Em uma sinalização de que o governo brasileiro deve tentar ficar de fora da briga geopolítica entre Estados Unidos e China, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) indicou que não pretende impor travas para fabricantes específicos no leilão da tecnologia 5G, previsto para 2020.
"Existe o princípio da neutralidade tecnológica. Em todos os editais anteriores e em toda a regulamentação editada pela agência, nós temos como premissa a neutralidade tecnológica", afirmou nesta quarta-feira (27) Karla Ikuma, superintendente-executiva da Anatel.
"Exatamente para dar possibilidade e oportunidade para que todos os fabricantes, a camada produtiva, venham e participem de todas as licitações. E que possam trazer os equipamentos de ponta também para o país", disse.
Karla participou nesta quarta de uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, convocada para discutir o futuro mercado do 5G no Brasil.
Também participaram da reunião representantes de fabricantes de equipamentos para o 5G —Ericsson, Huawei e Qualcomm—, além da Abratel (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) e da organização Intervozes.
O Brasil tem sido pressionado pelo governo dos Estados Unidos a impedir a entrada da chinesa Huawei no 5G brasileiro.
Isso porque os americanos argumentam que a Huawei tem ligações com o governo da China e poderia compartilhar informações de redes que usam seus produtos com Pequim.
A empresa chinesa nega que pratique esse tipo de espionagem.
Embora sejam as operadoras de telecomunicação, e não as fabricantes de equipamentos como a Huawei que participarão do leilão da nova tecnologia, os chineses receiam que o edital da Anatel traga alguma especificidade que crie dificuldades para o uso de seus produtos.
Caso isso ocorra, o Brasil abriria um forte desgaste com a China, que além de principal parceiro comercial do país sinalizou recentemente com um pacote de US$ 100 bilhões (R$ 420 bilhões) de investimentos no país.
Karla Ikuma, da Anatel, disse nesta quarta-feira que o governo, capitaneado pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional), está tomando as precauções necessárias para a garantia da segurança cibernética no mercado 5G do Brasil, mas acrescentou que a agência entende que não é recomendável estabelecer "regras prévias", "escritas em pedra", sobre o tema.
"Todas as formas de ataque e vulnerabilidade em termos de segurança cibernética são bastante dinâmicos, são questões muito vivas. A agência entende que o que devem ser estabelecidas seriam premissas e princípios básicos para a preservação da segurança cibernética", afirmou.
Ao final da audiência pública, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente do colegiado, evitou se posicionar sobre a disputa envolvendo EUA e China em torno do 5G.
"Quem vai dizer o que é seguro ou não são os técnicos, e para isso estão em tratativas não só o GSI como a Anatel", disse.
"Os Estados Unidos têm recentemente, nestes casos envolvendo a Huawei, alguma suspeita com relação ao sigilo e segurança da informação, mas eu não sou a pessoa adaptada ou adequada para falar sobre isso porque eu sou um ignorante com relação a essa tecnologia", afirmou.
Na reunião desta quarta, as fabricantes de equipamentos defenderam a realização do leilão e disseram que o Brasil não pode entrar atrasado no mercado 5G.
Eles argumentaram que o potencial da nova tecnologia é revolucionário —essencial para carros autônomos, internet das coisas e cidades inteligentes, entre outros— e que ela já está operando em outras regiões do globo.
"O 5G é a infraestrutura mais importante da próxima década para atração de investimentos, inovação e competitividade", disse Tiago Machado, diretor de Relações Governamentais da Ericsson.
Além de defender o leilão, Atilio Rulli, diretor em Governo e Relações Públicas da Huawei do Brasil, afirmou que a empresa chinesa desenvolveu ao longo das últimas duas décadas mecanismos que garantem a segurança de ponta a ponta dos seus produtos.
O representante da Abratel, Wender Souza, afirmou por sua vez que a banda de frequência reservada para o 5G gerará interferência no serviço de TVs parabólicas no Brasil, um sinal ainda usado em locais mais afastados do país.
Ele disse que a nova tecnologia é importante, mas defendeu que seja encontrado uma solução para não prejudicar quem ainda depende de parabólicas
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