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O VOTO NO IRAQUE
Sob ameaça de atentados terroristas, os iraquianos vão hoje às
urnas eleger um Legislativo que terá
a tarefa de escrever uma nova constituição para o país. O pleito, que deveria marcar o assentamento da pedra
fundamental da democracia no Iraque e o triunfo da Doutrina Bush
após a rápida ação bélica que derrubou a ditadura de Saddam Hussein,
ocorre em meio a uma guerra civil
que poderá assumir proporções ainda mais preocupantes.
O experimento democrático patrocinado pelos EUA, embora represente algo raro no mundo árabe, fértil
em governos ditatoriais, não pode
deixar de ser visto com uma dose de
ceticismo. As condições em que
transcorre o processo eleitoral são
excepcionais e certamente subtraem
algo de sua representatividade. Em
que pese a liberdade de expressão e
de organização partidária -em si
um avanço-, trata-se de um país
ocupado, onde grupos resistem violentamente aos invasores, promovem atentados e se opõem ao pleito.
Não bastasse, o Iraque é atravessado por divisões étnicas e religiosas
que tornam o quadro político ainda
mais crítico e complexo. A segurança
é tão precária no país que parte da
população não poderá votar. E, como a violência é mais intensa na região dos sunitas, que são cerca de
20% dos iraquianos, já se sabe que
sua representação será diminuída.
Partidos sunitas renunciaram a participar da eleição, e os EUA, na tentativa de contornar o problema, pretendem encontrar uma maneira de indicar representantes desse grupo
-que constituía a elite governante
sob Saddam- para o Parlamento.
Os problemas que cercam esse primeiro passo da "democracia" no Iraque não invalidam as chances de que
no futuro o país venha a organizar
instituições representativas e verdadeiramente democráticas. Cenários
verossímeis entretanto incluem no
curto e médio prazos a continuidade
dos atos de resistência e dos atentados terroristas, que vêm atingindo
muito mais a população civil do que
os ocupantes estrangeiros, a intensificação da guerra entre facções e
mesmo uma possível fragmentação
do Iraque em três Estados -um xiita, um sunita e um curdo. Nesse caso, a disputa territorial, notadamente
pelos ricos campos de petróleo existentes no sul e no norte, nada teria de
pacífica. É, aliás, o petróleo e seu elevado valor estratégico que tornam o
Iraque e todo o Oriente Médio o centro das atenções mundiais.
Em hipóteses mais extremas, a parte xiita do Iraque (60% da população)
cairia sob influência do Irã e se tornaria hostil aos EUA. A fundação de um
Estado curdo no norte (pouco menos de 20% dos iraquianos) encontraria a firme oposição da Turquia,
país que enfrenta problemas para
conter os anseios autonomistas de
sua própria população curda.
Existe entre especialistas o relativo
consenso de que os norte-americanos desperdiçaram, logo após a queda de Saddam, a chance de agir mais
decisivamente para criar um ambiente seguro e favorável às eleições.
A resistência conseguiu instalar-se
de forma mais disseminada do que
se esperava e, ao dificultar os progressos da reconstrução, paulatinamente ganhou o apoio de uma população cada vez mais decepcionada
com os resultados da ocupação estrangeira. Foi nesse processo que os
norte-americanos perderam a chamada batalha pelos corações e mentes dos iraquianos, sem o que é praticamente impossível vencer a guerra.
A prioridade da Casa Branca agora
é criar uma situação na qual possa retirar suas forças sem que isso pareça
uma derrota. Mesmo esse objetivo,
pouco ambicioso para quem já pretendeu lançar a partir do Iraque a democratização do Oriente Médio, parece difícil no curto prazo.
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