[SOBRE O TEXTO] Os dois poemas nesta página integram o livro "Mais Longa Vida", primeira coletânea poética da autora para adultos em uma década, que a editora Record publica no final deste mês.
O que se vai
Perco os cabelos
como perco os dias
um a um.
Um fio
de toda a cabeleira
nada vale.
Da vida
pouco vale
um dia somente.
Porém
o cabelo no pente
o dia no travesseiro
se alinham
idos
perdidos
mortos
e o que se vai
mais pesa.
Não terei calva a cabeça
isso é seguro
a cada fio que parte
um se enraíza
— o crânio é campo fértil
mais que a vida.
Os dias
no entanto
têm sua cota de estoque
limitada
e eu os vejo passar em fila indiana
sem que reposição me seja dada
e sem saber o ponto
em que a fatura
terá que ser quitada.
Marcando meus pontos
A morte me espera sentada.
Eu cada manhã me levanto
escovo esses dentes já gastos
penteio os cabelos
tão ralos
tão finos
espalho o batom sobre os lábios
sorrio para o espelho.
E sei que ela olha,
sem pressa
sem pressa nenhuma,
senhora do meu ritual
e dona de mim
sentada
tranquila
marcando meus pontos na ficha
desde que nasci.
Poemas e ilustração de Marina Colasanti, escritora, jornalista e tradutora, autora de "Contos de Amor Rasgados" (ed. Record).
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