Laranja se expande para Minas e Mato Grosso do Sul, mas mantém base em SP

Principal motivo é o avanço do greening, que já atinge quase 4 em cada 10 árvores no interior paulista

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Boa Esperança do Sul (SP)

O forte tombo esperado para a próxima safra de laranja no país, que traz a maior pressão sobre a oferta global da fruta das últimas três décadas, confirmou o cenário crítico indicado nos últimos anos pela citricultura brasileira. Com o impacto, os produtores já iniciaram um processo de expansão de pomares para outras regiões.

Antes restrito praticamente só a São Paulo e ao Triângulo/Sudoeste mineiro, os pomares de laranja têm avançado para outras áreas de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná. O setor, porém, afirma que o que ocorre, ao menos até aqui, é mais uma expansão da área de produção do que uma migração para outros estados.

Pomar de laranja na fazenda Entre Rios, da Citrosuco, em Boa Esperança do Sul, no interior de SP
Pomar de laranja na fazenda Entre Rios, da Citrosuco, em Boa Esperança do Sul, no interior de SP - Joel Silva/Folhapress

Isso se deve essencialmente ao avanço do greening, doença que atinge quase 4 em 10 laranjeiras. Considerada a principal praga da citricultura, ela não tem cura e é um dos responsáveis, ao lado do clima, pela esperada redução de 24,36% na produção na safra 2024/25, segundo o Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura).

O patamar é o menor desde que o órgão iniciou sua pesquisa, há dez anos, e também inferior aos dados da CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos

As árvores em produção para a safra ocupam área de 336 mil hectares, redução de 0,24% em relação à safra passada. Das 15,68 milhões de mudas de laranja produzidas em São Paulo e plantadas em 2023 no país, 9% ocorreram fora do cinturão citrícola, em Minas, Paraná, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, segundo dados do Fundecitrus. Em menor escala, outras 156.133 mudas foram plantadas nos demais estados.

Gerente-geral do Fundecitrus, Juliano Ayres afirmou que os dados não representam um número absoluto, mas indicam uma tendência de resposta ao avanço do greening.

"Nós não podemos deixar essas regiões que têm condição favorável e competitiva viverem o que aconteceu com Limeira [...] Criar um zoneamento, estratégias diferentes para os diferentes locais. Cada microrregião tem uma condição distinta", afirmou.

Segundo ele, quem afirmasse há dez anos que plantaria laranja em estados como Goiás e Mato Grosso do Sul "era chamado de louco", já que os demais estados não têm as condições logísticas e estruturais de São Paulo em relação à atividade agrícola.

"Agora o que se pensa é qual é o lugar mais estratégico para mitigar o efeito do greening, ainda que tenha um frete mais caro."

O horizonte não aponta para o desaparecimento da laranja de seu berço produtivo, no interior paulista —maior área de produção do mundo—, justamente porque toda a logística envolvendo a citricultura está em São Paulo, como as fábricas para processar a fruta, além da proximidade com o porto de Santos.

"Hoje podemos falar em uma realocação da produção em outros estados principalmente por causa do greening. Pomares localizados nas áreas mais afetadas certamente vão migrar para outras regiões", disse Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR e presidente da câmara setorial da citricultura no Ministério da Agricultura.

Ele e Ayres se referem ao cenário verificado em regiões como Limeira e Brotas, de altíssima incidência da doença. Limeira tem o pior cenário, com 73,87% das plantas infectadas, seguida por Brotas (68,53%), Porto Ferreira (59,65%), Duartina (55,66%) e Avaré (54,79%).

A Citrosuco, uma das gigantes do setor de laranja, com 20% de participação no mercado global e responsável por 40% do suco de laranja produzido e exportado pelo Brasil, iniciou plantio experimental de laranja em Mato Grosso do Sul.

Nascida em 2012 a partir da fusão dos negócios de suco de laranja dos grupos Fischer e Votorantim, ela tem 5.500 funcionários —12 mil no período de safra—, e possui quatro fábricas, três delas no interior de São Paulo (Matão, Catanduva e Araras) e uma nos Estados Unidos (Lake Wales, na Flórida).

Um teste pequeno, como define o CEO do grupo, Marcelo Abud, está sendo feito numa área na região de Três Lagoas. Se os resultados forem satisfatórios, os investimentos crescerão.

"É teste com potencial de, se der certo, comprar uma fazenda grande, de 3.000, 4.000 hectares [para produzir]. Tem que olhar tudo", disse.

Isso significa que a laranja produzida em solo sul-matogrossense terá de viajar até uma das linhas de produção para ser processada e, depois, ser levada aos portos.

"Eu não acredito que a citricultura saia do estado [São Paulo]. A gente chama de expansão. O que a gente tem feito, qual é o nosso papel? A gente quer crescer. Então a gente não quer sair, a gente quer aumentar", disse o CEO.

Diretor de negócios da Credicitrus, Fábio Fernandes disse que o crescimento em outras regiões se dá principalmente por meio de produtores paulistas investindo em outros estados, e não pela entrada de neófitos no setor.

O preço da caixa da laranja (40,8 kg cada), porém, é um incentivo para a entrada de novos produtores e a ampliação dos pomares em outros estados, conforme ele.

"O preço passou de R$ 100 a caixa, e antigamente era bem menor. A tendência é de pelo menos manutenção [nos preços] e por isso a gente vê a migração da laranja. É um caminho sem volta, já que o greening tem machucado bastante aqui algumas regiões."

