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'Suzume' vê o luto como meio de celebrar o amor e a vida após a morte

Longa de Makoto Shinkai, diretor de 'Your Name', acompanha órfã de desastre no Japão em busca do seu passado

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Suzume

  • Quando Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 10 anos
  • Produção Japão, 2023
  • Direção Makoto Shinkai

Suzume enfrenta um luto particular. Há 12 anos, sua mãe morreu em um desastre natural, que não chegamos a ver. A órfã sonha com o além-túmulo, que ela confunde com seu próprio passado, tentando unir fragmentos de uma memória que se perdeu na infância, da pessoa da qual não pôde se despedir.

Adotada pela tia, seu cotidiano de jovem estudante numa pequena cidade litorânea do Japão, distante de Tóquio, é subitamente interrompido pela chegada de Souta, um rapaz em busca de ruínas no local.

Cena do filme 'Suzume', de Makoto Shinkai
Cena do filme 'Suzume', de Makoto Shinkai - Divulgação

Ela não aguenta a curiosidade e vai atrás dele. Será apenas um impulso da paixão jovial? Ou uma pulsão que a move em direção aos escombros do mundo? Neste novo filme de Makoto Shinkai, diretor do popular anime "Your Name", não há muita diferença.

Mergulhado no romantismo juvenil com pitadas sobrenaturais, o diretor agora aposta numa extensa aventura, em que Suzume vai se apaixonar pelo menino enquanto tenta evitar que mais pessoas sofram perdas como a sua.

Para isso, terá de ajudar o jovem a fechar portais espalhados por destroços pelo país do qual saem gigantes minhocas —e que só os dois podem ver. Aprendemos logo que esses seres são a explicação metafísica dos terremotos que assolam o Japão.

As portas, espalhadas por ruínas de escolas, parques e esgotos habitados por fantasmas, por sua vez, dão a ver o além que Suzume tanto procura. Mas a ambição fica de lado quando Souta tem sua alma aprisionada em uma antiga cadeira, única lembrança material que a garota guarda de sua mãe, por um gato mágico que os conduz de cidade em cidade numa frenética perseguição.

A partir de pistas na ambientação, sabemos que estamos em 2023, 12 anos após o terremoto, o tsunami e o acidente nuclear em Fukushima, que mataram milhares. De lá para cá, tantos seguiram suas vidas e outros milhares cresceram sem saber do passado.

Mesmo sob a forma de entretenimento, o trauma persiste como um fato que dá novo sentido ao presente. Enquanto cresce o amor de Suzume por Souta, também crescem suas dúvidas sobre o passado.

Curioso que a obra retome, pela simbologia, percepções de alguns longas recentes sobre luto —a porta, de "Batem à Porta", de M. Night Shyamalan, esse elemento de passagem para o insondável, para a dúvida e o indesejável; enquanto a segunda parte de "Suzume" ecoa a road trip de "Drive My Car", do japonês Ryusuke Hamaguchi, cuja jornada nos ensina que não somos apenas um, mas ao menos dois.

Este último filme, vencedor do Oscar, mostrava Hiroshima como um monumento da destruição, e aqui o passeio pelas ruínas e o retorno à cidade natal de Suzume são parte de um destino inescapável.

Esse vai e vem entre cidades pode deixar o filme um pouco maçante. Mas essa viagem pelo Japão, que renderá vários novos amigos para Suzume, também funciona como um lembrete de que nenhum homem é uma ilha —ainda mais num arquipélago.

Se Shinkai mantém uma dose da pieguice de "Your Name" —seu filme mais desigual, um "Se Eu Fosse Você" com tintas de Nicholas Sparks—, ainda sabe aproveitar a filosofia animista a favor de um relato universal sobre a dor.

É também um reflexo da pandemia e um apelo à memória coletiva. Ou ao luto coletivo, que é o mesmo, como descobrirá Suzume ao adentrar o além —depois da morte, há vida e amor.

Seu estilo de animação segue refinado e carregado de efeitos digitais em prol do realismo, com brilhos e desfoques de câmera, além de uma animação atenta aos mínimos detalhes de textura e movimentação, seja em situações banais ou em lutas de monstros gigantes —a mágica, assim como nos melhores momentos de Hayao Miyazaki, papa do Studio Ghibli, está nos pequenos detalhes que nos fazem esquecer que não há atores humanos em cena.

Os enquadramentos são menos inspirados e os silêncios menos frequentes em relação a "O Jardim das Palavras", de 2013 —em que cada cena parecia contar uma história por si só, mesmo sem os diálogos.

"Suzume" se entrega mais às fórmulas para o grande público, não escapando mesmo do besteirol (como quando a menina "senta" em Souta versão cadeira), ou do didatismo (quando tudo é explicado de bandeja para o espectador).

Talvez seja o filme mais refinado de Shinkai até agora. Pode não faltar personalidade, mas um bocado de ousadia o levaria mais perto de colegas como Mamoru Hosoda e Masaaki Yuasa. Até lá, seguirá desfrutando de gordas bilheterias.

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