Descrição de chapéu música clássica

Como será o Teatro Baccarelli, em Heliópolis, a maior favela de São Paulo

Projeto acústico foi concebido pelo arquiteto José Augusto Nepomuceno, o mesmo responsável pela Sala São Paulo

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São Paulo

As tardes são silenciosas na favela de Heliópolis, na zona sul da capital paulista. Os moradores saem para o trabalho e deixam as crianças brincando no pátio das escolas –só se ouve a gritaria do pique-pega e do esconde-esconde. Atualmente, 1.400 alunos, matriculados na rede municipal, complementam o dia, indo até o Instituto Baccarelli, organização social de cultura que, há três décadas, oferece aulas de formação musical para os seus estudantes.

Desde 2005, o instituto está sediado em dois prédios, um para a administração e outro para a escola. Passeando pelos corredores, observamos fileiras de sapatinhos, deixados pelos meninos, antes de entrarem nas salas de aula. Nas paredes, lemos o anúncio da construção de um terceiro edifício, o Teatro Baccarelli, que será inaugurado em dezembro, para abrigar ali os corpos artísticos formados pelos alunos, incluindo a Orquestra Sinfônica de Heliópolis.

Vista da obra da construcao do teatro Baccarelli localizada na favela de Heliópolis - Eduardo Knapp/Folhapress

"Ter uma casa permite que o nosso conjunto consiga formar uma identidade sonora, com uma acústica própria", diz Edilson Ventureli, diretor-executivo do instituto. "É igual a um time de futebol com seu estádio." Será o primeiro teatro a existir na maior favela de São Paulo, que tem mais de 200 mil habitantes e cerca de 1 milhão de metros quadrados. É um sonho que remonta à chegada do Instituto Baccarelli à comunidade, viabilizado agora pela aprovação de um projeto na Lei Rouanet no valor de R$ 36 milhões –R$ 26 milhões já foram captados. A manutenção das atividades ali se dá exclusivamente com as leis de incentivo.

Todo o projeto foi concebido pelo arquiteto Frank Sciliano. Já o trabalho com a acústica ficou a cargo de José Augusto Nepomuceno, o mesmo que desenvolveu a acústica da Sala São Paulo e da Sala Minas Gerais, em Belo Horizonte. O espaço terá capacidade para 533 pessoas e um palco capaz de reunir uma orquestra de cem músicos, um desígnio de Isaac Karabtchevsky, maestro da Sinfônica de Heliópolis e um mahleriano inveterado. Não por acaso, o regente faz questão de inaugurar o Teatro Baccarelli, tocando a "Primeira Sinfonia", a "Titã", de Gustav Mahler, um colosso musical em quatro movimentos.

"Nos últimos anos nem sonhávamos mais com o teatro, com tantas crises econômicas que atingiram o país", afirma Ventureli. Mês passado, o instituto promoveu um ato simbólico na laje, que será ocupada pelo palco. A orquestra executou no espaço a céu aberto peças de Brahms, Bizet e Tchaikovsky. Segundo o diretor, a celebração buscou criar uma consciência sobre o que está sendo construído no terreno, sobretudo entre os operários. Muitos deles, diz Ventureli, nunca tiveram a oportunidade de ir a um concerto ou ouviram música clássica.

Além da plateia e dos camarotes, o teatro terá um fosso, buscando a encenação de óperas e balés. Afinal, a escola começou, no ano passado, a primeira escola de dança. Num contexto de descentralização da cultura, o instituto busca receber, em Heliópolis, algumas das principais instituições artísticas do estado, entre elas a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, e a São Paulo Companhia de Dança. "Acho que todos os organismos culturais públicos devem se apresentar para todos os públicos. Estamos dentro da cidade", afirma ele.

Fundado em 1996 pelo maestro Silvio Baccarelli, o instituto começou a sua atividade, após um incêndio ter desabrigado centenas de pessoas, na favela de Heliópolis. Sensibilizado, o maestro reuniu os alunos em uma fábrica de sucos, formando, num primeiro momento, uma orquestra de cordas. Atualmente, o instituto tem 18 turmas de musicalização, 52 turmas de instrumentos específicos, além de aulas de canto coral e balé. A escola oferece refeições para os estudantes e, no total, tem quatro orquestras, sendo a principal delas a sinfônica.

Qualquer criança moradora de Heliópolis e matriculada na rede municipal pode se inscrever no projeto, que revelou nove instrumentistas do Theatro Municipal de São Paulo e oito músicos da Filarmônica de Minas Gerais, além de talentos espalhados pela Europa. "Nesse tempo todo em Heliópolis, aprendi que a favela é lugar de gente boa e trabalhadora. Precisamos acabar com o preconceito", diz Ventureli.

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