Morto h� 20 anos, Paulo Francis foi farol cultural
Faz 20 anos que morreu algu�m que escreveu o seguinte:
"O diabo � que um dia desses aqui escorregamos a uma guerra nuclear por culpa desses desclassificados [os pol�ticos] e da massa bo�al. Espero poder sumir em tempo, se bem que n�o haver� para onde, provavelmente."
Parece de agora, sobre Donald Trump, seus apoiadores e seu eleitorado, mas o texto � de 1980. Est� numa colet�nea rec�m-lan�ada de Paulo Francis, "A Segunda Mais Antiga Profiss�o do Mundo".
Faz hoje 20 anos que Francis morreu, em Nova York, aos 66 anos.
Bob Wolfenson | ||
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Imagem de Paulo Francis por Bob Wolfenson para o livro de fotos 'Jardim da Luz', de 1996 |
Carioca de Botafogo, ele foi at� os 27 um autodefinido "vagabundo". Na imprensa, come�ou na cr�tica de teatro, migrou para o jornalismo pol�tico, foi um dos nomes-chave do "Pasquim", mudou-se para os Estados Unidos e entrou na minha vida, e de tantos de minha gera��o, a partir de 1975, quando passou a escrever na Folha, como correspondente em Nova York e depois colunista da "Ilustrada".
Seus textos traziam as refer�ncias mais eruditas, mas em linguagem informal, ritmo e sintaxe de conversa de amigos. Era um intelectual anti-acad�mico. Passou para a hist�ria como um polemista, o que de fato era, mas n�o s�.
Para quem hoje tem acesso a todo tipo de informa��o, � inimagin�vel a import�ncia que Francis teve como farol cultural. Comentava a " New Yorker", a "New York Review of Books". Escrevia sobre Gore Vidal, Normal Mailer, os Georges Plimpton e Steiner. S�o incont�veis as refer�ncias que Francis trazia a n�s, jovens com alguma aspira��o intelectual, mas nenhum mapa em m�os.
Acusam-no at� hoje de inventar, de chutar, de n�o checar. Mas era o que t�nhamos. E era suficiente.
ALTA CULTURA
Uma cr�tica: suas lentes grossas focavam na alta cultura. Ele trafegava em m�sica cl�ssica, filosofia, psican�lise, hist�ria, com um ou outro raro aceno para a ci�ncia. Ok, verdade, cinema tamb�m, e muito.
Mas m�sica pop, rock, quadrinhos, videogames, nada disso ele assimilou ou fez quest�o de acompanhar. Quando falava de algo do tipo, era como esquisitice, anomalia vinda da ind�stria cultural.
Nisso, era diferente de seu amigo intelectualmente mais pr�ximo, o tamb�m jornalista Ivan Lessa (1935-2012). Lessa se sentia t�o � vontade tratando de Italo Calvino e Miles Davis quanto de samba antigo e teatro de revista. Ele se mandou para Londres em 1978 e escrevia sobre o "Banan�o" como uma mem�ria distante, uma abstra��o.
J� Francis vivia em Nova York, mas seu espectro pairava sobre o Brasil. Fazia muitas alus�es ao passado carioca, por�m o Brasil de seus textos era tamb�m o pa�s atual, da transi��o democr�tica, de hiperinfla��o, do isolamento cultural incur�vel, do p�ntano da pol�tica.
Em 1990, deixou a Folha, em desaven�a. O ex-trotskista virou cada vez mais � direita, deslumbrou-se com Collor, aproximou-se de pol�ticos que antes dizia desprezar. Suas colunas, agora no "Estado de S. Paulo", ficaram marcadas pelas diatribes anti-esquerdistas.
E foi ficando cada vez mais famoso, por suas participa��es na TV.
Uma dessas custou-lhe a vida. No programa "Manhattan Connection" (ent�o no canal GNT), fez acusa��es generalizadas de corrup��o contra diretores da Petrobras. Tomou de volta uma a��o milion�ria na Justi�a dos EUA. Angustiado com uma poss�vel derrota, morreu do cora��o no dia 4 de fevereiro de 1997.
Imagino que gera��es mais novas tenham guardado de Francis justamente essa sua �ltima fase. Os bord�es ("Waaaaaaal") e a voz em crescendo pastoso. � pouco.
Seu melhor livro � de mem�rias (publicado aos 50 anos), "O Afeto que se Encerra" (1980, fora de cat�logo). Escreveu tamb�m romances, cujo n�o reconhecimento como grandes obras o enfurecia. Pode n�o ter sido um romancista maior, mas era um grande escritor.
Em "A Segunda Mais Antiga Profiss�o do Mundo", lembra assim do amigo Ant�nio Maria: "Eu vi Maria ser colocado numa gaveta do cemit�rio S�o Jo�o Batista. N�o sei em qual m�s. Mas foi o mais cruel. Ele tinha apenas 44 anos. Acho que ele me achava um homem rid�culo, mas eu gostava muito dele".
Sou da gera��o que gostava muito de Paulo Francis. Que falta ele faz.
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