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MÃOS DE TESOURA
Canais da TV aberta e da TV paga editam produções e acabam vendendo gato por lebre; prática pode ser considerada crime contra o consumidor
TV corta filmes e não avisa telespectador
Divulgação
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Cena do filme "Julieta dos Espíritos", de 1965, que originalmente possui 148 minutos de duração e foi exibido na televisão com 130 minutos |
ALEXANDRE MARON
da sucursal do Rio
Q UEM liga a TV para assistir a um
filme de arte ou para ver aquele esperado "blockbuster" pode acabar vendo um produto muito diferente do original. É que as emissoras da TV aberta e da
TV paga às vezes retalham sem dó os filmes que exibem para fazê-los caber em
suas grades de programação ou para
adequá-los a um horário no qual a versão integral seria imprópria.
Nenhuma produção está livre. Pode
ser o aclamado "Cidadão Kane", de Orson Welles, ou um filme de baixo orçamento como "O Guerreiro do Apocalipse", produzido por Roger Corman.
Os cortes são mais frequentes do que se
pensa, e os motivos variam bastante.
A Globo admite que corta alguns filmes que exibe. O argumento é que às vezes é necessário abrandar cenas de violência e sexo que têm muito impacto no
cinema, mas "pouca função na TV".
Seguindo esse princípio, a emissora
exibiu em outubro, com sete minutos a
menos, o filme "Freejack", que tem 109
minutos repletos de tiros e perseguições.
O suspense "Sem Saída" recebeu ainda
mais cortes. Com 114 minutos, foi exibido num sábado com 105 minutos. Foi suprimida a cena do encontro sexual dentro de uma limusine entre Kevin Costner
e Sean Young. A situação foi considerada
quente demais para o horário.
"Se o filme foi cortado para que mostrassem nesse horário, deviam exibi-lo
inteiro em outro", analisa o cineasta Carlos Reichenbach, de "Dois Córregos".
"Mas pior ainda é quando o filme é
cortado por algum burocrata", diz.
É o que acontece na Record. A emissora diz que não corta filmes, mas sim "os
edita de acordo com o bom senso". Exibiu em 57 minutos "O Bandido Apaixonado", um faroeste de 1948 com 80 minutos. Nessa sessão das manhãs de sábado, agora extinta, todos os filmes eram
exibidos em uma hora, e faroestes como
"Belo e Indomável" (81 minutos) e "Flechas da Vingança" (74 minutos) foram
"reeditados" para caber lá.
Nem sempre se cortam filmes para
abrandar a violência. Segundo Fernando
D'Avila, diretor de programação da
Band, com as transmissões esportivas do
canal é inevitável cortar. A emissora exibiu o desenho japonês "Akira" dia 6 de
novembro com cinco minutos a menos
que a metragem original -124 minutos.
"Quando um jogo de futebol atrasa,
nós precisamos encurtar os filmes. Mas
sempre com um critério técnico", diz.
O problema não é só da TV aberta. Há
filmes cortados também na TV paga.
Quem mais corta é o canal TNT. Filmes
cortados entram no ar precedidos do
aviso de que foram "formatados para
uma audiência geral", eufemismo para
dizer que foi retalhado. O canal passa a
tesoura em clássicos como "Cidadão Kane", de Orson Welles, "Vestida para Matar", de Brian De Palma, e "A Travessia
de Cassandra", com Sophia Loren.
Seu presidente, Jim Samples, explica
que exibe o mesmo filme em países como Argentina e Peru, que têm censura, e
Brasil. "Fazemos só uma edição", diz.
O mesmo acontece no canal Warner.
"Epidemia", com Dustin Hoffman, e
"Copycat", com Sigourney Weaver, receberam "ajustes" antes de ir ao ar.
Até Eurochannel exibe obras retalhadas. Exibiu "Julieta dos Espíritos", de Federico Fellini, com 130 minutos, um corte de 18 minutos em relação à metragem
original. A direção do canal afirma que a
política lá é exibir filmes na íntegra. A
culpa, no caso, seria do distribuidor.
"Recebemos os filmes da matriz, nos
EUA, e entregamos para os canais sem
alterá-los. Cortávamos durante a censura", diz Eli Whabba, da Fox Televisão.
"Não podemos mexer em nada. É a
matriz que faz as edições internacionais", afirma Loremberg Nascimento,
gerente regional da Warner TV.
O Telecine 2, especializado em filmes,
também mutila filmes. Fez isso com "Cavaleiros de Aço". O filme, de George Romero, tem 145 minutos, mas vem sendo
exibido numa versão com apenas 121.
"Nós exibimos os filmes na íntegra. Esse foi um caso isolado", afirma o diretor
de programação dos Telecines, Sérgio
Leeman. Resta saber quantos "casos isolados" além desse ainda estão no ar.
O Canal Brasil exibiu em outubro
"Fonte da Saudade", com Lucélia Santos,
em 79 minutos. A revista da Net informa
que o filme tem 90 minutos de duração.
"Houve um erro nosso na hora de informar à revista. Damos a metragem com
um minuto a mais para que o espectador
não grave o filme cortado. Na hora de digitar 80, colocamos 90", diz o gerente de programação Alexandre Cunha.
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