São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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Ibirapuera


OSCAR NIEMEYER

Na última quinta-feira, lendo este jornal, senti que qualquer coisa pode acontecer, quebrando o ritmo com que o Ibirapuera vem se recuperando. E, como arquiteto daquele conjunto, vejo-me na obrigação de me manifestar. De recordar como, durante anos, muitos anos, aquela obra ficou paralisada, com a entrada principal capenga, sem o teatro que, com a cúpula já construída, deveria completá-la. E a grande marquise ocupada por obras que nela nunca poderiam ter sido permitidas. Uma exibição de desprezo pela arquitetura, impossível de aceitar.
Os edifícios exigindo reparos, com graves problemas de infiltração, iluminação, proteção etc., e a cúpula, destinada a exposições de arte, sendo utilizada de maneira inadequada, desmerecendo assim a sua arquitetura.
Durante esse longo período de incompreensível descaso, procuramos sempre encontrar uma solução viável, que a mediocridade ativa recusava implacável. De uns tempos para cá, a começar com Carlos Bratke, que com o maior empenho cuidou da recuperação dos prédios da Bienal, um clima de entusiasmo e interesse cresceu com relação ao Ibirapuera. E, com a presença de Ricardo Ohtake, Edemar Cid Ferreira e Paulo Mendes da Rocha, que, competente, os assessorou, uma nova esperança surgiu para mim.
A marquise, sem as entradas existentes, assumiu sua verdadeira escala, e as obras sob ela construídas -com uma única exceção, que acredito provisória- foram removidas. É a coluna vertebral do conjunto, onde o povo passou a circular protegido. Um lugar de passagem, pausa e conversa que o projeto previa.
A cúpula que projetei 50 anos atrás foi liberada, e Paulo Mendes da Rocha, com seu especial talento, a atualizou, declarando aos jornais, generoso: "É a oca mais bonita do mundo".
De longe, eu acompanhava feliz tudo isso, quando, como disse antes, li nos jornais que um impasse aconteceu naquele ambiente tão promissor. E resolvi escrever este pequeno texto, lembrando como foi importante para o conjunto do Ibirapuera e para a própria cidade de São Paulo a atuação corajosa daqueles quatro amigos a quem, como um dos autores desse projeto, mais uma vez abraço e agradeço.
Leio este texto, olho o desenho que elaborei para a entrada do Ibirapuera e sinto como seria bom realizá-lo. A cúpula e o teatro criando o espetáculo arquitetural. Duas formas brancas e puras a lembrarem a singeleza magnífica das velhas obras do período colonial.
Oscar Niemeyer, 92, arquiteto, é um dos criadores de Brasília; é autor do projeto do Memorial da América Latina, em São Paulo, e de obras na França, na Itália, na Inglaterra, nos EUA, na Venezuela e em Israel, entre outros países.


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