Em último papel, Robert Redford coroa carreira de rebelado em 'Old Man and The Gun'

Ator escolhe personagem inconformado com o entorno para encerrar sua carreira

Guilherme Genestreti
Toronto

Robert Redford não poderia ter escolhido um filme mais apropriado para anunciar sua aposentadoria como ator do que “The Old Man & the Gun”. A comédia de David Lowery, que fez sua estreia no Festival de Toronto, serve de tributo ao carisma de um dos maiores nomes da história do cinema americano.

O californiano de 82 anos disse à revista Entertainment Weekly que, após seis décadas de carreira, considera que o longa “é o fim em termos de atuação”. “E por que não terminar com algo que seja otimista?”, indagou Redford, idealizador e produtor do projeto. 

Ele vive na tela o velho a que o título do filme faz referência, Forrest Tucker, um gângster sessentão que assalta bancos em cidadezinhas americanas aproveitando-se de sua insuspeita aparência. O sujeito também coleciona dezenas de fugas espetaculares da cadeia.

“Sempre fui atraído por foras da lei”, disse Redford em Toronto, aplaudido de pé por mais de um minuto ao caminhar pelo palco do Elgin Theatre depois da sessão do filme. Ele não quis falar muito, limitou-se a dizer que se encantava pela dinâmica “caça e caçador” que seu personagem empreende com o policial no seu encalço, vivido por Casey Affleck. “É quase uma relação de compreensão mútua, uma amizade.”

Lowery, de “Sombras da Vida” e “Meu Amigo, o Dragão”, rodou seu novo filme em formato 16 mm, o que dá a “Old Man” um verniz de filme antigo, uma cara de obra filmada nos anos 1960 ou 1970, décadas em que Redford imperou como um dos rostos mais famosos da chamada Nova Hollywood, a geração que sacudiu a indústria cinematográfica com obras mais antenadas aos anseios da juventude daqueles anos.

Sua citada paixão por foras da lei se traduziu em alguns de seus papéis mais famosos. Como o bandido Sundance Kid do faroeste “Butch Cassidy” (1969) ou o vigarista Johnny Hooker de “Golpe de Mestre” (1973) –dois casos em que a figura romântica do marginal falava diretamente às plateias mais jovens, rebeladas contra a geração de seus pais.

Redford também foi um fora da lei à sua maneira. Odiava a escola, afanava calotas de Cadillacs para ganhar uns trocados e perdeu a chance de obter bolsa na universidade por causa de sua bebedeira. À revista americana AARP disse que era visto por parentes e autoridades como alguém que só os fazia perder tempo. “Eu tinha problemas com as restrições do conformismo. Me deixava nervoso.”

Os primeiros papéis na TV, e mais tarde no cinema, o tiraram da marginalidade. Mas, como figura pública, ele nunca deixou de vender uma imagem de rebelado. Fundou o Festival Sundance, dedicado a filmes independentes, defende causas ambientais e, como diretor, não deixou de arranhar temas politizados como as incursões militares americanas no Oriente Médio (“Leões e Cordeiros”) ou a responsabilidade da mídia (“Sem Proteção”).

Foi interpretando um jornalista político, aliás, que ele fez aquele que talvez seja seu papel mais emblemático, o repórter Bob Woodward, responsável por revelar detalhes do escândalo de Watergate em “Todos os Homens do Presidente” (1976).

“Old Man” fecha essa trajetória com alguma dignidade. Não tem a envergadura das obras mais marcantes de Redford, mas o põe para viver um papel que não poderia resumir melhor sua trajetória. Tucker, o velho assaltante, tem orgulho de ser criminoso, é um inconformado que não quer a vida modorrenta dos seus contemporâneos.

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