"Love, Love, Love", espetáculo do inglês Mike Bartlett, trabalha com uma tese instigante. Os anos 1960 não teriam sido apenas aquele tempo mítico de ruptura, amor livre e confrontação social.
A julgar pela peça, a defesa abstrata da liberdade como um tipo de nirvana existencial na década de 1960 logo se transfigura na adesão à retórica do neoliberalismo nas décadas de 1980 e 1990 e, em seguida, no cinismo conservador das elites inglesas atuais.
Para marcar esses momentos, a peça é dividida em três atos que se passam, respectivamente, em 1967, 1990 e 2014, sempre em torno da mesma família. Os hippies que se apaixonam após escutarem "All You Need Is Love" dos Beatles em 1967 se transformam em um insano casal de yuppies na passagem para a década de 1990 e, em 2014, são velhos burgueses preocupados em manter seus privilégios.
Com atuações excelentes, a montagem do Grupo 3 de Teatro apresenta uma cena dinâmica atenta aos debates históricos da dramaturgia.
Yara de Novaes, por exemplo, conjuga liberdade comportamental, egolatria e conservadorismo ideológico na interpretação que faz da ex-hippie Sandra nos dois atos finais. Ela consegue, assim, sintetizar boa parte dos debates que rondam a peça.
Contudo, a encenação do espetáculo não enfrenta certa contradição inscrita na forma do texto. Apesar do tema histórico, todas as cenas da peça acontecem no ambiente doméstico e privado de uma sala de estar. O assunto público, social e histórico fica confinado à casa burguesa como nos velhos dramas naturalistas do final do século 19.
No primeiro ato, por exemplo, a vida livre experimentada pela juventude dos anos 1960 não consegue ser mais do que um assunto da conversa entre os jovens. Afinal, a tentativa de ruptura coletiva com os parâmetros sociais não cabe numa sala de estar.
Toda discussão sobre a geração de 1960 e sobre as inflexões históricas na Inglaterra até o século 21 ficam reduzidas aos conflitos subjetivos de uma família. Ainda que a peça tente apresentar a trama como metáfora daqueles anos, o tema externo vai desaparecendo e tende a se transformar num pano de fundo.
O assunto histórico luta para se impor na dramaturgia de Bartlett, mas fica confinado nesse conjunto de episódios sobre uma família inglesa meio patética que coleciona situações constrangedoras e desajustes geracionais.
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