"Desenhar � sempre uma luta", diz Art Spiegelman; leia �ntegra da entrevista
Art Spiegelman desconstr�i para poder construir. O cartunista vem usando esse m�todo desde o fim dos anos 60, quando surgiu no cen�rio underground dos EUA, para provar aos incr�dulos que as hist�rias em quadrinhos s�o, sim, uma forma de arte.
O empenho lhe garantiu, em 1992, um in�dito pr�mio Pulitzer para um quadrinista, por sua obra "Maus" (lan�ada em dois volumes, em 1986 e 1991), em que relata a hist�ria de seus pais em campos de concentra��o nazistas.
Boa parte desse trabalho de dissecar os quadrinhos pode ser vista em "Breakdowns: Retrato do Artista Quando Jovem %@&*!", que ganha caprichada edi��o da Quadrinhos na Cia.
Original de 1978, com os primeiros esbo�os de Spiegelman, o livro sai agora com extensa introdu��o, tamb�m ilustrada, em que ele analisa sua carreira.
Spiegelman, 61, quase n�o d� entrevistas. Ele tamb�m deixou os f�s brasileiros a ver navios em 2007, quando, anunciado como convidado da Flip (Festa Liter�ria Internacional de Paraty), cancelou sua participa��o na �ltima hora. Mas, na �ltima quinta-feira, ao atender ao telefonema da Folha, de Nova York, onde vive, n�o parece nada incomodado em falar de si e do seu trabalho. Em quase uma hora de conversa, faz gra�a de si mesmo, comenta a autoan�lise poss�vel por meio das HQs, diz como se sente com a "sombra" de "Maus" e discorre sobre os cartunistas que admira.
Leia a seguir a �ntegra da entrevista.
Folha - "Breakdowns" tem duas caracter�sticas muito fortes, uma de autoan�lise e outra de an�lise dos quadrinhos como forma de arte...
Spiegelman - Sim, parece certo para mim.
Folha - Vamos come�ar com essa coisa da autoan�lise, ent�o... � algo comum nos quadrinhos desde o underground dos anos 60, certo? Por que isso?
Spiegelman - Bem, n�o foi sempre assim. At� onde sei, come�ou com meu amigo Justin Green, que fez uma HQ chamada "Binky Brown Meets the Holy Virgin Mary" [1972], que ajudei a [revista] McSweeney's a trazer de volta � luz. Na �poca, em meados dos anos 70, os quadrinhos underground eram muito autobiogr�ficos, confessionais, chocantes de certa maneira. "Binky Brown", que foi um dos primeiros trabalhos de Justin Green, teve uma grande influ�ncia sobre Robert Crumb, sobre mim, sobre Harvey Pekar e outros cartunistas, no sentido de come�ar com autobiografias. Nesse sentido, acho que � uma das origens dos quadrinhos contempor�neos, e talvez tenha sido uma resposta �s d�cadas anteriores, em que os quadrinhos eram apresentados s� como um produto industrial. [A autobiografia] era a manifesta��o mais clara dos quadrinhos como um meio de autoexpress�o. N�o eram a �nica maneira de fazer isso, mas a mais clara.
Folha - E isso serve como uma esp�cie de terapia?
Spiegelman - Olha, tentei terapia, � mais caro e � um processo meio diferente. Tenho uma analogia horr�vel, mas n�o consigo pensar em nada melhor, que �: terapia � um processo que envolve vomitar as coisas, quadrinhos � mais como engolir o v�mito. � preciso vomitar antes de fazer algo com isso. Ent�o, n�o � exatamente a mesma coisa, mas, sim, ambos envolvem autoan�lise.
Henny Ray Abrams/Reuters | ||
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O desenhista Art Spiegelman, autor de "Maus", em seu est�dio, em Nova York |
Folha - Quando criou "Maus", por exemplo, e isso fica claro em "Breakdowns", o sr. precisava colocar aquilo no papel. Mas tamb�m n�o d� para negar que voc� tinha uma grande hist�ria ali. Pode-se dizer que a autoan�lise � menos central que o fato de o sr. identificar boas hist�rias na sua vida?
