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Livro sobre Baden Powell mostra gênese da fama sem abafar vida caótica

Nova versão de 'O Violão Vadio' traz sucesso estrondoso do artista e seus problemas com o alcoolismo

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O músico e compositor Baden Powell, em retrato de 1968

O músico e compositor Baden Powell, em retrato de 1968 Folhapress

O violão Vadio de Baden Powell

  • Preço R$76 (408 págs.)
  • Autoria Dominique Dreyfus
  • Editora 34

Na fotografia da capa, o olhar vai direto na direção da mão esquerda do violonista, montada com um acorde de si maior com sétima maior; só então se percebe a fumaça do cigarro, o sorriso tímido e o visual que inclui óculos, bigode e roupa branca.

A edição revista e ampliada pela autora —a pesquisadora e jornalista francesa Dominique Dreyfus— do livro “O Violão Vadio de Baden Powell” surge mais de duas décadas depois da original, de 1999.

Nascido em Varre-Sai, no interior fluminense, Baden viveu boa parte do tempo entre Rio de Janeiro e Paris, tendo também passado alguns anos —não por acaso— na cidade de Baden-Baden, na Alemanha.

Sua vida é narrada por Dreyfus com respeito ao conteúdo das entrevistas que fez e as inúmeras fontes consultadas. Ao lado do caminho que o levou a um sucesso artístico estrondoso, ela não escamoteia a vida caótica, dominada por alcoolismo, boemia e relações contraditórias com amores e empresários.

Ele estudou violão a partir dos oito anos com Jayme Florence, o Meira. Sem nunca ter gravado um álbum solo, Meira atuou por muito tempo nos regionais de Benedito Lacerda e Canhoto, e é dele o acompanhamento a Dilermando Reis em seus principais discos. Foi também professor de Raphael Rabello.

Baden teve formação clássica na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro –lia e escrevia música bem. Sua profissionalização foi precoce, tocando na noite.

O encontro com Vinicius de Moraes determinou seu futuro em vários sentidos. Fizeram juntos algumas das mais belas canções de sua geração —basta lembrar “Samba em Prelúdio”, “Berimbau” e o histórico álbum “Os Afro-sambas", de 1966.

De outra geração e condição social, influente no cenário cultural brasileiro, Vinicius abriu portas profissionais a Baden, mas também contribuiu para enredar o artista num ambiente cotidiano de muito uísque e excessos.

Em 400 páginas, Dreyfus descreve viagens, shows, gravações, êxitos retumbantes, luxo e dinheiro, mas também cancelamentos por causa do alcoolismo, quebra de contratos, atrasos, gastos excessivos e dívidas. Todas as mulheres com quem teve relacionamentos estáveis acabaram por assumir, de algum modo, a organização de sua vida e o agenciamento da carreira.

O prazer maior está em explorar a seleção de cerca de 50 discos que Dreyfus insere no final do livro. Baden é um compositor com uma veia melódica que segue a tradição do violão clássico, com elementos barrocos fortes, devedora à sonoridade da escola do espanhol Tárrega, e com pitadas harmônicas do pianista de jazz Thelonius Monk. O brasileiro foi improvisador exímio.

Do ponto de vista formal, as segundas partes de suas composições tendem a funcionar como pontos culminantes inesperados e criativos. Temas como “Valsa Sem Nome” e “Tempo Feliz” são hoje frequentemente incluídos nos programas de concerto pelos violonistas clássicos.

Mesmo com a alta qualidade dos letristas com quem trabalhou —basta lembrar Vinicius e Paulo César Pinheiro—, sua obra se sustenta com plenitude em versões totalmente instrumentais.

A revolução de Baden no violão é, porém, antes de tudo rítmica. Ao contrário da tendência simplificadora e elíptica do samba de João Gilberto, Baden recupera a batucada complexa e completa, que ele reinventa para sempre em sua mão direita. Entre seus sucessores diretos estão João Bosco e Marco Pereira.

Mais do que qualquer outro nome, Baden Powell é o responsável pela internacionalização e estabilização do chamado “Brazilian guitar” como um gênero independente em técnica e estilo. Contemporâneo de violonistas clássicos como Julian Bream e John Williams, viveu igualmente a era da divulgação mundial do flamenco por Paco de Lucía. Nesse mapa, ele insere com impacto o violão brasileiro.

Há no nome do livro uma sutileza musical. “Violão Vadio” é uma sofisticada canção que Baden cantava com emoção e delicadeza. Ela resume, de certo modo, sua trajetória. Vinte anos depois de sua morte, ainda ressoam os versos finais de Paulo César Pinheiro. “Quero ver meu violão gemer/ até me serenizar.”

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