cr�tica
cr�tica: Augusto de Campos descobre p�rolas no fundo do oceano
Algum dia o Brasil vai poder dizer que teve um dos grandes poetas do s�culo 20. Um nome que n�o empalidece ao lado de Ezra Pound (1885-1972), Pablo Neruda (1904-1973) ou John Ashbery. E mais ainda, um grande poeta que ser� lido –cada vez mais– no s�culo 21.
"Outro", o novo livro de poemas de Augusto de Campos, vem a reafirmar esse lugar que j� se v� nas exibi��es, no pr�mio Pablo Neruda que acaba de receber, na m�sica popular, nos di�logos criativos com o seu filho Cid e com os m�sicos Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto e Arnaldo Antunes, entre outros.
E por que digo que Campos � um dois grandes poetas do s�culo 20? Porque � um inventor de formas. Praticou o poema visual com uma plasticidade �nica; levou ao limite o uso da tipografia e desenhou novas plataformas do poema: a "intradu��o" que combina tradu��es com crit�rios visuais, sonoros e tipogr�ficos; e o "clip-poema" que anima as composi��es e trabalha com a montagem e o movimento.
Desenhou tamb�m agora, em seu �ltimo livro de poemas, as "outradu��es", em que trabalha espacial e visualmente com textos em portugu�s, que v�o desde Ant�nio Vieira (1608-1697) at� Fernando Pessoa (1888-1935)e Raul Pomp�ia (1863-1895).
E aqui temos mais uma faceta de Campos: o poeta-arquivista, que descobre p�rolas no fundo do oceano, como aconteceu com os seus livros sobre os poetas Pedro Kilkerry, Sous�ndrade e Pagu.
O modo em que Augusto entra no arquivo � totalmente original. O poeta faz uma leitura do texto em que encontra ritmos e formas que se combinam com os saberes cient�ficos, hist�ricos, militares e po�ticos do texto.
Em "Um", composi��o inclu�da no livro, faz brilhar no desenho visual os decass�labos que cont�m a descri��o de um morto feita por Euclides da Cunha (1866-1909). O procedimento po�tico n�o � s� parte do repert�rio ret�rico do autor de "Os Sert�es", sen�o um modo de pesquisar o acontecimento hist�rico desde o saber po�tico.
Como se Euclides procurasse em versos ocultos ("a desenhar-se num recalque forte / a l�mina do sabre que o abatera"), que o poeta contempor�neo sabe descobrir, a sobreviv�ncia das v�timas na arte do epit�fio.
"Outro" continua o projeto po�tico dos livros "Despoesia" (1994) e "N�o" (2004), mas produz mudan�as significativas. Cont�m poemas (na primeira se��o), "intradu��es" e "outradu��es" (segunda e terceira se��o). Todos poemas da �ltima d�cada, exceto "Brazilian 'Football'" que saiu no "Times Literary Suplement" em 1964 e que � uma cr�tica a ditadura instaurada naquele ano.
Se em "N�o" a sa�da do labirinto era "outis" (palabra grega que significa "ningu�m"), aqui a sa�da � o outro com todas as ambival�ncias da palavra. O livro est� dedicado aos amigos do concretismo j� mortos.
Mas a mudan�a mais forte est� na tipografia ou na quase tipografia que o poeta utiliza para criar algo como criptogramas que exigem do leitor um papel ativo. Assim, o poema "ter remoto" vai da amabilidade do t�tulo a dificuldade de decifrar as palavras, esfor�o que conclui com o voar leve de uma borboleta, que aparece e desaparece com a beleza do poema.
O poema "cauteriza e coagula", introdu��o de um texto do poeta franc�s Jules Laforgue (1860-1887), cria um c�digo visual a partir de duas vogais; "humano" utiliza os hexagramas do "I Ching" (texto cl�ssico chin�s). � muito simples: para o poeta, devemos desaprender a ler e a –como queria Oswald de Andrade (1890-1954)– "olhar com olhos livres".
Enquanto muitos poetas velhos olham o passado com saudade, se retiram do pressente e se refugiam nos lauros adquiridos, Augusto de Campos, o poeta velho mais jovem, faz o nosso presente mais intenso e procura formas na redes e nos labirintos do cibercontexto em que vivemos para poder experimentar o que vir�.
OUTRO
AUTOR Augusto de Campos
EDITORA Perspectiva
QUANTO R$ 59 (120 p�gs.)
AVALIA��O �timo
Livraria da Folha
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