Spiegelman - Sim, acho que at� mais isso. Quando fiz "Maus", pensei: "Seria �timo fazer uma HQ que fosse muito extensa e que tivesse a densidade que fosse poss�vel associar a de uma literatura s�ria". Fiz aquela vers�o de tr�s p�ginas [que est� em "Breakdowns"] e pareceu desperd�cio, porque era uma hist�ria para contar.
Trabalhei em "Breakdowns" nos anos anteriores � vers�o em livro de "Maus". Naquela �poca, estava bem pouco interessado na hist�ria em si, embora soubesse que � por ela que as pessoas se voltam aos quadrinhos. Me interessava mais o modo como imagem e texto se encaixam. Por isso o trabalho "Breakdowns" � t�o dif�cil, ele requer foco, diferente de "Maus". Os livros de "Maus" narram alguma coisa, n�o para eu mesmo descobrir, mas apresentam ao leitor as for�as em jogo numa trama muito complexa.
Folha - A nova introdu��o de "Breakdowns" mostra o sr. tentando fugir da sombra de "Maus", e dizendo que isso n�o adianta, que voc� n�o consegue escapar. � ironia ou isso de fato o incomoda?
Siegelman - Tanto � ir�nico quanto me incomoda. As duas coisas s�o verdade. Por um lado, gostaria que falassem: "Puxa, o que voc� est� fazendo agora � fant�stico". Mas � claro que, quando fiz "Maus", fiz o que no rock ou no blues eles chamam de "crossover hit", algo capaz de atrair inclusive quem n�o liga para a meio em si, no caso, as HQs. Sou grato a "Maus" porque, depois dela, foi poss�vel publicar minhas HQs mais dif�ceis. N�o que "Maus" seja f�cil, mas � dif�cil de modo diferente. Ali, estava t�o interessado em tornar claro algo complexo como "Maus" que tive de suprimir coisas que eram interessantes para mim, como a corrente de consci�ncia do meu pai contando a hist�ria. Deixei isso de fora para poder entrar em outras complexidades, sem que o resultado ficasse muito joyceano. Mas acho que divido com algo com a maior parte dos cartunistas que conhe�o. O fato � que muitos cartunistas, inclusive eu, t�m certa inveja de "Maus" [risos].
Folha - Quando estava criando "Maus", o sr. tinha no��o de que era algo que as pessoas considerariam uma obra de arte?
Spiegelman - N�o... Acho que talvez, na verdade, eu tenha avaliado absurdamente alto algumas p�ginas de "Breakdowns"... Realmente n�o achei que "Maus" se tornaria um sucesso mundial nesse n�vel. Depois me dei conta de que, a n�o ser que fizesse alguma coisa em que a hist�ria fosse o motor, embora meu interesse fosse que o encaixe de quadros fosse o motor, meu p�blico se tornaria t�o pequeno que eu teria de expor numa galeria de arte para encontrar uma �nica pessoa que gostasse. Mas, se eu tentasse fazer HQs de algum modo tradicional, no sentido de me comunicar com outras pessoas, tinha de focar na hist�ria. Achei que encontraria um p�blico, nem de longe um t�o grande como acabou acontecendo. E pensei, ok, estou fazendo isso para durar, vou tomar o tempo que precisar para fazer isso bem, e talvez, postumamente, ser descoberto. E, na verdade, foi tudo menos desapontador descobrir que n�o estou t�o � frente do meu tempo como pensava.
Folha - Em "Breakdowns", h� aquela passagem em que o sr. fala sobre o que cartuns significam, entreter e divertir, e "Maus" n�o � nada sobre divers�o...
