Descrição de chapéu LGBTQIA+

Conheça Catherine Opie, que leva retratos sem pudor da cena queer ao Masp

Fotógrafa que vem ao Brasil pela primeira vez diz temer reação de conservadores como aconteceu com Judtih Butler

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A imagem mostra quatro pessoas em uma cozinha. Três delas estão sentadas ao redor de uma mesa de madeira, enquanto uma está em pé ao fundo, perto de uma porta. Na mesa, há três canecas, um jornal, um gorro preto, um vaso com flores brancas e alguns outros objetos. A pessoa à esquerda está em pé, usando uma camiseta preta sem mangas. A pessoa no centro está sentada, apoiando o rosto nas mãos, vestindo uma camisa azul. A pessoa à direita está sentada, usando uma camiseta preta com a palavra 'Wrangler' em vermelho. A quarta pessoa está em pé ao fundo, usando uma bandana azul na cabeça. A cozinha tem paredes brancas, janelas grandes e uma prateleira com alguns itens.

'Flipper, Tanya, Chloe & Harriet', 1995, foto de Catherine Opie - Catherine Opie / Cortesia da artista

São Paulo

É raro encontrar fotografias antigas de pessoas LGBTQIA+, seja em velhas caixas de sapatos ou museus históricos. Os retratos em sépia costumam exibir homens de gravata, mulheres de vestido e às vezes os dois juntos, ela sentada, ele em pé, com algumas crianças ao redor.

Se alguma dessas pessoas fosse LGBTQIA+, a câmera não poderia saber. Foi pensando nisso que Catherine Opie passou a eternizar, na década de 1980, suas amigas e amigos da fervilhante comunidade queer de San Francisco, em retratos que viajaram pelo mundo e compuseram acervos como o do museu Guggenheim, em Nova York. Agora, a artista abre sua primeira exposição no Brasil, no Museu de Arte de São Paulo, o Masp.

A imagem mostra uma pessoa com um estilo punk posando contra um fundo laranja. Ela usa uma bandana cinza com estampas, uma camisa xadrez preta e cinza sem mangas amarrada na cintura, calças jeans cinza e um cinto preto com uma bainha de faca presa. A pessoa tem uma tatuagem tribal no braço direito, um colar com um pingente grande, brincos e um piercing no nariz. Ela também usa uma pulseira de spikes no pulso direito.
'Idexa', 1993, por Catherine Opie - Cortesia da artista/Catherine Opie

Os retratos de Opie costumam seguir o formato clássico, com pessoas posando sentadas ou de pé diante de uma câmera. Em suas fotos, porém, mulheres usam cabelos curtos, bigodes e calças largas, e homens, maquiagem e saias.

As crianças, quando aparecem, não vestem rosa ou azul. Seus personagens, na verdade, parecem pouco se importar com as normas de gênero. No ano passado, foi um retrato seu de Elliot Page que estampou a capa da autobiografia do ator, onde contou sobre sua transição enquanto astro do cinema.

A ideia de realocar pessoas queer na história pela fotografia surgiu durante visitas a ala de retratos da família real Tudor, na National Portrait Gallery de Londres, feitos ainda por pincéis e não por lentes. O debate foi reacendido também na última Bienal de São Paulo, que exibiu um raríssimo retrato em pintura de uma pessoa transgênero, datado do século 17.

Opie queria compreender o significado de "viver por meio de um retrato formal", diz ela por videochamada de sua casa, em Los Angeles.

Mas a artista não queria vestir seus modelos com trajes elisabetanos para homenagear os velhos mestres da pintura —afinal, "a história nunca pode ser repetida"— e tampouco fazer cliques de caráter documental, "carregando uma câmera por aí", como faziam na época grandes fotógrafos como Nan Goldin, Wolfgang Tillmans e Jack Pierson.

O foco deveria estar nos corpos e trejeitos de seus modelos, intensificados pelas cores supersaturadas dos tecidos usados no fundo das fotos. Mas não são cliques de moda. "As mulheres estão olhando de volta para você, não são apenas objetos."

