A cena é bastante conhecida. Uma moça jovem e bonita, com os cabelos bem curtos, anda pela avenida Champs-Élysées entre carros, vendendo o jornal New York Herald Tribune. Ela veste camiseta, calças cigarrete justas e estreitas, que terminam na altura do tornozelo, e sapatilhas pretas, sapatos de couro simples e sem salto.
É uma cena do filme "Acossado", o primeiro longa-metragem de Jean-Luc Godard, com roteiro de François Truffaut. Lançado em 1960, protagonizado por Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo, o filme é um thriller policial que conta a história da paixão entre Michel Poiccard, um ladrão, e Patricia, uma jovem americana que tenta a vida em Paris.
Não existe nada de especial no figurino de Jean Seberg, cujo famoso corte de cabelo foi criado pelas irmãs Maria Carita e Rosy Carita, que tinham clientes famosas, entre elas Josephine Baker. Entretanto, a simplicidade do look não impediu que essa cena se tornasse uma das mais icônicas da história do cinema.
Isso porque a década de 1960 foi um momento de transformação radical na história da cultura no Ocidente, em que uma nova atitude se impôs. Para a moda, foi um período crucial.
Valorização da juventude, simplificação das linhas, abandono do ornamento, minissaia, "revolução do pavão", desenvolvimento singular da indústria têxtil. Mas, acima de tudo, o elogio da liberdade no vestir.
Como afirmou o historiador da moda François Baudot, "antigamente, não seguir a linha dominante da moda indicava que se era pobre". "A partir dos anos 1960, isso significa muito claramente que se é livre."
Os personagens dos filmes de Godard não são da alta burguesia. São pessoas comuns ou figuras marginais (bandidos, prostitutas), gente que de alguma maneira está à margem das regras da sociedade burguesa.
Em "Acossado", por exemplo, a roupa usada por Belmondo remete aos paletós quadrados dos gângsteres de filmes americanos, com o chapéu de lado e o cigarro na boca.
Jean Seberg, por sua vez, está vestida como uma jovem de seu tempo. "A margem é o que sustenta as páginas", escreveu Jean-Luc Godard.
Esse figurino, criado de acordo com um modelo de cinema feito com poucos recursos financeiros, foi capaz de expressar a força da informalidade, da juventude, do vestir cotidiano, que àquela altura começava a ganhar espaço na indústria da moda.
Foi também em "Acossado" que pela primeira vez apareceram na tela roupas de baixo masculinas e femininas. As cenas da intimidade do jovem casal, em que ele está de cueca, e ela, de camisola, foram uma grande inovação e representaram a liberdade de costumes do cinema francês (e europeu, de modo geral) em relação ao americano.
Se, por um lado, as roupas nos filmes de Godard são tal como eram vestidas pela maioria das pessoas na época, muitas vezes ele usou os trajes de seus personagens para fazer referência a algum elemento do próprio cinema.
É o caso do trench coat, um casaco longo em estilo militar, peça importante que aparece em diversos filmes. Foi usado por Jean-Paul Belmondo em "Acossado", pelo detetive Lemmy Caution, papel de Eddie Constantine, em "Alphaville", e por Anna Karina, em "Made in USA".
Diferentemente de outros diretores da nouvelle vague que convocaram estilistas franceses conhecidos, Jean-Luc Godard não recorreu ao poder das maisons parisienses para criar os figurinos de seus filmes. Mas as roupas desempenham papel fundamental em sua obra. Tanto é assim que alguns looks icônicos de seus personagens, como os figurinos de Anna Karina (que foi casada com o diretor) ou a roupa de Brigitte Bardot em "O Desprezo", servem até hoje de inspiração para a moda.
Mesclando elementos da história do cinema com trajes prosaicos e cotidianos, Godard foi capaz de compor imagens fortes com as roupas. Os objetos de vestuário participam de cenas marcantes, que entraram para a história do cinema.
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