Mudanças climáticas fazem empresas de seguro mudarem cálculo de risco para não perder dinheiro

Companhias contratam seguros para ressarcir clientes vítimas de incêndios florestais, inundações e outros

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Emily Flitter
Nova York | The New York Times

Com a intensificação de desastres como os incêndios florestais que devastaram a cidade havaiana de Lahaina e as tempestades que destruíram telhados do Alabama a Massachusetts na semana passada, as seguradoras deixaram de oferecer cobertura em determinadas regiões dos Estados Unidos ou reduziram os tipos de danos por cujo reparo pagarão.

A mudança foi impulsionada por uma parte do setor financeiro que quase sempre passa despercebida, o segmento de resseguros, que oferece seguro às seguradoras.

As empresas do segmento prometem entrar com dinheiro —geralmente grandes quantias— quando algo como um furacão, incêndio florestal ou outro grande desastre cria danos que são caros e amplos demais para que as seguradoras cubram sozinhas. No início do ano, quase todas elas aumentaram os preços.

Restos dos incêndios registrados neste mês no Havaí. Em primeiro plano, o chão queimado está repleto de cinzas e objetos metálicos retorcidos. Uma árvore de grande porte está preta e chamuscada até o topo. Ao fundo, estão o mar e o céu azuis. Há poucas nuvens.
Restos dos incêndios registrados neste mês no Havaí. Desastre deixou mais de 100 mortos no estado norte-americano - Instagram/Reuters

Nas semanas que antecederam o dia 1º de janeiro, a data em que cerca de metade das apólices de resseguro são renovadas para o ano, as empresas de resseguros notificaram às seguradoras dos Estados Unidos e do Canadá —de grandes operadoras nacionais, como a State Farm e a Farmers, até as empresas menores e mais especializadas— que seus preços subiriam. Isso levou a uma série de negociações tensas entre essas seguradoras e companhias como a Swiss Re, a Odyssey Re e outras empresas de resseguros, muitas das quais com sede fora dos Estados Unidos.

As empresas de resseguros perderam dinheiro nos últimos quatro ou cinco anos ao competirem para oferecer as melhores condições aos clientes, disse Franklin Nutter, presidente da Reinsurance Association of America, a associação setorial dessas empresas. Mas, no final do ano passado, decidiram que competir dessa forma não valia o custo.

"A comunidade de resseguros como um todo decidiu essencialmente que precisávamos de uma redefinição", disse Sean Kent, corretor de seguros da FirstService Financial, que ajuda grandes empreendimentos residenciais a encontrar apólices de seguro imobiliário. "Foi a data de renovação de resseguro mais volátil das últimas décadas."

O aumento dos preços das empresas de resseguros acelerou as mudanças em um setor que luta contra um novo senso de incerteza. O mundo está se aquecendo, as tempestades estão ficando mais intensas, a inflação aumentou o custo de reconstrução após um desastre e a alta global nas taxas de juros está tornando o dinheiro em si mais caro.

Desde o início do ano, seguradoras pagaram US$ 40 bilhões a clientes dos Estados Unidos, o que as coloca a caminho de mais um ano de perdas anuais recorde. Em todos os níveis, os custos de proteção contra riscos estão aumentando, e todos, dos líderes de grandes empresas até os proprietários de residências e pequenas empresas, estão sentindo o aperto.

"Se você é o presidente executivo ou vice-presidente financeiro de uma empresa de médio porte —por exemplo uma imobiliária que opera 500 residências em Minnesota—, vai falar sobre resseguro e o impacto que o resseguro tem sobre seus resultados e sua lucratividade", disse Kent.

Os preços do resseguro aumentaram até 40% em 1º de janeiro, com relação ao ano anterior, de acordo com um relatório da Gallagher Re, uma corretora que intermedeia acordos de cobertura de resseguro. Os aumentos de preços abalaram as seguradoras, que, consequentemente, mudaram suas normas quanto aos lugares e beneficiários a que oferecem cobertura.

Quando a State Farm anunciou, em maio, que deixaria de aceitar novas solicitações para determinadas apólices na Califórnia, citou "um mercado de resseguros desafiador". A Allstate também citou os custos de resseguro quando suspendeu algumas de suas atividades na Califórnia. No mês passado, as empresas de resseguros especializadas em seguros agrícolas anunciaram que estavam se retirando de Iowa, onde, há três anos, uma forte tempestade de vento causou danos de quase US$ 4 bilhões.

Como resultado do aumento dos custos de resseguro, as seguradoras também aumentaram os preços, onde a regulamentação permite. De acordo com Kent, o custo do seguro de grandes empreendimentos novos de casas com estrutura de madeira, do tipo que está surgindo nos arredores de cidades como Denver e Calgary, Canadá, e nas planícies do Texas, disparou.

As fortes tempestades nos Estados Unidos causaram quase 70% das perdas que as seguradoras de todo o mundo sofreram neste ano devido a desastres naturais, de acordo com um relatório da resseguradora Swiss Re, sediada em Zurique, divulgado em 9 de agosto. E o clima não tende a melhorar.

"É muito provável que 2023 seja o ano mais caro já registrado em termos de tempestades nos Estados Unidos", disse Steve Bowen, diretor científico da Gallagher Re.

Para as pessoas de fora do setor, pode parecer estranho que tantas empresas de resseguros, sediadas em diferentes partes do mundo, tenham um comportamento tão semelhante. Mas no setor de seguros, o efeito manada é comum, de acordo com Michael Powers, professor de finanças da Universidade de Tsinghua, na China, e antigo vice-comissário de seguros no estado da Pensilvânia.

"As pessoas do setor tendem a ser avessas ao risco. Tendem a observar os mesmos dados. Tendem a ver o mundo da mesma forma", disse Powers.

Muitos especialistas do setor, entre os quais Nutter, acreditam que os preços do resseguro permanecerão altos por um período significativo. Eles dizem que as seguradoras podem ter que aumentar os preços mesmo em locais onde encontram maior resistência dos órgãos regulatórios, que geralmente analisam os aumentos de preços das apólices de seguro ao consumidor e têm o direito de bloquear aqueles que em sua opinião gerariam lucros excessivos.

Com a cautela exibida pelas empresas de resseguros, algumas seguradoras estão recorrendo a outros métodos para garantir dinheiro de reserva. Um deles, o mercado de títulos de catástrofe, permite que os investidores apliquem dinheiro que pode ser usado para cobrir perdas causadas por grandes catástrofes em troca de pequenos pagamentos regulares, com um retorno de investimento atraente. Um total recorde de US$ 7,1 bilhões em títulos de catástrofe foi emitido durante o segundo trimestre deste ano, de acordo com a Artemis, uma empresa que acompanha o mercado de títulos.

Mas nem todas as empresas de resseguros se afastaram das seguradoras em áreas que enfrentam riscos crescentes de desastres naturais. O negócio de resseguros do Berkshire Hathaway, o conglomerado de propriedade de Warren Buffett, fez recentemente um acordo de US$ 1 bilhão com a seguradora estatal da Flórida, a Citizens Property Insurance Corp. Esse é o maior acordo de cobertura da Citizens até o momento com uma única empresa de resseguro tradicional.

Powers disse que os preços de resseguro podem cair mais cedo do que a maioria das pessoas espera e que as empresas de resseguros ficarão afastadas por pouco tempo, antes de começarem a sentir que estão perdendo.

"As pessoas percebem que o céu não caiu"", disse ele, "e querem ganhar dinheiro".

Tradução de Paulo Migliacci

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