Carlos Marighella é mais amado e odiado hoje do que nos anos 1960, quando era considerado o inimigo número um da ditadura militar, diz o jornalista Mário Magalhães, autor da biografia que inspira o filme sobre o guerrilheiro exibido à imprensa nesta quinta (14) no Festival de Berlim.
O longa-metragem, que marca a estreia de Wagner Moura na direção, se inspira na terceira parte de “Marighella - O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo” (Companhia das Letras), que se passa entre os anos de 1964 e 1969, quando o revolucionário foi morto pelo regime. O prólogo também está no filme.
A obra, uma peça de jornalismo, saiu em 2012, quando o Brasil ainda não sonhava com a polarização política de agora. O filme, uma peça de ficção, chega em um momento deflagrado, diante da ascensão dos conservadores e de iniciativas de revisionismo do passado.
“O filme chega em um momento no qual o governo central foi ocupado por saudosistas do regime que matou Marighella, então é óbvio que ele vai esquentar ainda mais esse clima de discussão histórica. Mas isso nunca foi tão importante”, afirma Magalhães. “Quando o livro saiu, Marighella era um personagem do passado. Hoje, as ideias que o Marighella defendeu soam mais fortes diante do cenário nacional.”
Desde que o Seu Jorge foi anunciado no papel do guerrilheiro, o jornalista afirma que tem visto setores da direita questionarem a escolha —dizendo que Marighella, na verdade, era branco. Para Magalhães, dizer isso é o mesmo que “uma ministra de Estado recusar a teoria da evolução”.
O biógrafo esclarece que o revolucionário tinha mãe negra, descendente de escravizados, e pai italiano. Tanto que as vizinhas diziam que ela tinha “barriga suja” —porque nenhum dos filhos saiu branco como o pai. Um dos codinomes que Marighella mais usou era Preto. Em outra ocasião, se definiu como “um mulato baiano”.
“É um direito dos povos conhecer a sua história. E há um movimento em curso, no Brasil, para impedir que as pessoas formem seu próprio juízo a respeito de fatos históricos que têm base em informações comprováveis.”
Para o biógrafo, há um ramo da historiografia que tentou apagar Marighella da memória nacional, foi derrotada, e agora tenta fraudar fatos históricos “para impedir que os cidadãos formem sua própria opinião”.
Magalhães chegou a acompanhar uma das filmagens, no Rio de Janeiro, mas diz que sua participação no filme é apenas ter escrito o livro. Junto a isso, ele vê iniciativas de censura avançando no país —elas seriam patrocinadas pela Justiça e pela iniciativa privada.
“Meu maior temor é que as pessoas formem um juízo sobre o filme sem assistir. Assim como é impossível ter uma opinião sólida sobre o personagem histórico sem conhecer sua trajetória.”
O jornalista trabalha agora em dois novos livros —uma biografia de Carlos Lacerda, cujo primeiro volume sai pela Companhia das Letras ano que vem, e outro, ainda sem data ou editora, sobre o Brasil em 2018.
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