Em algumas obras é melhor não mexer. Mas, se alguém resolver fazer isso, tem de garantir que consegue melhorar o original. “Downhill”, versão americana do filme europeu (norueguês, dinamarquês, francês e sueco) “Força Maior”, de 2014, só consegue fazer uma caricatura do longa.
O remake americano altera o DNA do filme em que se baseia e, no processo, perde toda a sua potência. Primeiro, tenta transformar um drama em uma comédia, depois, escolhe uma dupla central sem a menor química. Tudo bem que o filme conta a história de um casal em crise, mas o público tem de acreditar que o casal já foi um time no passado.
Não é o que acontece entre Julia Louis-Dreyfus e Will Ferrell, na trama sobre um casal que passa férias com os dois filhos nos Alpes da Áustria, quando uma avalanche se aproxima deles durante um almoço.
Quando a parede de neve está para se chocar contra a família, o pai, Pete, pega seu celular e sai correndo, deixando a mãe, Billie, sozinha com as crianças.
“Downhill” segue o esqueleto de “Força Maior”, especialmente o evento central, mas difere no tom.
É numa vontade de se apoiar em piadas baratas que o longa perde a robustez de “Força Maior”. O original é cuidadosamente calibrado, com um profundo estudo sobre a fragilidade masculina, em que o humor sai dos desconfortáveis momentos emotivos.
Em contraste, “Downhill” é raso e quer ser uma comédia. É muito, muito americano, no pior sentido do termo. E, dado que não capta a desintegração do ego e do casamento como “Força Maior” faz, o filme fica meio sem assunto.
Julia Louis-Dreyfus chega perto de mostrar alguma raiva como em “Força Maior”, especialmente na cena em que conta o incidente para um casal de amigos de Pete que ele convida para um drinque na suíte em que estão hospedados, mas o momento se perde nos outros atores, fracos.
Talvez esse seja o principal defeito desse remake, os personagens sem narrativa, sem nuances, que nunca dão motivo para investir em conhecê-los, além da admiração por Louis-Dreyfus e Ferrell.
De fato, o roteiro sai do seu caminho para fazê-los tão antipáticos quanto possível, arquétipos de turistas americanos irritantes. Pior, eles são aquelas pessoas que começam cada frase com teor passivo-agressivo com um enervante “honey”, querido em inglês. Pelo menos não é baby.
O lapso de “Downhill” é surpreendente dado que os diretores ganharam Oscar de melhor roteiro por “Os Descendentes”, de Alexander Payne, um filme com muito mais profundidade emocional.
Mesmo sem ter assistido a “Força Maior”, sem a possibilidade de fazer as cruéis comparações, esse é um filme morno, facilmente esquecível. Mesmo com dois grandes comediantes no elenco, ela de “Veep” e “Seinfeld”, ele de “SNL” e “Tudo por um Furo”, que aqui desperdiçam talento.
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