Considerada um importante indicador da capacidade de honrar compromissos financeiros, a dívida bruta do Brasil recuou pela primeira vez em seis anos. Em dezembro de 2019, ficou em 75,8% do PIB (Produto Interno Bruto), o equivalente a R$ 5,5 trilhões, ante 76,5% no ano anterior.
A queda, divulgada na sexta (31) pelo Banco Central, foi influenciada pela antecipação de pagamentos do BNDES ao Tesouro Nacional, a venda de reservas internacionais e a melhoria da relação entre receitas e despesas do governo.
A última vez em que o endividamento caiu foi em dezembro de 2013, quando fechou o ano em 51,5% do PIB. De 2014 em diante, a trajetória foi de alta acelerada, puxada pelo desequilíbrio fiscal, agravado pela recessão econômica.
Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), considera o dado positivo, mas ressalta que ele foi alcançado com base “fundamentalmente em fatores extraordinários”.
“De estrutural destaca-se a queda dos juros, do custo da dívida, mas que em algum momento dentro de dois anos pode voltar a aumentar com o crescimento econômico mais elevado e as pressões inflacionárias retornando”, avalia.
De acordo com a IFI, se não houvesse a antecipação do BNDES e a venda de reservas, a dúvida bruta no ano passado teria sido superior a R$ 5,7 trilhões, ou 79% do PIB.
Apesar do desempenho no ano passado, o indicador permanece num patamar muito mais alto do que o registrado no início dos anos 2010.
Entre 2010 e 2014, variava entre 50% e 60%.
Segundo especialistas, para que haja uma trajetória de queda, sem dependência de fatores extraordinários, é preciso que o país volte a registrar superávits primários (receitas maiores que despesas, desconsiderado o pagamento de juros da dívida pública).
Em 2019, o déficit primário do setor público consolidado foi de R$ 61,87 bilhões ou 0,85% do PIB. Foi o sexto ano de resultado negativo, mas o rombo foi menos da metade da meta, de R$ 132 bilhões.
O Banco Central levantou R$ 137,7 bilhões em 2019 com a venda de dólares da reserva no mercado à vista, algo que não ocorria desde a crise de 2009. O BC defendeu a operação em um contexto de maior demanda de empresas que desejavam pagar dívidas no exterior antecipadamente.
Desembolsos do BNDES ao governo somaram R$ 121,7 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões foram devolução antecipada de recursos, fora do cronograma pactuado de vencimentos.
Esses dois fatores foram preponderantes para diminuir a necessidade do país de emitir dívida.
Em outra frente, o governo também obteve arrecadação significativa com leilões de petróleo e com dividendos de estatais. Isso ajudou a melhorar o resultado primário.
Questionado se a queda na dívida bruta se assentava sobre fatores não recorrentes, o chefe do departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, disse não considerá-los exatamente extraordinários.
“O impacto que aconteceu na dívida bruta a partir das operações do BNDES foi medida de política fiscal, então essa é uma decisão tomada e executada pelo governo.”
“No caso das reservas é uma coisa diferente. A atuação do Banco Central em reservas —como o BC não se cansa de falar— é devido às condições próprias do mercado de câmbio”, acrescentou.
Por outro lado, Rocha ponderou que "certamente" uma trajetória de redução da dívida ao longo do tempo demandará um resultado primário no azul e "em montante adequado".
Em nota, o economista do Goldman Sachs Alberto Ramos disse que, no curto prazo, a dinâmica da dívida bruta pode mostrar alguma estabilização em função da Selic historicamente baixa e expectativa de uma aceleração gradual do crescimento real.
"Mas a melhoria da dinâmica da dívida a médio e longo prazo exigirá a entrega constante de superávits fiscais primários estruturais de pelo menos 1,5% do PIB", frisou.
Segundo Mauro Santos, professor da FGV em Brasília, a atual equipe econômica tem como um dos seus principais objetivos o equilíbrio da relação entre dívida e PIB.
Além da antecipação de pagamentos do BNDES e da venda de reservas, ele afirma que o quadro conjuntural de juros baixos também contribui para o recuo da dívida.
"Estamos num cenário convivência temporária com uma taxa Selic muito baixa, que é fruto de uma economia que não cresce", avalia.
Já Samuel Pessôa, também pesquisador da FGV, opina que é preciso persistir no ajuste, tanto na votação de projetos no Legislativo como na aprovação de reformas previdenciárias nos estados. "Acho que a gente está bem, sempre lembrando que no resultado recente há medidas fortuitas que não necessariamente serão sustentáveis no longo prazo. Portanto é preciso persistir na estratégia de ajuste fiscal".
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