Debate investiga a atualidade de 'Utopia', cl�ssico de Thomas Morus
A ordem da sociedade perfeita anunciada em "Utopia" trouxe consigo riscos que perduram ainda hoje, como o da implanta��o de um sistema de vigil�ncia constante.
A conclus�o surgiu no debate entre o economista e fil�sofo Eduardo Giannetti e o psicanalista Tales Ab'S�ber, na quarta (31) no audit�rio da Folha, por ocasi�o dos 500 anos do livro de Thomas Morus. A discuss�o foi mediada por Marcos Augusto Gon�alves, editor da "Ilustr�ssima".
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
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Fil�sofo Eduardo Giannetti (dir.) e o psicanalista Tales Ab'Saber falaram sobre os 500 anos do livro |
Giannetti considerou que, apesar de a ilha descrita pelo autor em 1516 ter aspectos que ainda seriam desej�veis, como a toler�ncia religiosa e a igualdade perante a lei, tamb�m havia um "lado sombrio". Os habitantes acordavam e dormiam no mesmo hor�rio, vestiam-se de maneira id�ntica e n�o podiam sair da cidade sem autoriza��o.
"A estabilidade desse arranjo demandava um formid�vel aparato de controle, por meio do qual cada um, exposto ao olhar de todos, trabalha e repousa", descreveu Giannetti. "� a destrui��o da intimidade."
Ab'S�ber lembrou que as fam�lias do livro t�m direito � posse de dois escravos. "Utopia l� corresponde quase nada ao que � utopia para n�s."
Segundo Giannetti, o debate sobre a disposi��o do indiv�duo a ser constantemente vigiado em prol da garantia de uma sociedade melhor e mais segura � bastante atual. "Ainda est� em jogo o quanto de controle queremos em rela��o � nossa vida. As novas tecnologias permitem que se avance perigosamente sobre a nossa individualidade."
Para Ab'S�ber, "o Pok�mon Go � o pan�ptico funcionando" –refer�ncia ao mecanismo de vigil�ncia penitenci�ria concebido pelo fil�sofo e jurista ingl�s Jeremy Bentham (1748-1832). "Voc� deixa uma grande empresa desenhar a vida das pessoas, o espa�o da cidade."
Ambos concordaram que as tentativas de concretiza��o de utopias durante a hist�ria deixaram legados amargos –a mais citada foi a implanta��o do socialismo na Uni�o Sovi�tica no s�culo 20.
Segundo Giannetti, o socialismo j� tinha verniz autorit�rio desde sua concep��o. "Marx tinha o sonho de acabar com a divis�o do trabalho, mas quando algu�m divergia intelectualmente dele, ele se tornava um perseguidor implac�vel."
Ab'S�ber retrucou que essa intoler�ncia � caracter�stica do projeto hegem�nico da sociedade ocidental, "e surpreende que o portador do que deveria ser o pensamento cr�tico tamb�m se submeta a isso". Argumentou ainda que defensores do projeto comunista, por sua pretens�o de que fosse universal, valorizavam o progresso civilizat�rio para todos os povos.
Para o economista, esse n�o foi o �nico pensamento idealista que trouxe maus frutos. "Um dos piores equ�vocos da aposta no progresso pelo avan�o cient�fico foi n�o se dar conta dos limites da natureza. A utopia do mundo sob supervis�o da ci�ncia gerou o pior pesadelo do s�culo 21, que � a mudan�a clim�tica."
Ab'S�ber, que nota um esgotamento do sistema capitalista em geral, diz enxergar uma oportunidade para refletir sobre novas utopias. "A discuss�o de horizontes p�s-capitalistas vem pela fal�ncia da estrutura material da Terra, como fonte de produ��o e de vida. Talvez estejamos na fronteira de um novo tempo", arrematou.
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