São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Por uma São Paulo mais limpa

É uma amizade de quase 70 anos. Fomos colegas de ginásio. Depois disso ela entrou na Escola Normal da Praça da República -o Caetano de Campos-, onde formou-se professora. Usava aquele belo uniforme azul e branco, de saia rodada e gola engomada. Volta e meia nos encontrávamos, na própria praça, para ouvir os concertos da banda municipal. Jovens e adultos disputavam os melhores lugares, sentando-se em bancos limpos e asseados, na maior descontração.
Ao redor, circulavam o homem do realejo, os vendedores de pipoca e guloseimas, os que faziam deliciosos sorvetes no próprio local -enfim, um ambiente alegre. Admirar as flores e os jardins bem tratados era uma festa para os olhos. Observar o vai-e-vem dos peixes na água limpa era relaxante. Tudo com segurança e com o mais absoluto respeito.
A Joaninha foi lecionar no interior, aposentou-se e ficou por lá, em Pindamonhangaba. Visitou-me na semana passada. No trajeto do escritório à minha casa, ela quis matar as saudades da velha praça. Ficou decepcionada com a sujeira generalizada. Queria descer do carro, mas desistiu. Sentiu logo a insegurança do local. Chorou a destruição do imenso belo que guardara em sua alma.
Trafegando pela avenida 9 de Julho, quis saber o significado de escritos indecifráveis pintados pelos pichadores por toda a parte. Confessei minha ignorância. Não sei por que não usam o português.
O nosso trajeto foi marcado por comentários que passaram da indignação ao sarcasmo -traço que nem a idade lhe tira. Perguntou-me como podia eu gostar de viver e trabalhar numa cidade tão imunda. Foi logo dizendo que limpeza não é questão de dinheiro, e sim de educação, e desfiando o seu rosário de críticas. Lembrou que nada disso foi visto por ela quando da visita que fez à sua sobrinha no Rio de Janeiro em dezembro passado. E muito menos em Pinda.
Senti vergonha. Temos um novo prefeito. Precisamos mudar esse quadro. São Paulo é muito bonita. Tem prédios maravilhosos e belas praças públicas. Isso não pode ser destruído por vândalos que desfiguram a cidade impunemente.
A repressão é importante, mas não é tudo. Gente mal-educada precisa ser educada. Por isso, sugiro ao prefeito José Serra que desenvolva ações que convertam sentimentos de destruição em condutas de criação, organizando melhor os ambientes de grafitagem, que podem transformar pichadores em artistas. E melhorar a vigilância da guarda municipal.
Sugiro ainda aos nossos juízes que apliquem mais penas alternativas de trabalho comunitário. Ao pichador que é pego sujando, que se dê a ele a oportunidade de pintar as escolas e outros prédios públicos durante um ou dois anos. Essa será uma boa prova da sua dita vocação para a pintura.
Enfim, queremos viver e mostrar aos visitantes uma São Paulo asseada e capaz de refletir a educação e a civilidade de seus habitantes. Quero convidar a Joaninha daqui a um ano para ver uma outra realidade. Do jeito que está, não pode continuar.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.

Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A vaia da vaia
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.