M�sica brasileira foi simplificada ao longo das d�cadas, diz pesquisa
Ricardo Borges/Folhapress | ||
A obra de Chico Buarque foi considerada a mais complexa pelo ranking decorrente da pesquisa |
A m�sica brasileira foi simplificada ao longo das �ltimas d�cadas, aponta uma pesquisa divulgada pelo cientista de dados pernambucano Leonardo Sales em junho deste ano.
A An�lise da M�sica Brasileira baseou-se em dois aspectos centrais: os acordes utilizados nas composi��es e o vocabul�rio das letras. Para isso, o pesquisador rastreou 44 mil cifras e 102 mil letras disponibilizadas em sites como cifras.com.br e letras.com.br.
A partir do compilado, Sales conseguiu identificar caracter�sticas da atua��o de artistas como Lenine, campe�o na utiliza��o de acordes [conjunto de notas] raros, e grupos como a Fac��o Central, cujas letras abordam as tem�ticas mais espec�ficas ou regionalizadas do estudo.
Essas particularidades –como tamanho e raridade dos acordes ou diversidade e especificidade do vocabul�rio– s�o destrinchadas em quatro cap�tulos no blog do autor (leosalesblog.wordpress.com ), criado com o intuito de aplicar an�lise de dados a temas de interesse geral.
O principal desdobramento a que chega o estudo � um ranking que elenca os artistas brasileiros pela complexidade de suas obras. Nele, Chico Buarque reina soberano, � frente de Djavan e Ivan Lins.
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MISTURAS IMPROV�VEIS
Em um dos cap�tulos, Sales prop�e novas configura��es de g�neros musicais definidos pela semelhan�a entre a escolha por acordes e entre os vocabul�rios dos artistas.
O primeiro grupo traz certa comicidade ao mesclar, por exemplo, Legi�o Urbana e Engenheiros do Hava� com Asa de �guia e Babado Novo em uma categoria que re�ne rock dos anos 1980, ax�, forr�s e sertanejos contempor�neos.
Quando vistas sob o prisma do l�xico, as propostas de g�neros re�nem m�sica gospel e reggae, ou seja, can��es com "presen�a de letras repletas de espiritualidade".
Brincadeiras � parte, a an�lise chega � retumbante conclus�o de que a m�sica brasileira estaria passando por um processo de simplifica��o, refletido na retra��o do vocabul�rio e na redu��o da quantidade de acordes utilizados desde os anos 1960.
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Sales levanta tr�s poss�veis fatores que explicariam esse movimento: a absor��o do rock desde a Jovem Guarda, a populariza��o do hip-hop a partir dos anos 1980 e a guerra de audi�ncia entre Faust�o e Gugu nos anos 1990.
Para ele, a "produ��o de m�sicas de prateleira" gerada pelos programas desses apresentadores "foi o golpe final na complexidade das composi��es nacionais" e seria "respons�vel por boa parte do que se escuta de sertanejo, forr� universit�rio, ax� e funk" atualmente.
"Pense nisso: a mediana do quantitativo de acordes distintos entre 2011 e 2016 foi 6, apenas dois acordes a mais que 'Jingle Bell'", escreve.
"� uma provoca��o, puro achismo", diz Sales sobre suas hip�teses. "A teoria que teria mais fundamento seria a da entrada do rock'n roll no Brasil quando o pa�s estava saindo da bossa nova."
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COMPLEXO REVERSO
Para estudiosos da m�sica, a an�lise n�o passa de uma brincadeira curiosa.
A pesquisa recebeu cr�ticas por desconsiderar as varia��es dos acordes –um acorde de l� menor com s�tima, cifrado como Am7, foi simplificado como l� maior, ou seja, apenas A–, diferentes tons e escalas, essenciais para a constru��o das harmonias.
Al�m disso, a metodologia prioriza estilos que tradicionalmente adotam a nota��o pela cifra, especialmente os tocados com instrumentos populares como o viol�o. G�neros como o funk e a m�sica eletr�nica, por exemplo, acabam n�o tendo a mesma visibilidade que a MPB ou o rock.
"A menor complexidade harm�nica relativa do jazz [exposta nos gr�ficos da pesquisa] � resultado disso. Se as fontes fossem partituras, a real complexidade desse estilo estaria representada", escreveu o leitor Marcelo no blog.
A confiabilidade das fontes tamb�m foi questionada, j� que as bases empregadas s�o alimentadas por usu�rios, e n�o pelos compositores.
Sales diz ser "imposs�vel fazer um trabalho gen�rico como esse, a n�o ser por essas fontes". "N�o existe um reposit�rio de dados de m�sicas brasileiras t�o completo como os sites de cifra."
Al�m da metodologia, a an�lise foi criticada por transpor resultados quantitativos a uma discuss�o qualitativa.
"Ser� que toda composi��o musical precisa de uma grande quantidade e variedade de acordes para expressar seu conte�do?", questiona Adelcio Camilo Machado, doutor em m�sica pela Unicamp.
"Fazendo uma compara��o com a esfera pict�rica, ser� que todo quadro precisa de uma imensa quantidade de cores para ter expressividade? Se assim fosse, o que se poderia dizer, por exemplo, de 'Guernica'? Ser� que os grupos de rap precisam de mais acordes para exprimir o sofrimento das periferias urbanas?", prossegue Machado.
Machado chama aten��o ainda para o fato de que o per�odo analisado se inicia na d�cada de 1950, �poca na qual, diz, o par�metro dos acordes foi muito valorizado.
"Se o pesquisador tivesse come�ado a investiga��o no in�cio do s�culo 20, � prov�vel que ele verificasse um aumento do uso dos acordes entre as d�cadas de 1950 e 1960, seguido de uma retra��o desse par�metro. Assim, a afirma��o de que a m�sica brasileira simplificou ao longo dos anos seria relativizada."
Sales diz que o que entende por complexidade se refere aos indicadores que criou para a an�lise. "Tentei maximizar a possibilidade de quantificar alguma coisa, mas � claro que existem muitos outros aspectos que n�o foram considerados e por isso evitei falar em qualidade."
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