Spiegelman - A ideia de divers�o, n�o sei se � a melhor palavra... Quer dizer, sim, foi a palavra que usei, mas seria idiota algu�m dizer: "Foi realmente divertido ler 'Maus'", ficaria parecendo uma esp�cie de monstro. Mas tamb�m � verdade que muita gente virou para mim e disse: "Realmente gostei de ler 'Maus'", e depois ficou sem gra�a, porque se dava conta de que tinha dito que tinha gostado daquilo. De alguma maneira voc� confunde o livro sobre o fato com o fato em si. Acho que existe um prazer que vem da narrativa, da maneira como � tudo colocado junto, e o prazer n�o � necessariamente de divers�o, como ficar b�bado com uma pessoa bonita do sexo oposto durante uma noite pode ser divertido. Mas existe um prazer que vem do trabalho, mesmo se o tema � deprimente.
Folha - H� uma curiosidade sobre o t�tulo "Maus" em portugu�s, porque ele tem a conota��o de "malvados", embora n�o sejam os "mouses" [os ratos da hist�ria, que s�o os judeus] os vil�es, por assim dizer.
Spiegelman - Ah, isso � interessante... Na verdade, � s� a palavra em alem�o para "ratos". N�o me importo com que conota��o a palavra possa ganhar, s� gosto da ideia de que, apesar de o livro existir em cerca de 30 l�nguas hoje em dia, em todos ele se chama "Maus" [risos]. Ele faz sentido para mim se confundir.
Folha - O sr. acha que as pessoas que s� leram "Maus" entre as suas HQs t�m uma ideia limitada sobre o seu trabalho?
Spiegelman - De certa maneira, o trabalho dentro de "Maus", mesmo quando coloco de lado a hist�ria que estou contando e vejo como as p�ginas s�o constru�das, � uma continua��o dos pensamentos de "Breakdowns". Em "Breakdowns" eles n�o foram criados para ser invis�veis como s�o em "Maus", mas o processo no geral � o mesmo, continuo pensando na p�gina completa, em como funcionam os quadros na p�gina. As coisas seriam mais f�ceis se os colocasse um depois do outro e sentasse ao seu lado para explicar, mas est� tudo relacionado com a linguagem abstrata das HQs. Se algu�m diz: "Gostei muito de 'Maus', mas n�o fui atr�s de conhecer o resto", ent�o provavelmente essa pessoa n�o tem interesse em HQs como forma de arte.
Folha - A certa altura de "Breakdowns", voc� cita o artista Rodolphe Topffer, sobre a ideia de que cartunistas "desenham mal, mas t�m certo talento para escrita" ou "escrevem de forma med�ocre, mas t�m belo estilo de desenho". Aqui no Brasil, � comum cartunistas reclamarem da compara��o de HQ com literatura. Como o sr. se sente em rela��o a isso?
Siegelman - Se tivesse uma tatuagem -- sou contra ter tatuagens, porque ouvi que em Auschwitz eles transformavam as peles tatuadas em abajures; deve ser s� rumor, n�o sei --, enfim, se tivesse uma frase tatuada, seria essa de Topffer, a coisa da exist�ncia entre dois lugares.
H� quem compare HQ com literatura ou artes visuais, mas o cartunista fica entre as duas zonas e tem de equilibr�-las para que funcione. � um espa�o h�brido, que exige dois dons. Embora grandes cartunistas possam ser p�ssimos desenhistas ou p�ssimos escritores. H� uma l�gica diferente nisso. E acho que uma das raz�es para "Maus" ter se tornado um "crossover hit" foi por ele ter sido guiado pelo testemunho do meu pai. De certo modo, a palavra tem uma posi��o central nesse livro.
Folha - O sr. citou Harvey Pekar, que n�o pode desenhar, mas tem a ideia das HQs... Ele se enquadraria nesse conceito de cartunista?
