'Pessoas est�o mais ricas, mas vida hoje � mais pobre', diz fil�sofo
A vida virou uma carreira. As pessoas est�o focadas o tempo todo no seu sucesso profissional. � preciso ganhar o m�ximo de dinheiro, ter uma fam�lia, casa grande -tudo junto. Consumismo, individualismo, carreirismo. A vida contempor�nea, apesar dos avan�os materiais, � mais pobre.
O diagn�stico � do fil�sofo canadense Barry Stroud, 79, professor da Universidade da Calif�rnia em Berkeley (EUA). Autor de obras sobre David Hume (1711-1776) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951), sua especialidade � o ceticismo como filosofia -basicamente o oposto do que ocorre hoje com o pensamento dominante nos EUA e mundo afora.
Leitor de romances policiais e adepto de caminhadas, Stroud observa com pessimismo a rotina moderna de hiperconex�o, que leva � dispers�o e � falta de tempo para a reflex�o. Aponta para a superficialidade dos jovens superricos, que s� sabem comprar carros e barcos. E ataca o crescente poder das finan�as.
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O fil�sofo canadense Barry Stroud, professor da Universidade da Calif�rnia |
Nesta entrevista, concedida em Campos do Jord�o, onde participou do 16� congresso da Associa��o Nacional de P�s-Gradua��o de Filosofia, ele critica a universidade e os fil�sofos. Ela virou uma corpora��o. Eles est�o se especializando em demasia, tendem a lidar com um universo estreito. "� como uma vis�o dentro de um t�nel", afirma.
Seu livro "Engagement and Metaphysical Dissatisfaction" est� em fase de tradu��o no Brasil (ainda sem prazo para a edi��o) e h� planos de vers�o para o seu cl�ssico "The Significance of Philosophical Scepticism".
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Folha - Qual sua vis�o do momento atual?
Barry Stroud - Sociedades divididas do ponto de vista econ�mico est�o se dirigindo para extremos. Os ricos est�o ficando mais ricos, enquanto os pobres mais pobres. � o que est� acontecendo nos EUA e na Europa. O que mudou nos �ltimos 20 anos � o tremendo poder das finan�as, que funcionam um pouco como uma jogatina. O grande produtor de riqueza nesses pa�ses n�o � o real produtor de bens. H� poucas raz�es para achar que isso n�o vai continuar, pois falta regulamenta��o nesses mercados.
Como esse quadro se reflete na maneira como as pessoas pensam no mundo?
Encoraja as pessoas que n�o t�m muito a tentar viver o tipo de vida que eles acham que aqueles que ganham muito dinheiro t�m. � focar em ganhar vantagem. Consumismo e individualismo. A press�o para o avan�o profissional e o sucesso � muito profunda, principalmente na cultura norte-americana. Sou professor em uma das melhores universidades do mundo. Ensino filosofia, �rea que n�o significa ficar rico. Mesmo meus melhores alunos s�o for�ados a pensar neles como iniciantes de uma carreira profissional, s�o focados no carreirismo em detrimento do verdadeiro assunto de seu estudo. Mesmo entre professores isso ocorre e � terr�vel. H� uma grande profissionaliza��o na sociedade. N�o quero dizer que as pessoas n�o estejam fazendo trabalhos s�rios em suas �reas, na ci�ncia, por exemplo. Mas o que as pessoas que est�o fazendo isso pensam de suas vidas? Elas pensam nas suas carreiras profissionais.
Ap�s a Segunda Guerra Mundial o pensamento dominante era diferente. � correto dizer que havia mais solidariedade?
Sim. Muitas pessoas que n�o eram de classe m�dia prosperaram. Foram consumistas de certa forma, mas havia a ideia de fazer tudo aquilo em conjunto; houve movimentos e avan�os sociais. Havia pessoas ricas, mas n�o tantas comparado ao que existe hoje. Existia mais igualdade, melhor distribui��o de riqueza. Mas, nos anos 1960, come�ou a destrui��o gradual dos sindicatos afetando os movimentos de classe m�dia que tinham sido inspiradores. Quando comecei a lecionar em Berkeley, grupos iam para o Sul dos EUA para apoiar os negros, ocorriam protestos contra a guerra do Vietn�, havia uma oposi��o generalizada mobilizando a classe m�dia. N�o sei se alguma coisa parecida poderia acontecer agora.
Por qu�? O que mudou?
