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'Tinnitus' não traz novidades aos filmes de mulheres em conflito

Filme de Gregorio Graziosi parece mirar em 'Persona' ou 'Cidade dos Sonhos', mas acaba dando com as personagens n'água

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Tinnitus

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Joana de Verona, Indira Nascimento e Alli Willow
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Gregório Graziosi

Uma jovem atleta de saltos ornamentais tem sua promissora carreira interrompida quando, em uma competição, ouve estranhos ruídos. Desestabilizada, perde a concentração e fracassa na disputa, que poderia eternizá-la na modalidade.

Ela descobre que tem uma condição física chamada tinnitus, que a faz escutar zumbidos anormais, e resolve abandonar o esporte. Após se apaixonar pelo seu otorrino, decide formar família e ter uma vida pacata, longe dos trampolins e plataformas. Mas a chama para a vocação atlética jamais a abandona.

Cena do filme 'Tinnitus', de Gregorio Graziosi
Cena do filme 'Tinnitus', de Gregorio Graziosi - Divulgação

A não ser pela especificidade da doença auditiva e de se passar no universo esportivo, a trama de "Tinnitus" não traz nenhuma novidade em relação a milhares de outros filmes em que uma mulher se divide entre priorizar a vida pessoal ou a profissional. Dirigido por Gregorio Graziosi, o longa, no entanto, trata do tema a partir de um thriller com ares de cinema fantástico, em que os sons e barulhos têm especial importância.

O filme trabalha com um material fundamentalmente camp, e isso é inegável quando vemos imagens de moças vestidas de sereia nadando em um aquário gigante —ou quando presenciamos os confrontos verbais entre as atletas, que trocam farpas e lugares-comuns entre si, com medo de uma tomar o lugar da outra no esporte. Mas quase nunca existe ali aquele tipo de voltagem, ou mesmo de autoironia, que costumam despertar no espectador um prazer abertamente barato, instantâneo, que só os camp realmente bem-sucedidos conseguem com facilidade. Falta alguma veemência ali.

Não é que o filme renegue sua propensão ao ridículo, ao artificial, mas é como se a direção de Graziosi não a abraçasse com a ênfase necessária. Ao contrário: no geral, o cineasta parece preferir investir em uma iconografia mais sóbria, que foge do mau gosto –o filme se escora esteticamente em imagens compostas por linhas elegantes, em geral retilíneas. A câmera foca as personagens emolduradas por margens de piscinas, corrimões e degraus de escadarias, armários de vestiários femininos, os prédios de São Paulo... Essa retidão toda é até vistosa, mas quebra o que o filme poderia ter de mais mundano, prazeroso.

Talvez isso tenha alguma relação com a busca pela perfeição da protagonista, mas pode ser que não tenha nada a ver com isso; é difícil detectar que intenções o filme verdadeiramente tem. A questão do trio de mulheres em conflito –em que uma quer se tornar a outra, enquanto a terceira acha que existe um complô contra ela– é desenvolvida de maneira por demais frouxa no roteiro, assinado por Andres Julian Vera, Marco Dutra e o próprio Graziosi. O filme às vezes parece mirar em "Persona", de Ingmar Bergman, ou "Cidade dos Sonhos", de David Lynch, mas acaba dando com as personagens n’água, literalmente.

A protagonista se chama Marina Lenk –referência ao mar e à lendária nadadora brasileira Maria Lenk, que batiza o estádio aquático carioca onde algumas cenas foram filmadas. Mas não parece haver nenhum outro paralelo entre ambas para além da citação descompromissada.

"Tinnitus", apesar de apostar na prolixidade na questão entre as três protagonistas, no geral é cheio de pequenas obviedades desse tipo. Se um gato preto passa correndo diante da câmera –e de fato em uma cena isso acontece–, significa mesmo que o azar está por perto. Ou se a protagonista assiste a um documentário sobre uma espécie de baleias que não se adapta ao cativeiro, é uma forma de falar que ela própria não suporta amarras.

Bem menos óbvia é a sugestão de que a saltadora veterana vivida por Thaia Perez sofreu torturas durante a ditadura militar –quando o filme mostra um documentário fake sobre o passado dessa atleta, parece que alguma coisa mais vibrante enfim vai acontecer. Mas as possibilidades de explorá-la são lastimavelmente abandonadas mais adiante. (Teria sido melhor se o filme abandonasse o personagem de Antônio Pitanga, cuja existência na trama é um enigma).

Graziosi não é um diretor desprovido de talento, mas seu longa só atinge resultados de fato satisfatórios muito no final. Mas até chegar ali, mesmo o rosto altamente cinematográfico de Joana de Verona e a fisicalidade cômica de Indira Nascimento não são o suficiente para manter o filme –que, diferentemente de suas sereias de aquário, peca por falta de fôlego.

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