São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

A vaia da vaia

RIO DE JANEIRO - Toda vez que vaiam o presidente Lula, como aconteceu agora no Fórum em Porto Alegre, verifico que estão vaiando a si próprios pela besteira de terem votado nele na última eleição. As alianças que ele fez para chegar lá, os compromissos que tomou para ser eleito, seriam suficientes para demonstrar que o carismático líder operário não mais estava disposto a dar murro em ponta de faca.
Sou de um tempo em que votei nele quando um líder da Fiesp declarou que os empresários iriam todos embora do país, o último deles apagando a luz da última fábrica.
Não é questão de demonizar o empresário, mas de lamentar o tipo de empresário -e até mesmo o tipo de empregado, que resiste a qualquer alteração no sistema que prioriza a ordem acima de tudo. E, priorizando a ordem, prioriza a contabilidade pública, o dever & haver examinado com zelo pelos guarda-livros de antigamente, aqueles caras que usavam uma palheta de celofane verde para proteger a vista esbofada de fazer e refazer contas.
O que Lula representava de novo esgotou-se em si próprio, na sua maneira pitoresca de falar -que, pessoalmente, eu admiro, o discurso dele em Porto Alegre foi muito bom, apesar dos exageros no auto-elogio. Lula representava o novo, mas, apressadamente, deixou-se assimilar pelo sistema tradicional do qual foi vítima e agora é cúmplice.
E, se não é caso para demonizar as elites, muito menos é caso para demonizar o próprio Lula. Vaiá-lo é da vida, osso do ofício, embora o ofício dele não seja exatamente um osso duro de roer. O problema que surge na vida nacional, já que atravessamos metade de seu mandato, é a possibilidade dos que hoje vaiam o presidente daqui a dois anos votarem novamente nele.
Reclamar da herança maldita, como Lula costuma fazer, é irônico. Outro dia, ele criticou a "fracassomania" dos que não o aprovam. A expressão fazia parte da herança maldita que alguém nos deixou.

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