Marido de tradutora apontada como Elena Ferrante lan�a livro no Brasil
Reprodu��o/Instagram | ||
O italiano Domenico Starnone |
O italiano Domenico Starnone nunca mais teve paz.
Mesmo sendo um dos autores mais importantes de seu pa�s, a exist�ncia dele como artista foi atada a um mist�rio: a verdadeira identidade de Elena Ferrante.
Basta olhar como a cr�tica internacional recebeu "La�os", romance que ele lan�a agora no Brasil.
As resenhas tornaram-se uma busca por pistas escondidas –e logo viram-se semelhan�as entre esse livro e "Dias de Abandono", de sua compatriota. As semelhan�as passam pelo tema –o adult�rio–, imagens e personagens (veja algumas no quadro nesta p�gina).
A desconfian�a n�o � vazia. H� dez anos, um grupo de f�sicos e matem�ticos colocou os livros de Ferrante em um software de an�lise de texto –e o computador disse ser "alta" a probabilidade de a autora misteriosa ser Starnone.
Para piorar, no ano passado, o jornalista Claudio Gatti divulgou os resultados da investiga��o que realizou a fim de descobrir a identidade da autora de "A Amiga Genial".
Por meio de registros imobili�rios e financeiros, ele provou um crescimento no patrim�nio da tradutora Anita Raja e nos pagamentos feitos a ela pelas Edizioni E/O, casa que publica os livros de Ferrante. O incremento nos valores pagos, bem acima da m�dia de mercado para um tradutor, coincidiam com o sucesso dos livros da italiana.
Anita Raja –surpresa!– � a mulher de Starnone. E a�?
"N�o sou Elena Ferrante e tenho muito pouco interesse nesse tipo de pergunta. Deixemos disso", diz o escritor � Folha, por e-mail.
O pedido � justo. Afinal, tudo isso s�o curiosidades extraliter�rias.
Sim, "La�os", pode at� tamb�m ter em seu centro de gravidade um homem que abandona a fam�lia por uma mulher mais nova, como em "Dias de Abandono". Mas � um livro cujas qualidades est�o mais na sua particularidade do que na semelhan�a com a obra de Ferrante.
Para come�o de conversa, o romance escrito por ela est� centrado no desespero de uma mulher deixada. "La�os", por sua vez, est� mais interessado no poder destrutivo das rela��es familiares e na tentativa de reconcilia��o.
"As feridas deixam cicatrizes, e cicatrizes s�o marcas que reativam a mem�ria. Isso � um obst�culo permanente ao perd�o", diz Starnone.
No livro, contado sob tr�s pontos de vista –da mulher, do marido e dos filhos–, o casal, j� reconciliado, um dia encontra seu apartamento revirado. E os objetos espalhados come�am a despertar as mem�rias dolorosas.
O cen�rio surge como uma met�fora das ru�nas sobre as quais os personagens vivem.
TRADI��O E TRAI��O
A tradi��o liter�ria � pr�diga em ad�lteras ilustres, mas � incomum um autor escrever sobre a infidelidade masculina. Muito menos vista como algo desagregador, como faz o italiano.
"Nessa grande tradi��o liter�ria, o casamento e a fam�lia s�o sempre corro�dos dramaticamente pela infidelidade feminina", diz ele, acrescentando que o adult�rio masculino era visto como um "fato da natureza", sem interesse liter�rio.
"Quis mostrar que a trai��o masculina n�o � uma travessura sem consequ�ncias. A literatura focou mais nos excessos das mulheres tra�das ou na tend�ncia 'inerente' a elas de cometerem adult�rio."
Ler Starnone � olhar pelo buraco da fechadura, porque o autor observa as rela��es familiares de perto.
Para o autor, a fam�lia � onde aprendemos a esconder nossa animalidade.
"Mas tamb�m � o lugar onde descobrimos que nossa natureza animal provoca fissuras no edif�cio do comportamento humano. Por isso a fam�lia � muito estimulante do ponto de vista narrativo", afirma Starnone.
H� ainda um olhar para a hist�ria social da fam�lia.
O protagonista, Aldo, deixa mulher e filhos e se d� a desculpa de que � errado contrariar seus desejos –a trai��o acontece no fim dos anos 1960, enquanto a revolu��o nos costumes corria solta.
O tom do autor � pessimista –n�o por achar que a mudan�a n�o fosse necess�ria, mas porque ela ainda n�o acabou e, segundo ele, vivemos dentro das mesmas estruturas, agora em colapso.
"As crian�as sofriam na velha fam�lia patriarcal e sofrem ainda mais em sua dissolu��o. Elas s�o o elo mais fraco. Se amadurecemos mal dentro de institui��es sufocantes, cresce-se ainda pior quando tais institui��es s�o substitu�das por ru�nas."
CASA EM RU�NAS
A pr�pria casa destru�da � um personagem em si, interagindo o tempo inteiro com marido, mulher e filhos –e � um impedimento para que eles esque�am qualquer coisa, criando uma atmosfera irrespir�vel de ressentimento.
De onde vem o interesse t�o grande por esse cen�rio?
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"N�o sei a resposta. Quando crian�a, 'A Toca', um conto de Kafka, me impressionou muito. Talvez a sensa��o de seguran�a e, ao mesmo tempo, de inseguran�a que os apartamentos me causam tenha uma origem liter�ria", diz.
A mem�ria � um dos assuntos mais importantes do romance. Lembran�as frustrantes e cheias de rancor est�o sempre ancoradas em objetos. O leitor pode pensar em Proust, mas aqui a rela��o entre eles e a mem�ria � muito diferente.
Em vez de servirem para resgatar o "tempo perdido" de forma involunt�ria, os objetos s�o escondidos de prop�sito para afastar lembran�as ou guardados para materializar o que n�o some da mente. Em "La�os" ningu�m esquece, ningu�m perdoa.
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