Jonathan Franzen lan�a livro e defende que autores 'arrumem encrenca'
"Parte do trabalho de um escritor � arrumar encrenca", ri o americano Jonathan Franzen do outro lado da linha. Ele sabe bem o que fala. Um dos principais romancistas norte-americanos em atividade, Franzen est� acostumado com gente montada em cavalos de batalha, marchando contra ele.
Dessa vez, com "Pureza", seu novo romance, que chega agora ao Brasil, foi a mesma coisa: de um lado os louros; de outro, a raiva. Alguns reclamaram que o livro tem m�es desequilibradas, mulheres problem�ticas. O pior para os cr�ticos do autor? Uma personagem feminista que obriga o marido a fazer xixi sentado.
"O extremismo da rea��o feminista fala por si. Fico perplexo por as pessoas n�o terem vergonha de fazer essa cr�tica. � como se dissessem: 'Isso pode ser real, mas um escritor n�o tem autoriza��o de diz�-lo.' Meu trabalho � falar a verdade", defende-se.
Franzen jura que, na Europa, conheceu mulheres que exigiam, e maridos que atendiam a esse pedido.
Sebastian Lucrecio | ||
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O escritor Jonathan Franzen em sua casa em Nova York, em 2012 |
"Sou feminista. � chocante que as mulheres sejam silenciadas ao longo do tempo, mas me parece uma resposta estranha � opress�o elas quererem silenciar outra pessoa".
A quest�o � uma cortina de fuma�a. "Pureza" n�o � um livro sobre as mulheres. O idealismo juvenil � um ponto mais relevante no enredo.
O romance come�a com a hist�ria de Pip, uma jovem sem dinheiro no bolso, sem amigos importantes e vinda do interior. � uma figura indignada com a m�e, que mant�m segredo sobre o pr�prio passado –a identidade do pai da filha e at� sobre o pr�prio nome.
Depois, o leitor vai conhecer a hist�ria de Andreas Wolf, nascido na Alemanha Oriental, mulherengo e filho de um nome influente no partid�o. Ele � o l�der do The Sunlight Project, uma esp�cie de Wikileaks baseado na Bol�via, ao qual Pip vai se filiar para descobrir os segredos da m�e.
O terceiro � Tom Aberant, jornalista que recebe dinheiro de um milion�rio para criar um site de jornalismo investigativo. Se Pip � a protagonista da primeira parte, logo fica claro que os dois homens s�o os centros de gravidade do romance. As hist�rias se cruzam numa trama de ar conspirat�rio.
Franzen, que costuma levar a fama de um dinossauro mal-humorado, cr�tico das redes sociais, usa um pano de fundo que no primeiro momento n�o pareceria t�pico dele: a tecnologia e os jovens.
'ESTADO OBSESSIVO'
E n�o � que Franzen acompanha o mundo tecnol�gico como qualquer um?
"N�o � como se eu vivesse isolado em uma cabana. Mas sou c�tico quanto �s falsas promessas do Vale do Sil�cio. E n�o vejo o romance como um meio de expressar opini�es, mas uma experi�ncia na qual desafio minhas pr�prias ideias", diz o autor.
De todo modo, n�o � a tecnologia o tema central do livro, mas os segredos e como nos relacionamos com eles. Por isso, Andreas Wolf entrou na trama: � um personagem dedicado a revel�-los.
"O Vale do Sil�cio acha que, se n�o houver segredos, vamos ter a paz mundial. Mas, quanto mais voc� sabe sobre as pessoas, mais voc� as odeia".
Todas as outras figuras que circulam pelo romance t�m segredinhos e segred�es inconfess�veis, mas isso � porque Franzen n�o resistiu. "Quando escrevo um romance, entro em um estado obsessivo."
Adriano Vizoni - 6.jul.2012/Folhapress | ||
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Jonathan Franzen durante a 10� edi��o da Flip, em 2012 |
Desses, Andreas desponta como o mais interessante. Ele � resultado do per�odo em que Franzen passou na Alemanha, nos anos 1980. O autor diz ter sempre se interessado pelo mundo germ�nico (em 2013, traduziu ensaios do satirista austr�aco Karl Strauss).
