Cebola, alho, temperos, grão de bico. Ou será que é melhor usar favas? A receita de falafel resume a confusão do personagem-título de “Abe”, um nova-iorquino de 12 anos que adora cozinhar.
É que ele pode ser feito tanto na tradição israelense quanto na palestina, origem, respectivamente, de suas famílias materna e paterna, que vivem às turras.
A iguaria também intriga o diretor do longa, Fernando Grostein Andrade. De volta a São Paulo para a primeira exibição do filme, no Theatro Municipal neste sábado (19), na Mostra, o cineasta radicado em Los Angeles conta que pesquisou a fundo as andanças do falafel pelo mundo.
Numa dessas, descobriu que o acarajé é um primo distante do petisco, e elevou-o a um ingrediente importante na trama.
Afinal, é em busca dele que Abe, vivido por Noah Schnapp, o Will de “Stranger Things”, acaba encontrando seu mentor, o chef Chico Catuaba (Seu Jorge).
Dono de uma barraquinha descolada no Brooklyn, o cozinheiro é especializado em fusões gastronômicas.
Ao ensinar Abe a experimentar com os sabores, ele o motiva a deixar de lado a Faixa de Gaza que é sua casa para desvendar a própria personalidade. Na cozinha e na vida.
“A comida tem uma pegada muito forte na identidade”, diz Grostein Andrade, que aprendeu a cozinhar com o padrasto.
Não é o único elemento autobiográfico do longa. Como Abe, o diretor também é judeu por parte da mãe.
“Comecei a focar a história dos meus avós, refugiados de guerra, e o quão felizes eles ficavam em reunir a família nas festas. Fiquei pensando: e se não fosse assim?”
Foi então que decidiu abordar o problema palestino na narrativa, com a ajuda de dois roteiristas de lá.
No final, a obra, rodada em inglês e com equipe metade brasileira, metade americana, virou um caldo multicultural, com atores nascidos no Brasil, nos Estados Unidos, na Polônia e no Irã e um diretor de fotografia italiano, Blasco Giurato (de “Cinema Paradiso”).
Apesar da pluralidade, o conflito entre Israel e Palestina fica em segundo plano. “Abe” é sobretudo sobre a transição para a adolescência, que não fica mais fácil quando se cresce entre grupos que se odeiam. Um cenário que, afirma o diretor, não é muito diferente do Brasil ou do planeta hoje.
“Não acho que a comida solucione o problema do mundo. Mas numa situação de disputa, um bom prato têm mais chance de levar a um acordo do que discutir no Whatsapp”, analisa.
Grostein Andrade teve um gostinho da experiência de se sentar à mesa com outras culturas ao desdobrar “Abe” no documentário “Sabores de Abraão”.
Ele e a designer de produção da ficção, Claudia Calabi, viajaram para cerca de dez cidades em Israel e na Palestina no processo de pesquisa para a obra.
Lá, entrevistaram famílias que cozinham há séculos as mesmas receitas. A ideia é usar depoimentos e imagens para discutir, de forma lírica, as questões do Oriente Médio.
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