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RÉPLICA
Lição de ignorância
JORGE CALDEIRA
A coleção "Formadores do Brasil" é resultado de
um grande investimento para cobrir uma lacuna no
Brasil: a publicação de documentos históricos originais. Estão sendo produzidos dez volumes desta coleção. Foram lançados dois: "Diogo Antonio Feijó",
organizado por mim, e "Bernardo Pereira de Vasconcelos", por José Murilo de Carvalho. Este ano devem ser lançados mais seis volumes, trazendo a obra
de brasileiros como José Bonifácio, Visconde de Cairu, Hipólito da Costa e Pimenta Bueno. Digo "devem", porque cada um desses volumes exige um gigantesco trabalho de pesquisa, sujeito a muitas incertezas.
Os originais estão dispersos em arquivos de todo o
país, muitos em estado precário -o que exige um
longo trabalho de garimpagem. Por si só, esta situação revela a importância do projeto. Para enfrentar a
tarefa de encontrar o material (inclusive iconográfico) e restaurar os textos para o leitor contemporâneo, atualizando ortografia e pontuação com rigor,
produzindo notas, juntando as indicações de pesquisa e fortuna crítica, foi preciso reunir o que há de
melhor na historiografia brasileira. O conselho editorial que supervisiona a tarefa reúne os maiores historiadores do país: Fernando Novais, Boris Fausto,
Evaldo Cabral de Mello, José Murilo de Carvalho e
Sergio Goes de Paula. Graças à excelência deste conselho, foi possível reunir uma equipe de pesquisadores com alta competência acadêmica e dar um padrão elevado a cada livro.
Esta introdução se faz necessária porque, num
agregado de palavras apresentado neste Jornal de
Resenhas (08/01/2000, "Uma Personagem Polêmica", de Miriam Dolhnikoff), quando se comenta a
coleção, informa-se apenas que ela seria cópia de
uma outra, que reapresenta obras isoladas de autores do século passado e, portanto, não tem nenhuma
característica em comum com "Formadores do Brasil". Não é exatamente fácil produzir um equívoco
informativo desse porte -e nem é este o único evento dessa natureza na peça, o que obriga a uma outra
exposição.
O volume "Diogo Antonio Feijó" é a mais completa reunião de textos já publicada deste líder fundamental na formação do país. É o primeiro volume
organizado a partir de toda sua obra, encontrada
após um duro trabalho de pesquisa em mais de uma
dezena de arquivos -material completo este que estará proximamente à disposição de todos os brasileiros na Internet. Há nada menos que 88 anos os textos
de Feijó não eram publicados.
Não existe naquela resenha qualquer informação
sobre esta dimensão de novidade do livro. Pior: as
informações sobre o coração do volume, os textos de
Feijó, se resumem a apenas duas breves referências,
perdidas em meio à confusão. A primeira afirma que
"todos os textos importantes de Feijó podem ser encontrados no livro". Pena que essa frase seja tudo
que se encontra sobre o subconjunto destes "textos
importantes", o que impede o leitor de saber quais
seriam.
A segunda asserção lamenta que haja também
"textos supérfluos" -ou, em outras palavras, estranhamente lamenta que tenha chegado ao leitor mais
do que o necessário. Esta segunda asserção, ao contrário da primeira, é qualificada por um comentário,
aliás errado: o de que os textos retirados das atas do
Conselho de Província estariam no livro apenas por
conter a assinatura de Feijó. Na verdade são os projetos apresentados por Feijó e aprovados pelo Conselho.
Menos grave esse erro que um outro. Na apresentação aos textos, digo que houve pouca pressão sobre os eleitores na escolha de Feijó para regente, em
1835, porque não havia candidatos conservadores
viáveis. Por causa disso, sou apresentado como ignorante em história. O texto afirma que "os conservadores não só participaram, como um de seus mais
importantes líderes, Holanda Cavalcanti, perdeu de
Feijó por cerca de 600 votos". O Holanda Cavalcanti
aí referido vem a ser Antonio Francisco de Paula e
Holanda Cavalcanti de Albuquerque, deputado entre 1826 e 1838, senador daí até 1863, três vezes ministro da Fazenda, membro do Conselho de Estado
-que sempre foi um político liberal. Tão liberal e
tão próximo às posições de Feijó que Joaquim Nabuco resumiu suas posições políticas com a seguinte
frase: "Era um Feijó-Cavalcanti, nascido e criado nos
engenhos do norte".
Falhas dessa gravidade têm sua função: ajudam a
entender porque o espaço para a exposição do trabalho coletivo necessário para se fazer o livro, bem como seu conteúdo, se resume a três referências, enquanto os ataques ao organizador são tão fartos: há
28 referências negativas à minha pessoa no texto. Essas referências se contrapõem a 12 referências positivas indiretas, auto-atribuídas ao narrador. Em outras palavras, o centro do texto não é uma análise do
livro, mas uma discussão de autoridade entre resenhista e organizador, fora do contexto da obra. O
primeiro, que pretensamente conhece mais, alerta
ao leitor não sobre o livro (praticamente ignorado),
mas sobre a suposta baixa qualidade do organizador. Neste contexto, o erro grotesco -erro de fato,
erro sobre o repertório de conhecimento, não apenas erro de avaliação- sobre Holanda Cavalcanti se
transforma em ponto central para um juízo sobre a
autoridade. Mostra com toda clareza que quem afirma muito sua superioridade, conhece pouco do assunto. Uma verdadeira aula de ignorância.
Jorge Caldeira é doutor em ciência política pela USP e organizador
de "Diogo Antonio Feijó" (Editora 34) .
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