'A arte est� parada', diz cr�tica Aracy Amaral, agora alvo de mostra em SP
Aracy Amaral n�o queria aparecer. Quando soube que montariam uma mostra em sua homenagem, pediu que adiassem a ideia at� depois que ela morresse. Acabou cedendo, mas tentou fugir de entrevistas e retratos, dificultando a vida dos organizadores que tiveram de fazer o m�ximo com material m�nimo.
Mas mesmo o m�nimo, no caso livros e pesquisas realizados ao longo das �ltimas seis d�cadas por essa que se firmou como uma das cr�ticas e curadoras mais relevantes nas artes visuais do pa�s, j� se revela monumental na exposi��o agora no Ita� Cultural.
Uma das raras mulheres ativas num meio ent�o dominado pelos homens, Amaral, 87, esteve � frente da Pinacoteca nos anos 1970 e do Museu de Arte Contempor�nea da USP na d�cada seguinte.
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A cr�tica e historiadora Aracy Amaral diante da tela 'Oper�rios', de Tarsila do Amaral |
Biografou Tarsila do Amaral ainda viva e fez estudos de f�lego sobre assuntos t�o d�spares quanto a influ�ncia da poesia modernista francesa nas vanguardas nacionais e o impacto da matriz arquitet�nica hisp�nica no casario colonial do interior paulista.
Tamb�m documentou momentos de efervesc�ncia na arte do pa�s, como o auge do construtivismo e o surgimento dos primeiros experimentos com a videoarte, em mostras que se tornaram cl�ssicas.
Fora dos holofotes desde que organizou, h� dois anos, uma radical edi��o do Panorama da Arte Brasileira, mostra do Museu de Arte Moderna paulistano em que contrastou artefatos ind�genas com pe�as de artistas contempor�neos, Amaral diz estar perdendo o interesse nas obras realizadas agora e que pretende voltar seu olhar a manifesta��es de arte popular, longe do circuito, na vis�o dela, cada vez mais v�pido dos museus e galerias do establishment.
Na entrevista a seguir, Amaral detalha sua desilus�o com a arte da atualidade e comenta a onda de mostras em torno de cr�ticos e curadores.
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Folha - Voc� j� havia criticado artistas contempor�neos do pa�s por certa aliena��o em rela��o � pol�tica. Sua opini�o mudou? Ou o que pensa do estado da arte brasileira agora?
Aracy Amaral - Temos artistas interessantes, mas voc� n�o v� nenhuma manifesta��o vibrante. Sinto uma fadiga no ar, seja nas obras dos artistas, seja nas manifesta��es dos intelectuais. A arte est� muito parada. � mais vivo o que acontece no notici�rio do que aquilo que os artistas podem fazer. O grito � abafado pelas redes sociais.
H� uma descren�a, um descaso. N�o sinto nenhuma combatividade apesar do momento violento que estamos vivendo, de princ�pios que est�o caindo por terra. H� um sentimento de perplexidade diante desse turbilh�o, uma perplexidade que paralisa, e ningu�m sabe o que fazer.
Uma exce��o a essa paralisia n�o seria a exposi��o agora no Instituto Tomie Ohtake, que convocou artistas a defender um rapaz que acreditam ter sido preso nas manifesta��es de junho s� por ser negro?
Os artistas est�o ali dizendo que s�o solid�rios, mas � como um abaixo-assinado. Ningu�m sai na rua para gritar pelo menino. � uma representatividade fria, ent�o � muito mais um abaixo-assinado, n�o � um grito junto.
Meses atr�s, o museu Reina Sof�a, em Madri, abriu uma mostra dedicada ao cr�tico M�rio Pedrosa. O que acha desse movimento do circuito em reconhecer tamb�m o papel do cr�tico e do curador?
Esse termo "curador" surge com essa aura toda na d�cada de 1980. Fiz uma palestra no MoMA, em 1988, que falava da ideia do curador como estrela, dessa altera��o da persona do curador. Mas eu me vejo mais como uma pesquisadora. Adoro descobrir coisas, ir atr�s de uma pessoa, que depois me leva a outra, que me leva a descobrir o que eu estava querendo. Isso � do meu temperamento.
M�rio Pedrosa foi um modelo?
Ele foi o maior cr�tico de arte brasileira de todos os tempos. Foi excepcional porque nunca abriu m�o de uma preocupa��o com a realidade, oscilando entre a pol�tica e a arte. N�o era um cr�tico do Terceiro Mundo, ele dialogava com os cr�ticos da Alemanha, da Fran�a, dos Estados Unidos. Tinha um dom�nio da realidade desses pa�ses.
O que voc� acredita ter mudado na atividade da curadoria e da cr�tica de l� para c�?
Na minha gera��o, a gente ia mais para a rua, frequentava os ateli�s e as casas dos artistas. A gente ouvia mais o artista e expunha mais o artista sem essa intromiss�o, sem instrumentalizar o artista a servi�o do discurso do curador. Voc� como cr�tico explicita seu pensamento por meio do texto, n�o da exposi��o.
Hoje tudo est� mais circunscrito. Quem � da imprensa fica como imprensa, quem est� na universidade fica na academia, fica circunscrito �s fontes bibliogr�ficas, n�o vai nunca � fonte prim�ria.
Sua pesquisa sobre Tarsila do Amaral, ali�s, sem d�vida teve outro impacto pelo acesso que voc� teve a ela ainda viva.
Digo sempre que penso o contr�rio de Ruy Castro, que diz que se recusa a fazer biografia de gente viva. Foi muito bom fazer uma biografia com a Tarsila ainda viva. Ia � casa dela uma vez por semana e depois ia conversar com todo mundo que tinha pertencido �quele seu c�rculo. Morria de medo que essas pessoas morressem antes que pudesse falar com elas.
Voc� chegou a sentir dificuldades por ser uma mulher circulando entre tantos homens que dominavam a cr�tica?
Sempre houve mais homens do que mulheres. � um problema geracional. J� me fizeram muito essa pergunta, talvez por causa dessa onda de feminismo nas novas gera��es, mas nunca senti nenhum preconceito. Havia uma certa surpresa, mas eu sempre fui acolhida.
O fato de a gente ser mulher tamb�m ajuda a conseguir confid�ncias e depoimentos com mais facilidade.
Voc� esteve � frente da Pinacoteca no auge da ditadura. O regime dificultou seu trabalho?
Nunca tive ressalvas � minha gest�o. Todos entenderam que trazia p�blico � Pinacoteca, que estava abrindo um espa�o que estava parado.
Que previs�o voc� faz em rela��o ao futuro da arte do pa�s?
Primeiro precisamos perguntar para onde vai o Brasil. O pior pode acontecer, mas vamos pensar que o melhor pode acontecer. � um enigma.
ARACY AMARAL
QUANDO de ter. a sex., das 9h �s 20h; s�b. e dom., das 11h �s 20h; at� 27/8
ONDE Ita� Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1776
QUANTO gr�tis
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