Cl�ssico de Garc�a M�rquez, 'Cem Anos de Solid�o' completa meio s�culo
Quando o jovem Gabriel Garc�a M�rquez (1927-2014) ia � livraria Nacional, uma de suas preferidas de Barranquilla, cidade da costa colombiana onde morou um tempo, voltava carregado de t�tulos de seus autores favoritos, como William Faulkner, Albert Camus e Franz Kafka.
Todos tinham algo em comum: eram traduzidos e lan�ados em Buenos Aires, ent�o principal centro editorial da Am�rica Hisp�nica.
"Aqui estavam a Emec�, a Losada e a Sudamericana, que editavam escritores da regi�o, al�m de traduzir autores cl�ssicos internacionais para o espanhol para a Am�rica Latina", conta � Folha Ezequiel Mart�nez, filho do escritor argentino Tom�s Eloy Mart�nez (1934-2010), hoje diretor cultural da Biblioteca Nacional de Buenos Aires.
Junto a outras institui��es culturais portenhas, a BN abrigar� as comemora��es oficiais do 50� anivers�rio de "Cem Anos de Solid�o".
Em 432 paginas, a obra narra hist�rias de sete gera��es da fam�lia Buend�a, acompanhada pela matriarca �rsula, que teria vivido entre 115 e 122 anos, no vilarejo imagin�rio de Macondo. Seus herdeiros, com nomes similares, t�m caracter�sticas semelhantes. Enquanto os Aurelianos s�o pacatos e fechados, os Jos� Arcadio s�o extrovertidos e impulsivos.
A saga, que se tornaria a mais conhecida do Nobel colombiano e um marco do realismo m�gico, chegou �s livrarias pela primeira vez em Buenos Aires, em maio de 1967, pela Sudamericana.
A primeira edi��o, com 8.000 c�pias, esgotou-se rapidamente, e esse sucesso fez com que o escritor ganhasse proje��o internacional.
Cem Anos de Solid�o (Nova Edi��o) |
Gabriel Garc�a M�rquez |
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"Gabo tinha ficado muito frustrado porque seu primeiro romance, 'La Hojarasca' ['A Revoada' (O Enterro do Diabo), 1955], fora recusado pela Losada. Teve de se resignar a publicar por um selo mexicano, mas dizia sempre que seu sonho era sair por uma editora argentina, pois isso lhe abriria as portas para o mundo", diz � Folha o colombiano Jaime Abello Banfi, diretor da Fundaci�n Nuevo Periodismo e amigo do escritor.
Gabo j� vivia no M�xico em 1965, quando come�ou a escrever "Cem Anos de Solid�o".
Estava t�o convencido de que o livro seria um grande sucesso que entregou os �ltimos US$ 1.500 que havia recebido por um trabalho � mulher, Mercedes Barcha, e pediu que ela se virasse com aquele dinheiro para sustentar a fam�lia at� que ele terminasse o romance. Disse que precisava s� de 6 meses, mas acabou levando 18 at� colocar o ponto final na obra.
Mercedes contraiu d�vidas, pediu ajuda a amigos e, quase um ano depois, convenceu o dono do apartamento em que viviam no bairro de San �ngel, na Cidade do M�xico, que ao fim de mais seis meses pagariam a imensa d�vida de aluguel que tinham acumulado, mesmo sem ter ideia de onde sairia o dinheiro.
At� que o escritor recebeu, em 1966, a visita do cr�tico chileno Luis Harss, que ent�o trabalhava num mapeamento da nova literatura da regi�o.
Sem saber, Harss estava fazendo o que hoje � visto como o primeiro retrato do "boom latino-americano". O resultado acabou sendo um cl�ssico da cr�tica liter�ria regional, "Los Nuestros" (Alfaguara), que reunia perfis de Gabo, Jorge Luis Borges, Juan Carlos Onetti e Vargas Llosa, entre outros.
Pois foi Harss que, numa visita a Buenos Aires, recomendou que o editor Francisco Porr�a, da Sudamericana, prestasse aten��o naquele colombiano de Aracataca.
Porr�a escreveu, ent�o, uma carta a Gabo, dizendo que gostaria de publicar um livro seu. O escritor se surpreendeu com o repentino interesse, mas disse que, infelizmente, n�o teria como tirar os t�tulos anteriores do controle do selo mexicano que os havia publicado.
Mencionou, por�m, que estava trabalhando num novo livro. Porr�a disse que o esperaria, e enviou US$ 500 como adiantamento.
"Esse dinheiro como que caiu do c�u, porque sanou todas as d�vidas que Mercedes j� n�o sabia mais como driblar", conta Abello Banfi.
