Alanis Morissette dá aula de rebeldia millennial para a geração Z em São Paulo

Artista apresentou hits da carreira no Allianz Parque e homenageou baterista morto do Foo Fighters

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São Paulo

Dá para dizer que Alanis Morissette andou para que Taylor Swift e outras queridas do pop pudessem engatinhar, ao menos no quesito rebeldia juvenil. Ao começar com "All I Really Want" seu show no Allianz Parque, em São Paulo, nesta terça-feira, a canadense de 49 anos provou já nos primeiros versos que seu drama millennial faz as agruras da geração Z parecerem cerveja sem álcool.

"Jagged Little Pill", o álbum que a catapultou à fama global, tem o rock com um pé no grunge e outro no mais cantarolável pop. Vem dele a maior parte da setlist paulistana, para alívio de fãs que não escondem a decepção quando o artista decide tocar composições menos conhecidas, que animam tanto quanto valsa em roda de metaleiro.

Alanis Morissette se apresenta no Allianz Parque, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

O calor que fritou a cidade nos últimos dias deu uma trégua, e Alanis entrou no palco sob um chuvisco que nunca evoluiu para toró, após um vídeo que intercalava momentos da sua carreira —inclua aí ela interpretando Deus no filme "Dogma", de 1999.

De sobretudo preto de paetês sobre um camisão onde se lia "family", mais uma calça de couro incompatível com os termômetros brasileiros, ela fez as reverências esperadas para um show que custou umas boas centenas de reais por cabeça. Disse que sentia falta do país que visitou pela última vez há mais de uma década.

O público pagou e levou um repertório na época rotulado de visceral e raivoso, e que hoje provavelmente ganharia atributos mais ajustados aos nossos tempos. Empoderado, talvez.

Fato é que o álbum farto em temas difíceis, de depressão a abuso, abasteceu uma geração que, amparada por CDs e fitas cassete, cantava aos berros versos como "me sinto bêbada, mas estou sóbria, sou jovem e mal paga" ("Hand in My Pocket") e "ela é pervertida como eu, faria sexo oral em você no cinema?" ("You Oughta Know").

Não que Alanis continue a mesma. Desde então, ela foi para a Índia, alinhou seus chacras, amadureceu, teve três filhos —Ever (sempre, em português), Onyx (como a pedra ônix) e Winter Mercy (misericórdia de inverno)— e depressão pós-parto com todos eles, lançou seis discos, voltou para seu Canadá natal, emplacou um musical na Broadway e outro dia mesmo fez uma campanha para a Gap, um ensaio fotográfico bem família feliz ao lado da prole e do marido.

Mas seus fãs não superam. O auge de sua carreira ainda está na catarse coletiva que criou com "Jagged Little Pill", gravado enquanto a ex-estrela infantil da província de Ontário entrava na casa dos 20 anos, se ajustava à nova vida em Los Angeles, escrevia quase que uma canção por dia, devorava saladas e patinava por horas pela orla local.

Um ano depois de lançar seu mais rentável disco, aliás, ela deu um rolê marqueteiro pelo Brasil e cantou "Head Over Feet" numa participação especial em "Malhação", a novelinha juvenil da Globo.

Gravou acompanhada do baterista Taylor Hawkins, que excursionou com a artista antes de tocar no Foo Fighters. Morto no ano passado, ele vem sendo homenageado nesta turnê, que mostra imagens suas no telão quando a bola da vez é "Ironic". O hit elenca ironias como chover bem no dia do seu casamento e encontrar "10 mil colheres quando tudo o que você precisa é de uma faca".

Foi um show pontual, iniciado nas 21h combinadas, e até curto —somando o bis, coisa de 1h45. A saideira veio com "Thank You", a mais famosinha de um segundo disco mais "gratiluz" e executada enquanto publicações em português no X, o antigo Twitter, preenchiam o telão. Coisas como "sou grata pela luz do sol entrar pela minha janela toda manhã".

Sim, Alanis não é a mesma, mas algo nela se mantém tão intocado quanto a potência de uma voz que sai sem grandes esforços. Veste a camisa "family", mas a jovem que falava sobre "pílulas difíceis de engolir", uma forma possível de traduzir o título do seu mais aclamado trabalho, não foi a lugar algum.

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