� �poca, o escritor americano sentia-se fascinado por figuras da dissid�ncia do outro lado do Muro de Berlim. E h� tempos alimentava a ideia de escrever sobre o que chama de "personalidade dissidente".
"Os dissidentes s�o �timos, muito cr�ticos, tomam posi��es dif�ceis em regimes repressivos. Ao mesmo tempo, ningu�m � perfeito. As pessoas que vazam [informa��es] n�o s�o como eu e voc�. S�o figuras radicais", afirma o autor.
"O que me interessa � a grande voltagem no atrito entre a personalidade problem�tica e a figura p�blica. Quis tratar de quest�es psicol�gicas das quais nunca tinha tratado. A ideia era investigar os extremos da sanidade, do mau comportamento."
SNOWDEN
Mas o fasc�nio pelos dissidentes para por a�. Franzen n�o � a favor que os Estados Unidos perdoem Edward Snowden, que vazou documentos da espionagem americana para o jornalista Glenn Greenwald em 2013.
"N�o � que n�o admire Snowden, mas ele sabia das consequ�ncias. Ficaria feliz se ele pudesse viver para sempre como um exilado, mas que o governo o deixasse em paz para ir aonde quiser. Seria um precedente ruim n�o fortalecer a lei."
Franzen avisa tamb�m que, embora em dado momento do livro Obama seja criticado por "n�o ter mudado as coisas", essa n�o � bem sua opini�o.
"As pessoas na Europa eram mais ing�nuas em rela��o a Obama. Ele ganhou Nobel s� por ser eleito, de tanto que as pessoas odiavam George W. Bush e Dick Cheney. Eu n�o tinha tanta esperan�a. Qualquer pessoa eleita, at� o Donald Trump, acaba levada para uma sala onde � ensinada como agir", diz o autor, que vota em Hillary Clinton.
Pureza |
Jonathan Franzen |
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O romance tamb�m marca as pazes de Franzen com os jovens, que antes detestava.
"Achava-os est�pidos e apol�ticos. Agora passei a conhec�-los e estou entusiasmado, os bons jovens s�o muito bons. Queria um livro que celebrasse o jovem com ideias pr�prias."
PUREZA
AUTOR Jonathan Franzen
TRADU��O Jorio Dauster
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 69,90 (616 p�gs.)
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Leia trecho do livro:
Seguiu-se um per�odo feliz em que acordou na cama de dezenas de mulheres numa r�pida sucess�o, por toda a cidade, em bairros cuja exist�ncia nem sonhava –em apartamentos sem �gua corrente, em quartos absurdamente estreitos perto do Muro, numa aldeia que ficava vinte minutos a p� do ponto de �nibus mais pr�ximo. Havia coisa mais docemente existencial do que, depois de fazer sexo, caminhar pelas ruas mais desoladas �s tr�s da manh�? A destrui��o folgaz� de uma rotina razo�vel de sono? A estranheza de cruzar no corredor, a caminho de um banheiro comoventemente pavoroso, com a m�e de algu�m metida num roup�o com papelotes no cabelo? Andreas escreveu poemas sobre suas experi�ncias, reflexos intrincadamente rimados de sua subjetividade �nica numa terra cuja sordidez s� era aliviada pela excita��o da conquista sexual, sem que nenhum deles lhe causasse problemas. O regime liter�rio do pa�s se tornara menos r�gido nos �ltimos tempos, a ponto de permitir aquele tipo de subjetividade ao menos na poesia.
O que lhe criou problemas foi uma s�rie de jogos de palavras nos quais trabalhava quando seu c�rebro estava cansado demais para a matem�tica. O mais reconfortante no tipo de poesia que compunha era a limita��o na escolha das palavras. Como se, depois do caos da inf�ncia com sua m�e, ele almejasse a disciplina dos esquemas de rimas e outras restri��es.
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