Mato Grosso do Sul atraiu também a Cutrale, outra gigante e que investirá R$ 500 milhões no plantio de 5.000 hectares de laranja entre Campo Grande e Sidrolândia, segundo o governo estadual, que tem a expectativa de que o desenvolvimento da atividade no estado represente no futuro a instalação de uma indústria para processamento da fruta.

Atualmente, o estado tem 2.000 hectares cultivados, área que deve chegar a 10.300 hectares nos próximos anos com os investimentos previstos, segundo dados da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Outro investidor é o grupo paulista Junqueira Rodas, que iniciou plantio de mudas em Paranaíba. Devido ao quadro atual no estado, o Fundecitrus assinou um acordo de cooperação com o governo sul-matogrossense há um mês.

AFINAL, O QUE É O GREENING?

O greening é considerada a principal praga da citricultura e, em apenas um ano, avançou 56% nos pomares do cinturão citrícola formado pelo interior de São Paulo e Triângulo/Sudoeste mineiro.

Enquanto em 2022 atingia 24,42% das plantas, em 2023 já estava presente em 38,06%, deixando doentes 77,22 milhões de árvores de um total de 202,88 milhões de laranjeiras existentes no parque citrícola.

A doença ataca todos os tipos de citros e não há cura para as plantas contaminadas. Árvores jovens afetadas não produzem, enquanto as adultas em fase produtiva enfrentam queda prematura de laranjas e definham com o passar do tempo. Um pé de laranja começa a produzir depois de dois anos, mas só atinge carga plena perto dos quatro anos, segundo produtores.

O Triângulo Mineiro é uma região produtora mais recente e que sofre menos com a doença, com apenas 0,35% de suas laranjeiras contaminadas. Isso ocorre, segundo o setor, pelo fato de a região concentrar a produção em grandes propriedades.

O greening é uma "doença de borda", que ataca as beiradas dos pomares e vai avançando rumo ao centro, segundo o diretor da Citrosuco, Tomás Balistiero. No caso de uma grande propriedade, o combate é feito logo na borda, o que impede seu avanço, ao contrário da região de Limeira, por exemplo, que tem como característica ser recortada em micropropriedades, o que facilita a proliferação do inseto transmissor.

Balistiero disse que a infestação nas fazendas do grupo citrícola é muito inferior à média detectada pelo Fundecitrus, mas não revelou números.

Nos últimos anos, o Triângulo se consolidou e já produz mais que a Flórida, estado norte-americano que sofreu nas últimas safras com o greening e com fenômenos climáticos como o furacão Ian.

As 16 cidades com citros que integram a região mineira produziram cerca de 27 milhões de caixas na safra 2023/24, ante menos de 20 milhões da Flórida.

Mas produzir em outros estados não é necessariamente uma tarefa fácil, dependendo das regiões. Algumas áreas prospectadas por citricultores em Minas Gerais tinham pouca água disponível, o que não é um problema em outras áreas de Mato Grosso do Sul. No estado do Centro-Oeste, dependendo da localidade, o empecilho passa a ser a distância.

A Bahia é outro estado sondado pelo mercado citrícola, mas as condições permitem que a safra seja curta, de apenas quatro meses, o que dificulta –e pode inviabilizar– a implantação de uma fábrica que funcionaria só um terço do ano.

Imagem mostra o executivo Marcelo Abud, CEO da Citrosuco, na fazenda Entre Rios, em Boa Esperança do Sul (SP)
O executivo Marcelo Abud, CEO da Citrosuco, na fazenda Entre Rios, em Boa Esperança do Sul (SP) - Joel Silva/Folhapress

Uma das áreas de avanço da citricultura em Minas é a região montanhosa entre o sul do estado e o Campo das Vertentes, que passou de 26 hectares, em 2012, para 977 hectares em 2022, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Pesquisadores da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) têm acompanhado o desenvolvimento da "‘citricultura de montanha" com estudos para analisar a qualidade das frutas –devido às variações de relevo, altitude e amplitude térmica (diferença entre a temperatura de dia e à noite).

O cenário na região, conforme a Epamig, começou a mudar no início da década passada, quando produtores paulistas passaram a procurar terras com temperaturas mais amenas e sem o greening.

Enquanto isso, porém, o que fazer com as terras hoje usadas pela citricultura em São Paulo e que estão atingidas pelo greening?

"Uma opção para áreas fortemente atingidas é fazer um vazio sanitário, usando as áreas para outras culturas, por cinco anos", disse o CEO da Citrosuco.

Em dezembro, Abud se reuniu com o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), o diretor-executivo da CitrusBR e políticos mineiros para discutir o futuro do setor no estado.

Ele afirmou que os governos estaduais têm o entendimento de que o movimento é de convergência e que as conversas têm sido positivas, inclusive com o governo paulista.

"Acho que migrar pra lá [outros estados] 100% não, mas já tenho falado com Tarcísio [de Freitas, governador paulista], ‘olha, se a condição aqui não for maior, a gente vai ter mais migração’", disse.

Porém é consenso no setor que a queda na produção dos Estados Unidos, problemas climáticos registrados em outros países e a esperada queda brutal na produção brasileira pressionarão ainda mais os preços da citricultura para a próxima safra, que deve ser marcada pelo aumento no preço da caixa da fruta e, consequentemente, do suco de laranja na mesa dos consumidores.

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