Em retrospectiva, Carmela Gross transforma viol�ncia em glamour
Dolores n�o � ningu�m. Ou talvez seja uma v�tima qualquer estra�alhada pela cidade. Mas ela grita com a estrid�ncia de um neon vermelho. Enorme, o luminoso que Carmela Gross montou em sua retrospectiva agora na Ch�cara Lane, museu no centro de S�o Paulo, nem cabe na galeria.
Ficam do lado de fora, penduradas diante do tr�nsito na Consola��o, as palavras "eu sou", enquanto dentro um "Dolores" brilha solit�rio. Essa n�o � uma quebra acidental entre sujeito e predicado.
Usando "l�mpadas de padaria", a artista refor�a o anonimato da metr�pole ao reescrever s�rdidos dramas urbanos na linguagem publicit�ria, de luxo fajuto, que j� dominou a paisagem paulistana.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
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Instala��o de Carmela Gross |
"� a cidade que condensa a vida contempor�nea e seus embates", diz Gross. "O neon � uma coisa brega, tem intimidade com o malfeito e, por isso, tamb�m � algo gritante, glamoroso. � a viol�ncia do real travestida de glamour."
Noutro neon, ela copia, com os garranchos do spray e os erros ortogr�ficos, a picha��o "us cara fugiu correndo". Mais sutil, uma instala��o com l�mpadas fluorescentes amarelas espalhadas pelo ch�o lembra o minimalismo americano, mas na vis�o de Gross � um "desenho de observa��o de um drogado na rua" –no caso, s�o luzes que agonizam.
Esse choque, muitas vezes el�trico, entre a beleza reluzente da superf�cie e um ponto de partida violento ressurge com for�a na mostra, organizada por Douglas de Freitas, que cobre quase cinco d�cadas de trabalho da artista.
Uma das obras mais simples, e ao mesmo tempo mais densas, da exposi��o ilustra bem essa quest�o. O que parece ser a silhueta de uma cadeira met�lica presa � parede, alus�o a um trono, na verdade se vira para a sala, tal qual uma porta numa dobradi�a, lembrando uma arma de fogo apontada para o espectador.
"� a dissolu��o do poder virando um instrumento agressivo", diz a artista. "� algo que pulsa o tempo todo."
ALTAR MARGINAL
N�o espanta, ali�s, que os trabalhos de Gross, que se firmou no cen�rio art�stico nas d�cadas de 1980 e 1990, sejam um reflexo do auge da viol�ncia urbana e do crescimento desenfreado e sem planejamento de S�o Paulo, em grande medida motor do crime e da desigualdade.
Elementos amea�adores � ordem da burguesia urbana enumerados num ensaio cl�ssico de Marx ressurgem numa obra de Gross estampados em chapas met�licas que lembram placas de rua –mendigos, prostitutas, donos de bordel, herdeiros em ru�na, presidi�rios, vagabundos.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
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A artista Carmela Gross diante de uma de suas obras |
Na mesma sala, est� um arsenal de carimbos que reproduzem com exatid�o pinceladas, tra�os e linhas de artistas como Picasso e Dubuffet.
Ali a artista p�e em contraste seu altar � marginalidade vista como um dos pilares da vida nas metr�poles e uma tentativa de atacar com a hist�ria da arte os mecanismos burocr�ticos da repress�o da ditadura –o trabalho � do final da d�cada de 1970.
Mas Gross tamb�m aponta para o futuro. Sua obra mais nova � uma escada que liga o museu ao quintal de uma escola vizinha, uma ponte entre a pot�ncia criativa desses dois universos que andam em baixa em tempos raivosos. A hora do recreio, com crian�as agitadas l� fora, pode ser o melhor momento de ver a mostra.
CARMELA GROSS
QUANDO de ter. a dom., das 9h �s 19h; at� 8/1/2017
ONDE Ch�cara Lane, r. da Consola��o, 1.024, tel. (11) 3129-3574
QUANTO gr�tis
Livraria da Folha
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