Herencia: 'Meu erro foi preferir retorno financeiro a denunciar tudo'
Bruno Poletti/Folhapress | ||
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Jonh Neschling (esq.) e Herencia em evento no Municipal em 2014, antes de o esc�ndalo estourar |
Um m�s ap�s pedir a exonera��o da dire��o-geral do Theatro Municipal, Jos� Luiz Herencia tornou-se piv� de um esc�ndalo que atingiria outros funcion�rios e artistas da casa, al�m de empresas prestadoras de servi�o na �rea da cultura.
Em dezembro do ano passado, em a��o coordenada, o Minist�rio P�blico e a Controladoria Geral do Munic�pio realizaram uma apreens�o de documentos em im�veis seus. Come�avam ali as investiga��es que apontaram, em junho, um rombo de R$ 15 milh�es nas finan�as do teatro, resultado de um esquema de superfaturamento de �peras e uso de notas frias.
Em janeiro, com a evolu��o da investiga��o no Minist�rio P�blico, Herencia teve dois apartamentos, autom�veis e contas banc�rias bloqueados na Justi�a. Acabou fechando acordo de dela��o premiada e assumiu o compromisso de devolver aos cofres p�blicos R$ 6 milh�es desviados.
Seu depoimento lan�ou suspeitas sobre o maestro John Neschling, diretor art�stico do teatro, e sobre Nunzio Briguglio Filho, secret�rio de Comunica��o da prefeitura, informa��es ainda investigadas no MP e em CPI na C�mara Municipal. As suspeitas s�o relacionadas ao pagamento de "Alma Brasileira", espet�culo n�o realizado, agenciado por Valentin Proczynski, que tamb�m � agente de Neschling.
Depois de sete meses recusando entrevistas, Herencia falou � Folha.
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Folha - O que voc� reporta em sua dela��o ao Minist�rio P�blico sobre as irregularidades cometidas no Municipal?
Jos� Luiz Herencia - Qualquer pergunta relativa a esse tema deve ser dirigida ao Minist�rio P�blico Estadual.
Voc� devolveu R$ 6 milh�es, conforme ordem do Minist�rio P�blico Estadual?
Estou cumprindo todos os compromissos assumidos com o Minist�rio P�blico.
O diretor Paulo Dallari, que sucedeu voc� na diretoria-geral do teatro, pediu demiss�o nesta semana por divergir de Neschling. Como � trabalhar com o maestro?
Trabalhar com Neschling sem cometer irregularidades � praticamente imposs�vel. Em nome da arte, o maestro induz seus pares a praticar toda sorte de ilicitudes. No fundo falso do que Neschling chama de "excel�ncia" revela-se um esquema de promo��o e obten��o de vantagens pessoais no exterior, �s custas de dinheiro p�blico. Compreendo hoje, inclusive, por que Neschling insistiu em demitir, um a um, todos os artistas e profissionais brasileiros que pudessem amea�ar sua autoridade (at� hoje "intoc�vel") junto ao prefeito, e rapidamente lotear o teatro com apaniguados trazidos do exterior -muitas vezes vinculados aos mesmos agentes que o representam fora do Brasil. Neschling foi respons�vel por criar -no entorno de Haddad- a ilus�o de que est� entre os maiores maestros da atualidade, quando n�o passa de um regente de segunda ou terceira linha, que nunca se apresentou nos maiores teatros ou regeu as principais orquestras do mundo. Ou ele j� regeu no Metropolitan e ningu�m soube? O Theatro Municipal de S�o Paulo est� blindado, fechado para a maior parte dos regentes, solistas e encenadores brasileiros. Porque no final das contas, s�o eles -esses agentes internacionais- os verdadeiros diretores art�sticos do Municipal na atual gest�o.
Dallari teria reportado suas diverg�ncias ao prefeito Haddad. Voc� tamb�m o fez?
N�o s� o fiz como o fiz repetidamente, em sua pr�pria sala, inclusive quando pedi minha exonera��o pela primeira vez, no in�cio de novembro de 2015. Haddad demoveu-me da decis�o, dizendo que eu n�o deveria jogar pela janela todo o trabalho realizado e que faria Neschling ser mais razo�vel, caso contr�rio n�o seguiria � frente do Municipal. Todavia, e � revelia de meus alertas a respeito dos esc�ndalos em que Valentin Proczynski esteve envolvido na Europa, Haddad preferiu receb�-lo, na companhia de Neschling e de Nunzio Briguglio, em mais uma reuni�o n�o registrada em sua agenda p�blica, para refor�ar os compromissos de ambos com o empres�rio de M�naco e o projeto "Alma Brasileira". Isso para mim foi suficiente para pedir definitivamente exonera��o, o que de fato ocorreu, ao contr�rio da vers�o que a prefeitura tem divulgado, de que eu teria sido exonerado pelo prefeito. Essa � mais uma mentira que a �rea de comunica��o da Prefeitura tem espalhado. Se � verdade que Neschling fez qualquer den�ncia ao Prefeito, isso ocorreu bem mais tarde, como rea��o dele ao fato de ter sido demitido em setembro e readmitido no dia seguinte, por interfer�ncia externa de Briguglio; mas, tamb�m quando percebeu que o projeto "Alma Brasileira", j� sob suspeita, tornou-se invi�vel.