No final de 1977, San Francisco elegeu o primeiro homem gay da Califórnia para um cargo público, Harvey Milk, para testemunhar seu assassinato apenas 11 meses depois. O ativismo da comunidade LGBT se intensificou na cidade. "Era o auge da liberação gay e, ao mesmo tempo, tínhamos a questão da Aids, ignorada pelo governo. Lutávamos pelos nossos direitos de identidade, e senti que meu trabalho tinha que contribuir para isso", diz Opie.

Foi naquele momento, lembra a artista, que a comunidade se uniu. "As lésbicas e os gays não se misturavam. Mas, com a Aids, a maioria das lésbicas passou a cuidar de seus amigos doentes". Agora, segundo ela, é o momento de abraçar a comunidade transgênero, mais vulnerável às mudanças políticas.

Apesar dos avanços das últimas décadas, Opie acredita que as leis estão se voltando novamente contra a comunidade LGBT nos Estados Unidos. "Se [Donald] Trump vencer [as eleições americanas] nossos direitos de casamento, por exemplo, vão desaparecer. Ele tem a Suprema Corte a seu favor. As mudanças podem prejudicar o resto de nossas vidas."

O alarmismo é uma resposta a declarações recentes de Trump à sua base eleitoral. O republicano vem afirmando que colocará fim ao que considera proteções concedidas pelos democratas à comunidade LGBT, como a recente decisão do Departamento de Educação que impede a discriminação sexual em escolas que recebem financiamento do governo.

Diante do crescimento do conservadorismo, as novas gerações estão retomando a força do ativismo, segundo Opie. "A nova geração está mergulhando na história do que fizemos e como nos assumimos quando as pessoas tinham medo, ainda nas décadas de 1980 e 1990. Eu simplesmente decidi não viver com esse tipo de medo", diz.

Opie não esconde o medo de expor sua obra no Brasil pela primeira vez. "Estou preocupada com o ativismo contra gays e lésbicas. Eu sei o que aconteceu com Judith Butler", diz, lembrando de quando a filósofa e teórica feminista foi atacada por um grupo conservadores em sua passagem pelo Brasil, em 2017, quando participou de um seminário no Sesc Pompéia.

O ocorrido lembra a artista de quando ela própria foi perseguida por um ativista de direita, em 2008. "Ele disse que iria à minha exposição no Guggenheim e roubaria meu filho de mim, porque uma lésbica não deveria ter o direito de criar uma criança."

"Mas estou aliviada que [Jair] Bolsonaro não é mais o líder de vocês", completa Opie.

A primeira passagem da artista pelo país foi na década de 1990, quando ela foi contratada pela The New York Times Magazine para acompanhar a jogadora de basquete Hortência Marcari. "O marido dela na época era dono de casas noturnas em São Paulo com arenas de cavalos no meio delas. O filho dela [Marcari], ainda bebê, foi apresentado em cima de um garanhão branco em uma dessas noites", lembra a artista, entre risadas.

Bem recebida pelos países por onde passa para expor, localizados especialmente na Europa e América, Opie hesitou há 30 anos. "Quando comecei esse trabalho, realmente pensei que estava aniquilando qualquer possibilidade de ter uma carreira, especialmente como professora", diz ela.

A preocupação é parecida com a de outras pessoas que fizeram trabalhos abertamente LGBT na época. As atrizes Helen Shaver e Patricia Charbonneau, que protagonizaram também na década de 1980 "Corações Desertos", um dos primeiros longas a mostrar um romance entre mulheres, ouviram de seus agentes que suas carreiras em Hollywood estariam arruinadas depois que as gravações do filme terminassem.

Para Opie, o maior temor era não poder lecionar na Universidade da Califórnia em Los Angeles, profissão que exerce hoje. "Eu queria formar a próxima geração de artistas", diz.

"É o que eu sempre digo aos meus alunos queer —sejam corajosos. Você não sabe como será recebido e o mundo onde vivemos é difícil, mas se você não viver sua verdade e fizer um trabalho importante para si próprio, não estará vivendo sua vida ao máximo."

Catherine Opie: O gênero do retrato

  • Quando A partir de 05/07. De ter. das 10h às 20h; Qua. a Dom., das 10h às 18h. Até 27/10.
  • Onde Masp- av. Paulista, 1578, São Paulo
  • Preço R$ 75, gratuito às terças-feiras
  • Classificação Livre
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