Spiegelman - Bem, faz sentido que o trabalho dele tenha sido apresentado em um filme ["O Anti-Her�i Americano", 2003], porque ele n�o � exatamente um artista de HQ. Basicamente ele tem interesse em quadrinhos e tem seu pr�prio jeito de se mover nisso. Geralmente os quadrinhos dele s�o t�o bons ou t�o ruins quanto o cartunista que est� colaborando com ele. O tipo de coisa em que ele n�o pensa � exatamente o que eu penso que � fazer quadrinhos. O tamanho do quadro, quantas palavras cabem em cada imagem, o que acontece nesse quadro, quantos quadros numa p�gina, como eles se relacionam. Isso n�o faz parte do que o Harvey Pekar pensa.
Folha - O sr. acha que � melhor desenhista ou escritor?
Spiegelman - [risos] Hmmm, bem... Acho que escrever � mais f�cil para mim, desenhar � sempre uma luta. Quando n�o estou prestando aten��o, s� desenhando num guardanapo, por exemplo, � f�cil. Mas, quando tento fazer algo espec�fico, � um desafio. No ano passado, saiu nos EUA minha cole��o de esbo�os "Be a Nose" [seja um nariz], que � uma frase de um filme obscuro de Roger Corman, "Bucket of Blood" [balde de sangue], sobre um cara que tem inveja dos artistas que pegam todas as garotas. A certa altura, ele come�a a socar um monte de argila, dizendo: "Seja um nariz, seja um nariz!". Ok, depois ele passa a matar pessoas para us�-las como esculturas, mas, para mim, aquele momento em que o cara soca a massa e diz "seja um nariz", isso � ser um cartunista.
Folha - E o sr. faria um romance?
Spiegelman - [pausa] N�o. �s vezes, escrevo ensaios. At� agora, nunca tive satisfa��o pessoal com nenhuma fic��o que tenha escrito. Eu me interesso demais em desconstruir as coisas para pensar em construir algo. Bem... Talvez eu pudesse escrever uma prosa de n�o fic��o, mas... Por outro lado, acho que a escrita sem o desenho ou o desenho sem a escrita n�o me completam.
Folha - Quando "� Sombra das Torres Ausentes" [2004] foi lan�ado, falou-se sobre o vi�s pol�tico, mas mesmo ali o sr. fala da suas influ�ncias. No fundo, tamb�m � sobre quadrinhos.
Spiegelman - Sim. A coisa sobre quadrinhos me impede de ficar totalmente louco, furioso com meu governo, com o que foi feito � minha cidade e tudo isso.
Folha - Quando o sr. criou a capa do 11 de Setembro para "New Yorker", imaginou que seria antol�gica?
Spiegelman - N�o... Ela me pareceu a resposta certa. E, mesmo quando a encontrei, n�o reconheci. Eu tinha feito uma outra vers�o, mais complexa, mas minha mulher [Fran�oise Mouly, editora de arte da "New Yorker"] foi quem pegou essa e disse: "Essa � a capa". Ela era preto com preto, muito mais simples, muito mais pura. Agora olho para tr�s e penso: "Ok, foi um daqueles momentos transcendentais". Mas � tanto da Fran�oise quanto minha, e foi o �nico gesto poss�vel naquele momento.
Folha - O sr. � uma pessoa pol�tica?
Spiegelman - N�o sei, sou e deixo de ser pol�tico a cada par de horas. H� momentos em que me sinto muito infeliz de ver o gigante jogo pol�tico na Am�rica. Por outro lado, se penso demais nisso, n�o posso suportar, da� me foco em outras coisas. N�o quero ser um cartunista pol�tico, nunca foi um objetivo meu, o mais pr�ximo que cheguei disso foi em "� Sombra das Torres Ausentes", porque foi algo que vivi de perto.
Folha - O sr. falou sobre os quadrinhos de perfil industrial nos EUA h� d�cadas atr�s. Mas a impress�o que se tem � que, mesmo hoje em dia, na Fran�a, a recep��o para HQs adultas � melhor que nos EUA... Como o sr. v� isso?
