Descrição de chapéu

Elementos vazados são pele e face do museu Cais do Sertão, no Recife

Cobogós, invenção recifense, sintetiza identidade do projeto do Brasil Arquitetura

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Um elemento sintetiza e converge todas as identidades que afluem no Cais do Sertão. O cobogó, aquela espécie de tijolo vazado, tão propício ao clima tropical por permitir a ventilação natural e a entrada de uma luz do sol indireta.

Pode parecer de um tempo imemorial, porém esta é uma invenção genuinamente recifense. A patente do cobogó foi feita 1929 por um trio radicado na capital pernambucana composto pelo português Amadeu Oliveira Coimbra, pelo alemão August Boeckmann e pelo brasileiro Antonio de Góes —as sílabas iniciais de seus sobrenomes juntas formaram a alcunha.

O museu Cais do Sertão, no Recife - Nelson Kon/Divulgação

Entretanto, o que há no Cais do Sertão não é um cobogó normal: o elemento criado por Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, do escritório Brasil Arquitetura, tem o tamanho de um por um metro, feito em concreto geopolimérico de cor branca com 140 quilos cada um. As divisões recorrentemente geométricas dos cobogós são convertidas em formas orgânicas, como as galhadas do sertão. A grelha concretista dada pelo perímetro da unidade da peça coexiste com o informal do interior do cobogó.

Assim, o conjunto de 2100 cobogós transforma-se em pele e face do edifício. Por meio desta fachada concluída em 6 de julho de 2018 – isto é, na segunda inauguração do Cais do Sertão –, as pessoas reconhecem a singularidade desta arquitetura e se apresenta a primeira fagulha do sentimento de pertencimento.

Este é um equipamento cultural onde o sertanejo nordestino (na verdade, o brasileiro em geral) se reconhece.

Após o acesso sinalizado pela presença do grande juazeiro, adentramos a exposição permanente de curadoria de Isa Grinspum Ferraz com todo protagonismo a figura de Luiz Gonzaga.

Suas vestimentas, chapéus e sanfonas coabitam o lugar com imensas projeções de onde Gilberto Gil, Naná Vasconcellos, Otto, Karina Buhr e companhia emergem em tamanho real interpretando as músicas do Rei do Baião. Outros vídeos e karaokês sertanejos ficam próximos do Rio São Francisco, isto é, uma representação do espelho d’água com pedras ao fundo que Lina Bo Bardi criou para o Sesc Pompeia.

Aqui entra a outra dimensão da identificação: os membros da Brasil Arquitetura reafirmam sua filiação à arquitetura de Lina.

Percebe-se isso no uso do concreto bruto, mesmo tosco, visto no Sesc Pompeia, e que no Cais do Sertão ganha uma tonalidade amarela do solo do Piauí de onde vem os agregados. O remédio para aguentar a precariedade da construção civil brasileira é fazer uma “arquitetura casca grossa”, a prova de desaforos.

Outro indício é o vão livre do Masp que teve 65 metros transpostos para o Recife. O que permitiu o reencontro da Praça do Arsenal com o mar agora enquadrado – há décadas, a linha de sucessivos galpões portuários separa aquela parte do Recife Antigo do oceano.

Porém, Ferraz e Fanucci filiam-se aos ensinamentos de Bo Bardi no interesse pela cultura autenticamente brasileira como insumo de um modo de projetar autóctone e singular.

Sobre o vão, há dois andares com salas de exposições temporárias e o auditório com 300 lugares. Na plateia, destacam-se os painéis acústicos com o delicado tecido branco das rendeiras nordestinas.

O terraço-jardim não podia ter paisagismo diferente: a vegetação sertaneja que insistentemente brota da aridez. Tal como o projeto do edifício, que trôpego emergiu do seco solo dos projetos culturais nacionais. O Sertão não virou mar, mas nele chegou e atracou.

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