Voc� se arrepende das irregularidades que cometeu?
Meu erro principal foi ter preferido obter compensa��es de ordem financeira a denunciar e opor-me a tudo isso. Esse desvio moral est� na origem dos crimes que pratiquei, e dos quais sinto profundo arrependimento e vergonha. Perdi minha carreira, distanciei-me de familiares, enredei pessoas que confiaram em mim em erros de que nem sequer suspeitavam. Criei, enfim, muitos problemas, e sobretudo fiz sofrer muitas pessoas. Entretanto, tenho consci�ncia de que, para que o esfor�o de recome�ar seja verdadeiro, preciso adotar uma nova vis�o da vida e do pa�s, preciso conseguir superar dois v�cios que est�o na origem de qualquer ato de corrup��o: a fantasia de que o sujeito que est� no poder tudo pode e a ilus�o de que os fins justificam os meios. Ao contr�rio do que disse Haddad, no tom arrogante e imbecil de sempre, n�o tenho falta de car�ter. Sou capaz de assumir meus erros, por mais duras que sejam suas consequ�ncias. Falta de car�ter � tentar colocar em descr�dito o trabalho da Justi�a, como Neschling vem fazendo para esquivar-se das investiga��es; ou tentar manipular o roteiro das apura��es, bem � moda de seu grupo pol�tico, como Haddad achou que fosse poss�vel fazer. Nem tudo deve ser permitido em nome da arte!
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OUTRO LADO
Delator mente para atenuar seus crimes, dizem acusados
O advogado do maestro John Neschling, Eduardo Carnel�s, diz que o ex-diretor geral do Municipal Jos� Luiz Herencia tem contado mentiras para imputar ao maestro a culpa por seus crimes, "desde que Neschling levou ao prefeito suas suspeitas de desvios na administra��o do Theatro".
Carnel�s lembra que, em 50 anos de carreira, Neschling nunca foi acusado de praticar irregularidades.
O crit�rio que o maestro utiliza para contratar ou demitir, diz, � "a compet�ncia, a dedica��o e a conduta �tica". "As pessoas que convidou para trabalhar no Municipal n�o eram ligadas a agentes."
O advogado afirma que Neschling dirigiu importantes teatros na Europa, como o Massimo de Palermo (It�lia), o Nacional de S�o Carlos (Portugal) e o Municipal de St. Gallen (Su��a) e que foi regente residente na �pera de Viena. Regeu tamb�m as orquestras e �peras de Zurique, Nacional da Fran�a, S�o Petersburgo, Genebra, R�dio Sinf�nica de Berlim e BBC de Londres, entre outras.
O secret�rio de comunica��o da prefeitura, Nunzio Briguglio Filho, classificou as acusa��es de Herencia como "fantasiosas". "Herencia continua em sua tentativa desesperada de se livrar da puni��o aos crimes que cometeu."
O ex-diretor pediu exonera��o do cargo em novembro, pouco antes do in�cio das investiga��es. "De fato ele se antecipou � pr�pria demiss�o", prossegue Briguglio, "mas apenas quando ficou patente que sua gest�o era ruinosa e encobria um desvio superior a R$ 15 milh�es."
Haddad disse que, quando decidiu afastar Herencia, julgava que ele era "apenas incompetente e n�o corrupto".
O prefeito diz que a a��o do interventor Paulo Dallari, da controladoria e do procuradoria possibilitou bloquear bens de Herencia para repor aos cofres p�blicos o dinheiro desviado. "� natural o desespero do acusado, mas espera-se que ele pague pelo que fez." (GF)
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ENTENDA O CASO
NOV.2015
Jos� Luiz Herencia, ent�o diretor-geral da Funda��o Theatro Municipal, pede exonera��o do cargo. Em dezembro, ap�s apreens�es em seus im�veis, passa a responder inqu�rito no Minist�rio P�blico. A Controladoria Geral do Munic�pio identifica rombo milion�rio nas contas do Theatro, relacionadas a esquema de superfaturamento de �peras
FEV.2016
Herencia tem bens bloqueados na Justi�a. A Promotoria faz nova apreens�o no Instituto Brasileiro de Gest�o Cultural, organiza��o social respons�vel pelas contas do teatro. William Nacked, seu diretor, � afastado do cargo e Paulo Dallari assume a administra��o geral do Municipal como interventor
MAR.2016
Com acordo de dela��o premiada, Herencia envolve outros agentes do Theatro na investiga��o. Aponta conflitos de interesse em contrata��es que envolvem um agente internacional de John Neschling, diretor art�stico
JUN.2016
C�mara abre CPI do Theatro Municipal. No m�s seguinte, Carlus Padrissa, diretor do grupo Fura Dels Baus, atesta no Minist�rio P�blico que o agente de Neschling no exterior, Valentin Proczynski, cobrou valor maior do teatro do que aquele que deveria ser pago ao grupo. Relat�rio da Controladoria aponta que rombo nas contas do teatro s�o de R$ 15 milh�es
AGO.2016
Justi�a autoriza a quebra de sigilo dos e-mails do maestro John Neschling, pedida pelo Minist�rio P�blico do Estado. A comiss�o da C�mara dos Vereadores faria o mesmo pedido � Justi�a, por�m este foi cancelado antes da vota��o pelo relator da CPI, o vereador petista Alfredinho
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