'N�o acredito em p�blico, fa�o cinema pelo cinema', diz diretor de filme de 11 horas
A Mostra Internacional de Cinema apresentou neste ano a mais extensa retrospectiva j� feita da obra do diretor Lav Diaz, conhecido por seus filmes independentes longos e em preto e branco.
Foram exibidos 12 de seus filmes, desde um document�rio de 70 minutos at� uma saga de 11 horas. Seu novo filme, "Norte, o Fim da Hist�ria" --de mais de quatro horas-- teve estreia mundial no Festival de Cannes deste ano.
Em entrevista � Folha, o cineasta filipino, de 54 anos, fala sobre sua carreira, sobre a ind�stria do cinema que abandonou e sobre seus filmes.
Luiz Carlos Murauskas/Folhapress | ||
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O diretor filipino Lav Diaz, no hotel Renaissance em S�o Paulo |
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Folha - Como voc� come�ou no cinema?
Lav Diaz - A ideia surgiu muito naturalmente, mas antes achava que podia ser m�sico ou escritor. Um dia eu simplesmente comecei a fazer cinema, eu decidi ser diretor. Na �poca n�o havia escolas de cinema nas Filipinas, ent�o comecei a participar de workshops e a realizar curta-metragens. Mas se voc� quer ser cineasta, tem de entrar para a ind�stria. Comecei a escrever alguns roteiros que foram produzidos no cinema e depois passei a escrever para televis�o. Trabalhei como rep�rter, escrevendo para jornais.
Ap�s fazer quatro filmes na ind�stria eu percebi que n�o poderia continuar fazendo o que queria dentro da ind�stria, tinha de fazer filmes de duas horas porque estava no contrato. Eles t�m controle de tudo. Decidi fazer do meu jeito n�o importa o qu�o dif�cil isso fosse. Comecei com o filme de cinco horas, o "Batang West Side", entre 2000 e 2001. Foi assim que comecei no cinema independente.
Eu tinha a ilus�o de que poderia achar meu pr�prio espa�o criativo dentro da ind�stria do cinema, mas era s� uma ilus�o. As pessoas da ind�stria n�o est�o nisso pela cultura, est�o pelo lucro. Bilheterias apenas. � o neg�cio deles. Se voc� � um artista de alma n�o pode sobreviver l�, eles v�o comer voc�, v�o engol�-lo. Voc� compromete a sua alma e vira parte do neg�cio.
O que � cinema para voc�?
Eu tento entender o que � cinema, o que � a m�dia, qual a sua natureza. [O cr�tico franc�s] Andr� Bazin disse que tudo o que fazemos no cinema, qualquer desenvolvimento que temos no cinema, � para entender sua origem, um passo para entender o cinema.
Qual o papel do p�blico na rela��o com sua obra, composta de filmes de dura��o t�o longa?
Eu n�o acredito em p�blico. Eu fa�o cinema pelo cinema. O chamado p�blico � consequ�ncia de se fazer arte. Eu n�o fa�o cinema para o mercado, n�o fa�o cinema para entreter as pessoas. Eu fa�o cinema pela est�tica.
Com todo o respeito, eu n�o penso no p�blico quando fa�o cinema, eu fa�o cinema pela arte, pela cultura. Eu quero partilhar essa m�dia, quero partilhar minha vis�o do meu pequeno jeito pr�prio. Quero melhorar a humanidade atrav�s do meu cinema.
No come�o de outubro, seu novo filme, "Norte, o Fim da Hist�ria", ganhou o grande pr�mio do Festival de Cinema de Direitos Humanos de Nuremberg, na Alemanha. Qual a import�ncia de um pr�mio relacionado aos direitos humanos para voc�?
Eu n�o fa�o meus filmes para esses pr�mios. Os pr�mios s�o um b�nus para o que eu fa�o. Mas eu reconhe�o este pr�mio pelo reconhecimento do meu trabalho.
Todos os meus filmes s�o sobre a luta da humanidade contra o mal, contra todos os males da sociedade. Especificamente eu mostro o que acontece nas Filipinas, mas � universal. Todas as culturas sofrem e n�s lutamos contra todos esses obst�culos da humanidade: as ditaduras, a corrup��o, o fascismo. N�o consigo entender como isso ainda acontece, tudo � t�o racional, t�o inteligente, mas ainda temos todas essas ditaduras.
Por que seus filmes s�o t�o longos?
Meu cinema n�o � longo, ele � livre, n�o faz parte das conven��es. O limite de duas horas, uma hora e meia � s� uma imposi��o da ind�stria para ter o m�ximo de lucro. Por que tratam o cinema desse jeito?
A tela do cinema, se voc� consider�-la como um meio de arte, � livre. � por isso que digo que meu cinema � livre, n�o � longo. A tela � grande, n�o � longa.
Eu sempre imponho em meu m�todo uma �nica tomada porque meu princ�pio em cinema � ser muito honesto, ser verdadeiro. Tamb�m valorizo a fisicalidade do espa�o como um importante elemento no cinema, na vida. A natureza � um grande ator em meu cinema.
Eu quero mostrar a vida no cinema, voc� tem de ser capaz de ver a tela toda e tamb�m voc� tem que pensar que al�m da tela existe a vida. � um grande universo, n�o � apenas a tela ali. Quero que meu cinema seja a tela viva.
Luto para apresentar meu cinema como parte da vida. N�o � s� essa coisa retangular que voc� v�, nas salas de cinema com refrigerante e pipoca nas m�os. Acredito que meu cinema � parte do ciclo da vida. Estamos falando da beleza e do significado da vida, estamos tentando entender a vida, estou tentando espelhar a vida em meu trabalho.
E por que a prefer�ncia pelo preto e branco?
Fa�o filmes em preto e branco porque eles mant�m o mist�rio do cinema. Voc� entra na sala, v� um filme em preto e branco e fala: "Sim, estou no cinema".
Em "Evolu��o de uma Fam�lia Filipina"...
Voc� viu?
Sim
Sobreviveu?
Sim. Ali acompanhamos a hist�ria de uma fam�lia e ao mesmo tempo as mudan�as pol�ticas pelas quais passaram as Filipinas nos �ltimos 30 anos. [O pa�s viveu uma ditadura entre 1972 e 1986.] Como essas mudan�as influenciam seu trabalho?
A ditadura acabou, agora estamos numa sociedade bastante livre, mas ao mesmo tempo esses anos de lei marcial ainda s�o sentidos, ainda temos um sistema muito corrupto, alguns pol�ticos da �poca da ditadura ainda est�o no poder. N�o h� mais ditadura, mas a pobreza ainda est� l�, o que � um grande problema.
H� uma disfun��o causada pela imigra��o, muitos jovens crescem sem m�es e pais porque seus pais est�o trabalhando fora do pa�s. "Norte" trata deste assunto. O sistema n�o funciona no pa�s, que sobrevive pelo dinheiro que vem de quem est� trabalhando no exterior, � apenas um progresso superficial.
H� uma grande popula��o rural no pa�s e um grande problema � a pobreza. Eu posso conversar com a pobreza cara a cara, eu a conhe�o. A pobreza � um mal, eu sei o que fome significa. N�o � uma ben��o ser pobre, � uma maldi��o.
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