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Museus nos EUA ampliam espaço de mulheres em seus acervos

Instituições como o Museu de Arte de Moderna de Nova York levantam o debate sobre arte e feminismo

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Em 2018, a editora Urutau lançou “Pequeno Guia de Incríveis Artistas Mulheres que sempre Foram Consideradas Menos Importantes que seus Maridos”, de Beatriz Calil,  uma espécie de manifesto que chama a atenção para nomes de grandes artistas que muitas vezes passaram despercebidas ou não despertaram o mesmo interesse que os seus companheiros

O livro faz ainda um levantamento do número de artistas mulheres e homens com exposições individuais e/ou representados por galerias na cidade de São Paulo no ano de 2017. Chega à conclusão de que as mulheres seguem em desvantagem em relação aos homens, pelo menos na capital paulista.

No início de 2020, ao visitar a cidade de Nova York (EUA), lembrei-me do manifesto de Calil pelo seguinte motivo: no reformado Museu de Arte de Moderna (MoMA) percebi que a curadoria parece ter feito questão de colocar lado a lado, ou na mesma sala, casais de artistas como Lee Krasner e Jackson Pollock, Leonora Carrington e Max Ernst, Sonia Delaunay e Robert Delaunay, Elaine de Kooning e Willem de Kooning, entre outros que não estão muito próximos no mesmo museu, como a artista cubana Ana Mendieta e seu companheiro, absolvido da acusação de tê-la de assassinado, o norte-americano Carl Andre. 

Imagem da instalação "The Dinner Party" (1974-79), de Judy Chicago, obra no acervo no Museu do Brooklyn
Imagem da instalação "The Dinner Party" (1974-79), de Judy Chicago, obra no acervo no Museu do Brooklyn - Folhapress

Obviamente essas obras não estão próximas fisicamente porque foram feitas por casais, mas porque integram um mesmo movimento, o que demonstra que os artistas dialogaram e se influenciaram mutuamente, ainda que cada um tenha imprimido identidade própria aos trabalhos. 

Para quem ainda acredita que as mulheres foram moldadas por seus parceiros, há bom material disponível nas livrarias que elucida o debate atualíssimo sobre arte e feminismo. Chamo a atenção para o instigante “Ninth Street Women” (as mulheres da rua Nove), publicado em 2018 pela Back Bay Books, ainda sem tradução para o português, de Mary Gabriel, que narra a história de cinco artistas que mudaram o conceito de arte, entre as quais Lee Krasner e Elaine de Kooning. 
 

Mary Gabriel mostra como essas mulheres, embora dialogando artisticamente com seus companheiros, tinham carreiras autônomas. Assim, uma faceta pouco conhecida de Elaine de Kooning vem à tona justamente na fase em que ela se sentiu mais “livre” desde o casamento com Willem. 

Nessa ocasião, trabalhou com John Cage (que na época terminava o casamento com a multiartista Xenia Cage e começava a assumir sua homossexualidade) e tornou-se também grande amiga de Merce Cunningham (o companheiro do compositor), amizade que teria “irritado” Willem de Kooning, como afirmou Elaine em uma carta: “Ele hostilizava nosso grupinho. Nos chamava de risonhozinhos”. 

Willem se envolveu com seu próprio grupo, e ambos parecem ter levado uma vida artisticamente independente nesse período. Willem trabalhou na sua obra-prima intitulada “Asheville”; já Elaine, entre outros trabalhos, atuou na peça do compositor francês Erik Satie, “A Armadilha de Medusa” (traduzida para o português por Marina Veshagem e publicada pela Rafael Copetti Editor), como Frisette, a filha do barão Medusa, sendo dirigida por Arthur Penn, que décadas depois ficaria conhecido também pela direção do filme “Bonnie and Clyde” (1967).   

A respeito das mulheres no MoMA, há ainda uma sala dedicada à série “Desenhos sem Papel”, entre outras obras, de Gertrud Goldschmidt, conhecida como Gego, uma alemã radicada na Venezuela. 
Esse é o segundo motivo pelo qual o manifesto de Calil me veio à memória: neste início de 2020, em Nova York, as mulheres têm conquistado espaço nos museus e destaque na mídia em razão da qualidade e da importância de seus trabalhos artísticos. 

O Museu do Brooklyn abriu, no dia 24 de janeiro, a exposição “Out of Place: A Feminist Look at the Collection” (fora de lugar: um olhar feminista para a coleção), com trabalhos de mais de 40 mulheres, entre eles a famosa instalação “The Dinner Party”, de Judy Chicago, que consiste numa mesa posta para deusas, artistas e outras mulheres que marcaram a história, como Trotula de Salerno, considerada a primeira ginecologista. 

No “Americas Society”, o destaque foi para a artista brasileira Alice Miceli, com seu misterioso e desconcertante “Projeto Chernobyl”. 

No Museu de Arte da Filadélfia, uma exposição e um manifesto sobre moda e gênero fazem parte do projeto assinado pela artista e designer Floriane Misslin, que defende a ideia de que “se considerem consumidores como iguais, sem se levar em conta o gênero deles”.


Misslin afirma ainda que seu trabalho implica “olhares para horizontes em que as roupas não sancionam gênero, horizontes em que as roupas não permitem desigualdades sexuais”.

Neste início de uma nova década, caberia recordar a importante exposição “Mulheres Radicais: Arte Latino-americana, 1960-1985”, organizada pelo Hammer Museum, de Los Angeles, em 2017. No ano seguinte, essa mostra ganhou espaço na Pinacoteca, em São Paulo, sendo considerada, na ocasião, um dos grandes eventos de 2018. 

Como afirmaram no catálogo brasileiro as curadoras Cecilia Fajardo-Hill e Andrea Giunta, “‘Mulheres Radicais’ examina a prática de artistas mulheres na América Latina e nos Estados Unidos entre 1960 e 1985, um período fundamental da história latino-americana e latina e para o desenvolvimento da arte contemporânea”. A mostra, prosseguem as curadoras, “surgiu de nossa convicção comum de que o vasto conjunto de obras produzidas por artistas latino-americanas e latinas tem sido marginalizado e abafado por uma história da arte dominante, canônica e patriarcal”.

Os brasileiros que, com o novo governo, passaram a ver a terra de Trump como modelo, poderiam se espelhar também nessa efervescência cultural em que as mulheres sobressaem. Infelizmente, contudo, em tempos em que idealmente meninos vestem azul e meninas rosa, em que moças são belas, recatadas e do lar e que, por vezes, são atacadas até pelo chefe maior da nação, a proposta dos museus norte-americanos poderá soar um tanto ousada ou estapafúrdia.


Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de “Cem Encontros Ilustrados” (Iluminuras, 2020) e “Minha Pequena Irlanda/ My Little Ireland” (Rafael Copetti, 2020).

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