou que apresentará um diagnóstico da condição da pista em 18 de julho, quando deve definir um cronograma para o retorno das operações no aeródromo.

Andreaa Paal, CEO brasileira da empresa, chegou a levantar a hipótese de a companhia devolver a concessão caso não recebesse verbas para a reconstrução. Mas no encontro com o governo, que reuniu Sílvio Costa Filho (Portos e Aeroportos), Rui Costa (Casa Civil) e Paulo Pimenta (Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do RS), a empresa reafirmou seu compromisso de manter o contrato até 2042.

Além do prejuízo aos passageiros, a crise envolve custos ainda não contabilizados para a reconstrução, que exigirá verba do governo, dificuldade em atrair turistas domésticos e estrangeiros e os custos logísticos para o transporte de cargas que seriam entregues por via aérea direta à capital.

Para o economista Claudio Frischtak, fundador da consultoria Inter.B, que atua com infraestrutura, o maior desafio para a recuperação do aeroporto está na pista, mesmo que haja vários equipamentos danificados.

"A pista de um aeroporto é íntegra ou não é íntegra, segura ou não segura, não existe meio termo. No limite, reconstruir essa pista, seria uma tragédia –necessária, mas uma tragédia–, e isso gera muita incerteza [sobre a reabertura do terminal]", afirma.

Com o dobro de capacidade em relação ao aeroporto de Florianópolis, o Salgado Filho não tem um equivalente próximo na região. Em 2023, 6,8 milhões de passageiros passaram no aeroporto gaúcho, o sexto mais movimentado do país, contra 3,4 milhões no catarinense.

"O problema não é apenas o transporte de passageiros, mas a perda de conexão com o resto do país. Esse é o drama. No Rio, se o Santos Dumont fecha, tem o Galeão. Em São Paulo, se Congonhas fecha, tem Guarulhos, Cumbica… O Rio Grande do Sul é muito dependente de um único aeroporto", diz Frischtak.

A dependência se dá também no transporte de cargas, e o estado tem um subinvestimento histórico em infraestrutura para a logística rodoviária, segundo o especialista.

Pesquisa recente da Confederação Nacional das Indústrias para o Sul mostra que 81% das empresas do setor indicaram a malha de transporte como o principal gargalo da região. O levantamento cita que só 26% das rodovias federais públicas apresentam boas condições, o que impacta o nível de acidentes e pressiona os custos.

O QUE DIZEM AS COMPANHIAS

Em nota, a Abear, que representa o setor, menciona custos operacionais, como combustível, manutenção, aluguel de aeronaves e tripulação. "A composição de uma tarifa considera diversos elementos, como taxa de ocupação do voo, demanda por trecho, data da compra em relação à viagem, época do ano, entre outros." Afirma que em maio 54,7% das passagens foram vendidas por até R$ 500.

A Azul diz ter dois voos diários de Viracopos, em Campinas (SP), para Canoas. Antes da suspensão no Salgado Filho eram mais de 30 voos diários em Porto Alegre para 21 destinos.

"Os preços praticados variam de acordo com fatores importantes, como trecho, sazonalidade, compra antecipada, demanda e disponibilidade de assentos, entre outros", diz, mencionando também dólar e combustível.

A Latam diz que a precificação do setor aéreo é dinâmica e elenca os mesmos fatores da concorrente. A Gol não se manifestou.

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