Exposi��o traz a SP preciosidades e mist�rios de Fran�ois Truffaut
"Voc� me disse 'eu te amo'
Eu te disse 'espera'
Eu ia dizer 'agarre-me'
Voc� me disse 'vai embora'"
O haicai do amor descompassado que abre "Jules e Jim - Uma Mulher para Dois" (1962) anuncia a vis�o do cineasta Fran�ois Truffaut (1932-1984) sobre a vida conjugal: a de um bote � deriva, cativo de intemp�ries insond�veis –e irresist�veis.
Esse gosto de um dos precursores da nouvelle vague pelo mist�rio, na fic��o e na vida, � justamente um dos gatilhos da exposi��o "Truffaut: Um Cineasta Apaixonado", concebida originalmente pela Cinemateca Francesa, em Paris, e que desembarca agora no MIS - Museu da Imagem e do Som, em S�o Paulo.
"A inclina��o dele pela clandestinidade vem da inf�ncia", diz o curador da mostra, Serge Toubiana, tamb�m diretor da Cinemateca Francesa e bi�grafo do cineasta, a quem consagrou ainda um document�rio e uma s�rie de programas radiof�nicos.
"Ele via filmes escondido da m�e e do padrasto, matava aula para ir ao cinema. Adulto, mantinha v�rios roteiristas trabalhando simultaneamente num projeto, sem que uns soubessem dos outros", conta Toubiana.
"Lembro-me que, para entrar em seu escrit�rio, passava-se por duas portas, que pareciam estar ali para proteg�-lo mais do mundo exterior. O secreto e o �ntimo eram nele mais importantes do que a vida p�blica, vis�vel."
Tanto que, no fim dos anos 1960, contratou uma ag�ncia de detetives (onde pouco antes ambientara cenas de seu "Beijos Proibidos") para apurar identidade e paradeiro de seu pai biol�gico, que nunca vira. Desfeito o enigma –tratava-se de um dentista judeu radicado no nordeste franc�s–, foi ter com o homem.
Observou-o passear com um cachorro e... entrou no cinema para ver Chaplin, sem dirigir ao sujeito sequer uma palavra.
COLECIONADOR
Rejeitado pela m�e cat�lica, que o pariu longe de casa, Truffaut chegou a ser despachado pelo padrasto para um reformat�rio, antes de se alistar no Ex�rcito, desertar, ser preso e internado num hospital psiqui�trico (ele tentara se matar). A hist�ria familiar conturbada despertou nele um colecionismo febril.
"Ele precisa guardar [objetos, documentos]. Sua trajet�ria � t�o incerta, t�o sujeita a desventuras dom�sticas e financeiras que ele constitui um pequeno tesouro �ntimo para se dar tantas provas quanto poss�vel de que a sua vida tem um sentido", analisa Toubiana.
Entre as preciosidades do ba� truffautiano o curador destaca cart�es postais enviados em 1945 (aos 13 anos, portanto) a um amigo de inf�ncia e cadernos com anota��es sobre livros e filmes devorados –o diretor calculava ter visto 2.000 t�tulos em cerca de sete anos de frequ�ncia ass�dua � Cinemateca, durante a adolesc�ncia.
Em S�o Paulo, os mais de 600 itens expostos incluem desenhos, cartas, fotos de set ao lado de algumas de suas atrizes-fetiche (como Jeanne Moreau, Catherine Deneuve, Claude Jade e Fanny Ardant, com quem teve rela��es que variaram do namorico ao casamento), roteiros anotados e os livros que deram origem a boa parte desses.
"Truffaut era um homem da palavra, da escrita, e n�o um pintor, um cineasta inspirado pelas artes pl�sticas. Ele rabisca, rasura, corrige aquilo que cai em suas m�os. 'Violenta' o livro para extrair imagens, chegar � quintess�ncia do cinema", comenta Toubiana, que diz ter querido mostrar um artista longe da imagem d�cil e pequeno-burguesa que a cr�tica engajada dos anos 1960 e 1970 tentou lhe colar.
"T�nhamos at� algum tempo atr�s uma aprecia��o frouxa da obra dele: 'Truffaut, que amava as mulheres e as crian�as'. Sempre vi seu modo de abordar o amor e de tratar o sexo feminino como sin�nimo de aventura e coragem, algo mais sombrio, melanc�lico e radical", completa ele.
CEN�RIO DE FILME
Um ano atr�s, antes mesmo da abertura em Paris da exposi��o sobre o criador de "Os Incompreendidos" (1959), Serge Toubiana escreveu ao diretor-executivo e curador-geral do MIS, Andr� Sturm, sugerindo a ida do acervo ao Brasil.
Ser� a segunda parceria entre as institui��es, depois da mostra em torno do pioneiro do cinema Georges M�li�s (1861-1938).
A vers�o que aporta em S�o Paulo tem projeto cenogr�fico pr�prio e algumas se��es novas em rela��o � francesa, num percurso que tenta acenar tanto para "iniciados" quanto para ne�fitos, segundo Sturm.
H�, por exemplo, uma sala que reproduz parcialmente a ambienta��o da cl�ssica cena da corrida do trio do filme "Jules e Jim" sobre uma passarela.
Em outro espa�o, ser� poss�vel espiar, atrav�s de olhos m�gicos, cenas de longas como "Um S� Pecado" (1964) e "A Noite Americana" (1973), protagonizadas por musas do diretor –respectivamente, Fran�oise Dorl�ac (irm� de Deneuve morta aos 25 anos) e Jacqueline Bisset.
As sabatinas do franc�s com o diretor de "Psicose", que deram origem em 1966 � compila��o "Hitchcock/Truffaut - Entrevistas" (editora Companhia das Letras, R$ 84) uma das b�blias da cinefilia moderna, s�o lembradas sob a forma de excertos sonoros.
A defesa do cineasta ingl�s como autor maioral, e n�o simples executor eficiente de suspenses (como at� ali se costumava ver), agita o Truffaut cr�tico das revistas "Cahiers du Cin�ma" e "Arts" no in�cio dos anos 1950 –outra das facetas exploradas na exposi��o.
� como resenhista que ele assina a c�lebre diatribe contra a suposta supremacia do roteiro sobre a encena��o nos filmes de seu pa�s ("Uma Certa Tend�ncia do Cinema Franc�s").
Insolente, aos 22 anos, tasca sobre diretores consagrados o r�tulo de "caricaturas". Como lembraria em 1970 o t�tulo de um de seus trabalhos de ecos autobiogr�ficos, Truffaut nunca deixou de ser um "garoto selvagem".
TRUFFAUT: UM CINEASTA APAIXONADO
QUANDO abertura nesta ter�a (14); ter. a s�b., das 12h �s 21h; dom. e feriados, das 11h �s 19h; at� 18/10
ONDE MIS - av. Europa, 158; tel. (11) 2117-4777
QUANTO R$ 10 (gratuito �s ter�as); ingressos antecipados pelo site www.ingressorapido.com.br
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