Mais pessoas est�o mais preocupadas em olhar para si mesmas. N�o est�o inclinadas a se engajar em movimento sociais. O Occupy Wall Street foi uma tentativa, mas n�o havia um alvo reconhec�vel. Pedir para o mercado financeiro parar o que eles est�o fazendo? Eles n�o param porque h� manifesta��o. � muito dif�cil achar um tema que possa se transformar em um movimento social forte nos EUA. Eu estava em Berkeley quando do movimento pela liberdade de express�o. Em 1968, durante a guerra do Vietn�, houve protestos enormes, a pol�cia jogou g�s lacrimog�neo, foi uma guerra. Isso � nostalgia. � dif�cil imaginar isso nos dias de hoje. Estudantes protestam contra isso ou aquilo, mas geralmente s�o temas locais.
Qual a influ�ncia da situa��o econ�mica mundial no ceticismo, que � o seu objeto de estudo?
Ceticismo � uma palavra que aparece na vida cotidiana. N�o se toma nada como garantido. Na filosofia, tem um significado mais especifico, que n�o est� desconectado do sentido popular do termo.
A ideia, origin�ria dos gregos, era olhar com cuidado para as coisas. Na Gr�cia, havia os que pensavam que existia uma �nica maneira de viver -dentro de uma forma muito racional e organizada. Era preciso achar esses princ�pios e segui-los para ter uma vida de sucesso. Os c�ticos defendiam a ideia de que n�o h� de fato esses princ�pios, que s�o, na maior parte, defensivos. Diziam que alcan�avam uma vida diferente daquela forma racional e ordeira. Que isso lhes dava uma certa paz e satisfa��o que n�o era ating�vel em outra concep��o de vida -que sempre estabelece que � preciso viver assim ou assado.
Hoje h� revistas populares de ceticismo que geralmente s�o antirreligiosas. N�o � disso que se trata o ceticismo no terreno da filosofia. O ceticismo como forma de vida n�o toma as coisas como garantidas, n�o h� procura de princ�pios para formas de vida. Falando assim, parece um discurso dos anos 1960. Voc� vai com o fluxo das coisas. Em certo sentido, o profissionalismo na atual vida norte-americana � o oposto do ceticismo. Hoje o que vigora � o princ�pio de que o que se deve tentar fazer na vida � ganhar o m�ximo de dinheiro. Ficar rico, ter uma fam�lia, uma casa grande, tudo junto. � a ideia de que a vida � uma carreira, esse � o objetivo. O Brasil � provavelmente o maior lugar para viver a vida que eu conhe�o. Aqui mais fil�sofos e historiadores est�o interessados em conhecer o ceticismo.
Como se encaixa nesse pensamento dominante a ideia do empreendedorismo?
� o objetivo definitivo do norte-americano: ser um empreendedor. Isso envolve risco e ousadia e � inating�vel para a maioria das pessoas. Bill Gates teve ideias brilhantes quando era estudante em Harvard. N�o se importou em concluir a faculdade; saiu para colocar suas ideias em pr�tica. A� surge o pensamento de que n�o � preciso ter educa��o. Mas quantas pessoas s�o como ele? O empreendedorismo � parte disso tudo. Agora est� no setor financeiro. Voc� tem que ser um executivo rico de um fundo como prova o sucesso. � o empreendedorismo financeiro no lugar do empreendedorismo de neg�cios produtivos.
Existe tamb�m a ideia de que o indiv�duo � o �nico respons�vel pelos seus fracassos, sem considerar a situa��o social, econ�mica e pol�tica, certo?
Exato. Essa � a mentalidade norte-americana. � o que falam para as pessoas pobres, com baixa escolaridade, muitas vezes negros e hisp�nicos. Que � responsabilidade delas. Vejam o que eu fiz!
Houve alguma mudan�a nessa mentalidade ap�s a crise?
Dif�cil dizer. As pessoas com muito dinheiro n�o podem dizer que sofreram muito com a recess�o de 2008 porque os seus bancos foram resgatados com o dinheiro p�blico. Muitas pessoas perderam seu dinheiro, suas casas e ficaram desempregadas. Est�o desesperadas. Como seria poss�vel colocar essas pessoas juntas? Qual seria o foco? De outro lado, h� pessoas prosperando nos EUA. � o que se v� nos filmes, que apresentam o modelo para se viver. Olhe para essa casa!
Como o sr. analisa o movimento filos�fico pelo mundo?
