|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Por uma São Paulo mais limpa
É uma amizade de quase 70 anos.
Fomos colegas de ginásio. Depois
disso ela entrou na Escola Normal da
Praça da República -o Caetano de
Campos-, onde formou-se professora. Usava aquele belo uniforme azul e
branco, de saia rodada e gola engomada. Volta e meia nos encontrávamos,
na própria praça, para ouvir os concertos da banda municipal. Jovens e
adultos disputavam os melhores lugares, sentando-se em bancos limpos e
asseados, na maior descontração.
Ao redor, circulavam o homem do
realejo, os vendedores de pipoca e guloseimas, os que faziam deliciosos sorvetes no próprio local -enfim, um
ambiente alegre. Admirar as flores e
os jardins bem tratados era uma festa
para os olhos. Observar o vai-e-vem
dos peixes na água limpa era relaxante. Tudo com segurança e com o mais
absoluto respeito.
A Joaninha foi lecionar no interior,
aposentou-se e ficou por lá, em Pindamonhangaba. Visitou-me na semana
passada. No trajeto do escritório à minha casa, ela quis matar as saudades
da velha praça. Ficou decepcionada
com a sujeira generalizada. Queria
descer do carro, mas desistiu. Sentiu
logo a insegurança do local. Chorou a
destruição do imenso belo que guardara em sua alma.
Trafegando pela avenida 9 de Julho,
quis saber o significado de escritos indecifráveis pintados pelos pichadores
por toda a parte. Confessei minha ignorância. Não sei por que não usam o
português.
O nosso trajeto foi marcado por comentários que passaram da indignação ao sarcasmo -traço que nem a
idade lhe tira. Perguntou-me como
podia eu gostar de viver e trabalhar
numa cidade tão imunda. Foi logo dizendo que limpeza não é questão de
dinheiro, e sim de educação, e desfiando o seu rosário de críticas. Lembrou
que nada disso foi visto por ela quando da visita que fez à sua sobrinha no
Rio de Janeiro em dezembro passado.
E muito menos em Pinda.
Senti vergonha. Temos um novo
prefeito. Precisamos mudar esse quadro. São Paulo é muito bonita. Tem
prédios maravilhosos e belas praças
públicas. Isso não pode ser destruído
por vândalos que desfiguram a cidade
impunemente.
A repressão é importante, mas não é
tudo. Gente mal-educada precisa ser
educada. Por isso, sugiro ao prefeito
José Serra que desenvolva ações que
convertam sentimentos de destruição
em condutas de criação, organizando
melhor os ambientes de grafitagem,
que podem transformar pichadores
em artistas. E melhorar a vigilância da
guarda municipal.
Sugiro ainda aos nossos juízes que
apliquem mais penas alternativas de
trabalho comunitário. Ao pichador
que é pego sujando, que se dê a ele a
oportunidade de pintar as escolas e
outros prédios públicos durante um
ou dois anos. Essa será uma boa prova
da sua dita vocação para a pintura.
Enfim, queremos viver e mostrar
aos visitantes uma São Paulo asseada e
capaz de refletir a educação e a civilidade de seus habitantes. Quero convidar a Joaninha daqui a um ano para
ver uma outra realidade. Do jeito que
está, não pode continuar.
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A vaia da vaia Próximo Texto: Frases
Índice
|