No dia de enviar a obra pelo correio, o casal topou com outra dificuldade: o que tinham no bolso n�o alcan�ava para mandar as 590 folhas datilografadas. Gabo n�o se alterou; dividiu o original em duas partes e mandou s� uma, na esperan�a de conseguir um empr�stimo nos dias seguintes. "A �nica coisa que falta agora � que o romance seja ruim", disse Mercedes a Gabo.
N�o era. Em Buenos Aires, ao ler a metade enviada, Porr�a ficou animad�ssimo. Enviou dinheiro para que a outra parte viesse logo e telefonou animado para Tom�s Eloy Mart�nez. Pediu que o escritor fosse imediatamente � sua casa, em San Telmo, para escut�-lo lendo a obra de um autor que, segundo suas palavras, tinha escrito algo "t�o delirante" que ele n�o sabia se o sujeito era "um g�nio" ou "totalmente louco".
Porr�a recitava o romance em voz alta e atirava os manuscritos para cima. Como havia chovido, eles se molhavam, mas o editor seguia lendo e caminhando sobre eles. "A primeira edi��o de 'Cem Anos de Solid�o' � a que se pode identificar porque leva a marca da sola do sapato de Porr�a", costumava dizer Tom�s Eloy aos amigos.
Reunidas ambas as partes, o livro foi para a gr�fica. "Quando recebeu a primeira c�pia, l� no M�xico, Gabo entregou-a a Mercedes e se deitou ao lado dela para v�-la lendo", conta escritor porto-riquenho, H�ctor Feliciano, amigo do casal.
O GRANDE ROMANCE DA AM�RICA
Editor da revista "Primeira Plana", Tom�s Eloy dedicou, ent�o, uma capa da publica��o para "Cem Anos de Solid�o". Nela vemos a imagem de um Gabo com cara de assustado, aos 40, magro, mal vestido, e o t�tulo: "O Grande Romance da Am�rica".
Vendo que o livro se esgotava rapidamente das prateleiras, a Sudamericana convidou o escritor para ir a Buenos Aires, a fim de ampliar a promo��o do romance.
Foi assim que, numa madrugada fria de agosto daquele ano, Gabo e Mercedes desembarcaram na cidade, pedindo para comer um famoso "bife de chorizo" local.
Porr�a e Tom�s Eloy, que os receberam no aeroporto, se desesperaram, pois j� passava das 3 da manh�. No fim, encontraram um lugar aberto, na avenida Costanera, onde Gabo teria comido e entretido os gar�ons contando hist�rias do Caribe.
"Ningu�m deu bola para eles nos primeiros dias, passaram despercebidos. Caminharam pela avenida Santa Fe, foram aos parques; mas logo a presen�a do autor come�ou a causar burburinho", conta Ezequiel Mart�nez.
Afinal, enquanto Gabo passeava entretido com as atra��es da capital argentina, a propaganda e o boca a boca levaram "Cem Anos de Solid�o" ao topo da lista dos livros mais vendidos no pa�s.
Mercedes acompanhou Gabo nos primeiros eventos, mas logo trancou-se no quarto do modesto hotel da calle Arenales pois disse que j� n�o tinha mais roupas para usar.
Gabo pediu, ent�o, um adiantamento pela venda da segunda edi��o do livro, com um detalhe: queria tudo em notas pequenas.
Quando o dinheiro chegou a suas m�os em duas maletas, espalhou-o pelo quarto e colocou o resto numa bandeja, dizendo a Mercedes que ela poderia "comprar as roupas que quisesse", segundo ela mesma contaria depois.
Numa das �ltimas noites, o casal foi convidado a ver uma pe�a de teatro da dramaturga argentina Griselda Gambaro. Entraram discretamente, com as luzes j� apagadas, mas logo algu�m o identificou e gritou: "Obrigado, Garc�a M�rquez".
As pessoas ent�o se levantaram e o saudaram com uma ruidosa salva de palmas. "J� no dia seguinte, ele n�o podia mais andar na rua sem que o rodeassem para pedir aut�grafos", conta Abello Banfi.
Gabo depois repetiria diversas vezes que Buenos Aires tinha sido o come�o de tudo. Estranhamente, por�m, jamais voltou a aceitar um convite para visitar a cidade.
Tom�s Eloy estava seguro de que era por seu car�ter t�o supersticioso. "Ele achava que, se aqui tinha come�ado tudo, aqui poderia tamb�m terminar tudo", conta Ezequiel. Abello Banfi confirma.
"Gabo era muito supersticioso. � bastante poss�vel que n�o tenha querido jamais pisar em Buenos Aires por acreditar que a m�gica de seu sucesso, assim como se fez, poderia se desfazer aqui."
Reprodu��o | ||
Reprodu��o da capa da revista "Primera Plana" sobre "Cem Anos de Solid�o" |
Livraria da Folha
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