A filosofia, que � um vasto campo com uma longa hist�ria, tamb�m est� ficando muito profissionalizada. Envolve temas como conhecimento, natureza das coisas, modos de viver, organiza��o da sociedade, pol�tica. A filosofia que est� sendo feita em universidades quem mais pagaria para ver fil�sofos filosofarem? seguiu os princ�pios de organiza��o das ci�ncias. E as ci�ncias tomaram o caminho da especializa��o. Pessoas trabalham nessa pequena parte da f�sica ou nessa pequena parte do c�rebro. Avan�os s�o obtidos assim. N�o acho que isso funcione t�o bem na filosofia. Professores organizam suas carreiras para produzir o m�ximo que puderem para demonstrar que s�o muito ativas. � como a filosofia e outras humanidades est�o funcionando. As pessoas escolhem uma pequena �rea para trabalhar. Um fica especializado em Jane Austen e escreve livros sobre ela. A profissionaliza��o � boa, mas leva a estreitar os assuntos. Pior: as pessoas ficam nesses universos estreitos e n�o precisam saber de mais nada para fazer o que fazem. � como uma vis�o dentro de um t�nel.
O problema est� nas universidades?
Estou na mesma universidade h� mais de 50 anos. Foi o �nico emprego que eu tive. Vi que ela mudou tremendamente. Virou uma corpora��o. A GM � uma corpora��o e faz carros. O que a universidade faz? Na universidade, estudantes entram e saem, mas o foco � na corpora��o, n�o naquele produto. Mas temos que ter estudantes com sucesso. O que s�o eles? S�o aqueles que passam pela universidade e pegam bons empregos, pois obt�m conhecimento t�cnico. A universidade tem cada vez mais a fun��o de ser um lugar por onde os alunos passam quatro anos para entrar no mercado de trabalho.
Mas os alunos n�o est�o aprendendo?
Sim. Porque muitos sabem o que eles querem saber quando terminarem o curso. Est�o aprendendo habilidades. Isso se enquadra no carreirismo. N�o � que tenha havido um tempo em que n�o havia o carreirismo. Mas hoje parece que ele � a �nica coisa.
Fil�sofos ganham dinheiro nos EUA?
Na universidade o sal�rio � bom. N�o h� praticamente outros lugares para trabalhar como filosofo. A l�gica, um segmento da filosofia, fez parte da revolu��o dos computadores. Alguns de meus alunos de l�gica, nos anos 1960, foram por esse caminho, n�o como fil�sofos, e fizeram muito dinheiro. Foram parcialmente fundadores da revolu��o dos computadores. Nesse sentido, aquele foi um bom tempo para ser filosofo.
O fato de as pessoas hoje estarem sempre conectadas muda a forma de pensar?
Drasticamente. A aten��o das pessoas � menor hoje, elas leem menos. Quase nenhum dos meus colegas l� livros em papel. Suponho que muitos dos meus alunos nunca tenham segurando um livro. As pessoas leem na tela. Outro dia um colega me disse que ningu�m l� livros se pode dar um Google. � perturbador. Al�m disso, o foco � na cultura visual. Na filosofia, as pessoas d�o palestras com Power Point. N�o uso isso.
Em geral, h� menos tempo para a reflex�o?
Sim. As pessoas gastam tempo nenhum em reflex�o. Raramente se v� pessoas sozinhas andando sem estar com fones de ouvido, telefones. Vejo isso da janela do meu escrit�rio no campus. Conto quantos est�o sozinhos sem falar ao telefone. O n�mero � muito pequeno.
O sr. est� otimista ou pessimista?
Sou pessimista. As pessoas vivem melhor do que h� 50 anos. Os negros, apesar de ainda estarem pior do que os brancos, vivem melhor. Mas, na vida contempor�nea nos EUA, a maioria das pessoas t�m vidas menos ricas do que as que viviam confortavelmente h� 50 anos. Suas vidas s�o menos ricas -n�o economicamente. As pessoas pensam em preencher suas vidas com coisas, n�o t�m interesses variados, veem TV -que � terr�vel. Ler livros, ver pinturas, escutar m�sica olhar a paisagem, caminhar pela natureza -tudo isso trazia uma vida mais rica do que ficar em frente � TV, falar ao celular, entrar em redes sociais. A amizade mudou. Hoje � clicar no computador. Amizade n�o � mais uma coisa rica, de falar, olhar e fazer coisas junto.
Minha filha trabalhou numa empresa de desenvolvimento de programas de computador. Muitos de seus colegas t�m em torno de 20 anos e ganham muito dinheiro. Perguntei a ela o que eles fazem com tanto dinheiro. Ela me disse: apenas compraram o que seriam brinquedos. Mas brinquedos grandes: v�rios carros, barco, sem falar nas traquitanas tecnol�gicas. Trabalham muito; n�o t�m tempo para viajar. S�o apenas crian�as grandes com a chance de fazer o que quiserem. E o que eles fazem � comprar objetos. � uma vida superficial.
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