Nas suas memórias, publicadas em 1988 (“Antes que me Esqueçam”, pela editora Guanabara), Daniel Filho dedica muitas páginas a Regina Duarte. Ele fala sobre a grande paixão que viveram nos anos 1980 e também sobre os vários trabalhos que fizeram juntos na Globo, ele como diretor e ela como atriz.
Escreve Daniel: “Quando penso em dirigir Regina Duarte, penso na arte de ser diretor. Regina é um instrumento perfeito. Eu me sinto um maestro. Escolho o tema, o cantor, encomendo a composição das canções, escolho os solistas e acompanhantes dessa orquestra e finalmente assumo a regência. [...] De todos os instrumentos que já dirigi, Regina Duarte é, de longe, o mais afinado. Sua afinação, quando representa, é capaz de fazer inveja à de João Gilberto quando canta”.
Exageros à parte, o trecho das memórias de Daniel Filho poderia ser ilustrado com duas fotografias de Regina Duarte em Brasília, nesta quarta (22).
Na primeira, ela acaba de descer do carro, chegando à sede da Secretaria Especial da Cultura, e é cercada pelos fotógrafos. Ela estampa aquele sorriso cativante, que o brasileiro conhece há seis décadas, abre os braços e olha para o alto. É a diva agradecendo a atenção recebida.
Na segunda, postada por Jair Bolsonaro, ela aparece de boca exageradamente aberta, olhos arregalados, numa expressão imprecisa que pode remeter tanto a alegria quanto a pavor, enquanto o anfitrião sorri feliz e a abraça.
Ali está, nas duas imagens, uma atriz em todas as suas dimensões, à espera de um maestro, como diria Daniel Filho, disposto a regê-la e extrair as suas maiores qualidades.
É possível, claro, que Regina faça uma boa gestão à frente da Secretaria Especial da Cultura, mas não apenas levando adiante as ideias rudimentares que tem a respeito do tema.
Numa entrevista recente ao ator Carlos Vereza, que apresenta o programa “Plano Sequência” na TV Escola, um canal do governo federal, Regina foi questionada sobre “o que uma cultura expressa de uma civilização”.
E respondeu: “Liberdade. Liberdade de viver uma fantasia, de brincar, de ser uma coisa que a gente não é.
Essa possibilidade de não ser só um na vida, ser vários”.
Vereza também quis saber qual seria o projeto de Regina caso fosse ministra da Cultura (o ator diz na entrevista, gravada em novembro passado, que a indicaria para a função).
Regina primeiro responde não ser este um trabalho para ela: “Tem gente que treinou para isso. Vivenciou os gabinetes, vivenciou gestões, sabe onde está o quê”.
Em seguida, diz: “É um quebra-cabeças complicadíssimo a cultura no Brasil. É um país imenso, com expressões culturais muito variadas, com muitas dificuldades. No momento, a mais terrível, que é essa desunião, essa polarização, inspirada por questionamentos partidários, políticos. O que isso tem a ver com a gente? Com a nossa fantasia, com a nossa criação, com a nossa vontade de ser plural, de aceitar o humano na sua totalidade?”.
E, por fim, ensina: “A nossa função é essa, dar humanidade para o sonho, dar humanidade para o bem e para o mal, liberar o humano para criar, para abraçar a pluralidade. Todo mundo tem razão. Cada um escolhe o seu. [...] A arte serve para nos ensinar a sermos justos com o humano, sem repressões, sem partidarismo, sem ideologia. Arte não tem ideologia, arte não pode ter ideologia”.
Resumindo, parece claro que Regina Duarte à frente da Secretaria Especial da Cultura precisará de um maestro para regê-la. Candidatos ao cargo há vários no entorno presidencial.
Outra função da atriz no cargo, como mostra a imagem divulgada por Bolsonaro, é dar um lustro à Esplanada dos Ministérios. O sorriso iluminado da atriz e todos os seus cacoetes dramáticos, usados repetidamente nas novelas, podem ser úteis no objetivo de fazer o governo parecer mais normal e bonito do que é.
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