Spiegelman - N�o sei, nos EUA as coisas mudaram uma enormidade nos �ltimos anos. � prov�vel que a Fran�a os best-sellers vendam mais do que os best-sellers aqui, mas isso vale para qualquer categoria, n�o somente para HQs. Apesar disso, acho que ainda hoje, nos EUA, embora a cultura do livro seja saud�vel, a de HQs � provavelmente uma das mais saud�veis dentro dessa cultura. A esta altura, ganhamos muitas das batalhas que pareciam inconceb�veis, voltando � �poca em que "Breakdowns" foi realizado, ou quando Fran�oise e eu fizemos a revista "Raw" juntos. N�o dava para desconfiar do que viria a acontecer, com HQs sendo ensinadas nas faculdades, se��es espec�ficas para HQs de adultos em livrarias, exibi��es de arte em HQ em museus, bibliotecas interessadas em ter HQs em vez de queim�-las e jog�-las fora, como quando eu era crian�a.
Folha - Que cartunistas o sr. l� hoje em dia?
Spiegelman - Hmmm... Novos ou antigos?
Folha - N�o sei. Vamos come�ar com a "Mad", que foi uma influ�ncia pra o sr. quando ainda era crian�a...
Spiegelman - A "Mad" est� quase acabada. E, de qualquer modo, n�o tem sido boa por cerca de 50 anos [risos].
Folha - Ou seja, desde que o sr. a descobriu...
Spiegelman - Ela era realmente boa quando a descobri, era um trabalho de g�nio, isso foi antes mesmo de eu ser capaz de ler. Mas... vamos ver. H� tanto material sendo lan�ado, n�o importa o tipo, h� sempre algo para olhar. Por exemplo, assim como est� florescendo por aqui uma s�rie de reimpress�es de velhas tiras e HQs, em livros muito bonitos. Como resultado, pela primeira vez que as HQs tiveram a oportunidade de ter uma hist�ria, pude voltar a ver essas coisas antigas que eu amava. Por exemplo, tive por muito tempo "Little Orphan Annie", de Harold Craig, foi uma grande influ�ncia sobre "Maus". E odeio a pol�tica dele, ali�s, Harold era um conservador de direita muito presun�oso, mas h� algo sobre o modo como ele faz HQs que me fez aprender e gostar muito. "Crazy Kat" � uma fonte cont�nua de prazer para mim... Em HQs contempor�neas, � insano pensar, porque muita coisa vem � minha mente em um segundo. Mas gosto muito dos trabalhos do Joe Sacco, est� para sair um livro dele "Footnotes in Gaza", sobre os massacres em Gaza, acho fant�stico. Gostei do "G�nesis" do Crumb, recentemente.
Folha - Gostou muito?
Spiegelman - Bem, n�o sei se teria gostado se fosse a �nica coisa que tivesse lido do Crumb, mas, como parte de um todo, � �timo, sabe? Eu nunca teria lido o "G�nesis" se ele n�o tivesse feito uma HQ partir dele. N�o teria lido o livro em que � baseado [risos]. E amo os trabalhos de Chris Ware, Linda Barrys, mas h� uma grande quantidade de artistas de HQ atualmente, � quase assustador...
Folha - O sr. � amigo do Crumb?
Spiegelman - Sim, estivemos em Austin, Texas, juntos com minha mulher, tivemos uma conversa p�blica no palco da Universidade do Texas, e sim, nos conhecemos por muitos e muitos anos, at� passamos umas f�rias na vila dele na Fran�a.
Folha - H� dois anos, o sr. fez as pessoas aqui acreditarem que voc� vinha pro Brasil [para a Flip], e n�o veio...
Spiegelman - Eu tamb�m acreditava que ia!
Folha - Da� chegou-se a falar que o sr. viria no ano seguinte, e tamb�m n�o veio...
