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E se o maior artilheiro do mundo perdesse o talento de fazer gols? E se ele não pudesse mais tirar a camisa porque seu invejado peitoral virou um par de seios? E se a vida perfeita das celebridades não passasse de encenação?
Não, "Diamantino" não é mais uma denúncia de que somos reféns de um regime que transformou tudo e todos em farsas.
O longa de estreia realizado em dupla pelo português Gabriel Abrantes e o americano Daniel Schmidt adota, de propósito, o modo farsesco para escapar do vício do cinema contemporâneo de politizar só enxertando mensagens na linguagem convencional.
Sozinho ou em parceria com Schmidt e outros cocriadores, Abrantes acumulou com seus curtas um certo prestígio em festivais.
A mistura de excentricidades formais com crítica social, da interpretação de temas modernos com referências arcaicas, deu aura autoral a seu trabalho.
Isso facilitou que o primeiro longa ganhasse espaço na Semana da Crítica do Festival de Cannes, onde conquistou status de óvni.
"Diamantino" adota o mesmo viés barroco e carnavalesco, aplicando o poder de fábula do cinema a problemas que estão por toda parte, mas a maioria dos cineastas prefere incorporar sem reinventar.
Comédia? Filme trash? Conto de fadas anacrônico? É difícil definir o que o filme é, pois os diretores priorizam uma estética transgênero, que confunde as habituais distinções e expectativas.
Como resultado, "Diamantino" intercala situações que fazem rir do que se costuma exigir respeito e chama a atenção para a idiotia, incapacidade de ver ou de ir além do próprio nariz, um fenômeno que poucos levam a sério.
A mistura de elementos de espionagem, traição e usurpação, lavagem de dinheiro, ficção científica e crise de refugiados, temperada com um visual kitsch e atuações exageradas para parecer amadoras pode levar mais de um espectador a querer o valor do ingresso de volta.
Quem aceitar a brincadeira perceberá como a proposta é de ruptura com as convenções, que paralisam não apenas a produção mais comercial de Hollywood, como também o cinema com ambições artísticas.
Em "Diamantino", a paródia recupera seu poder corrosivo, a respeitabilidade volta a ser ridícula e o cinema consegue respirar e delirar à vontade.
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