Spiegelman - Escrevi para o Luiz [Schwarcz], meu editor, para dizer que realmente quero ir, mas nunca parece dar certo quando h� uma oportunidade. Da primeira vez teve a ver com uma doen�a s�ria do meu sogro, e tivemos de ir para a Fran�a, onde o pai de Fran�oise vivia. Depois disso, cada vez houve um empecilho, como estar no meio de um projeto e ter um prazo para entreg�-lo, ent�o nunca consegui marcar algo, mas realmente quero ir algum dia. S� estive no Rio uma vez...
Folha - Quando?
Spiegelman - Hmmm, deixe-me ver, estou tentando lembrar, foi uma exposi��o do meu trabalho no museu Oscar Niemeyer, no final dos anos 90. Mas eu preciso ir, passei um tempo muito bom no Rio, mas n�o fomos a outros lugares. Um dos problemas que tivemos foi que minha mulher olhou no mapa e disse: "�timo, vamos sobrevoar a Amaz�nia, sempre quis ir a Amaz�nia". Isso quase matou toda a viagem para mim, porque eu disse, meus ancestrais ficaram milhares de anos tentando sair da floresta. N�o quero ir voluntariamente, n�o quero arriscar a vida da minha fam�lia [risos].
Folha - E o sr. conhece algo sobre HQs brasileiras?
Spiegelman - N�o conhe�o muito bem. Vi um pouco quando estava no Rio, mas n�o conheci. Sabe, HQs, mesmo tendo um enorme componente visual, se voc� n�o pode ler, e eu n�o posso ler portugu�s, � dif�cil se envolver. Mas... Eu n�o lembro bem o nome, h� um cartunista pol�tico incr�vel, que publica em um jornal do Rio, e tem um irm�o...
*Folha - Chico Caruso [o jornal � "O Globo"]*
Spiegelman - Ele � realmente bom. Mas certamente n�o conhe�o um equivalente meu no Brasil, gente que esteja fazendo... N�o sei como voc� chamaria, HQs alternativos...
Folha - Bem, no sentido de nomes que surgiram na contracultura, h� alguns cartunistas interessantes que publicam na Folha, como Angeli, Laerte...
Spiegelman - Se voc� me mandar o artigo que escrever, me manda junto essas tiras?
Folha - Ok, posso mandar, mas o sr. n�o vai entender, estar� tudo em portugu�s...
Spiegelman - �, isso ser� um problema. Acho que n�o deve ter muita coisa traduzida para o ingl�s, n�o �? E essa coisa meio nova nos EUA, esse formato longo de "graphic novel", seja l� como queira chamar, esses livros mais longos, tem algo assim acontecendo no Brasil?
Folha - N�o � forte como nos EUA, mas h� alguns jovens cartunistas aparecendo, gente que ganhou o Eisner...
Spiegelman - � um mundo em que a cultura precisa viajar de ponto a ponto. Voltando aos anos 60, quando eu estava come�ando no underground, tinha algo realmente acontecendo aqui, e isso foi para a Europa e influenciou o que acontecia na Fran�a, e depois foi para a It�lia e para o resto da Europa, e em algum ponto isso voltou a influenciar as HQs dos EUA...
Folha - E com que frequ�ncia voc� cria HQs atualmente?
Spiegelman - Ah, eu n�o trabalho com prazos. Quando estou interessado em algo, estou tentando resolver um problema ou me expressar bem, come�o a pensar como isso poderia ser publicado, e isso demora. N�o sou como algu�m que tenha livros ali uma obriga��o de publicar com frequ�ncia, como, sei l�, "Pato Donald", nem sou t�o prol�fico como meu parceiro Paul Auster, que lan�a um livro a cada ano...
Folha - Bem, ele n�o tem que desenhar...
Spiegelman - Bem, se ele desenhasse, n�s ter�amos pelo menos um livro a cada tr�s anos. Demora muito para fazer essas coisas.
BREAKDOWNS
Autor: Art Spiegelman
Tradu��o: Vanessa Barbara
Editora: Quadrinhos na Cia.
Quanto: R$ 79 (312 p�gs.)
Livraria da Folha
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